O preço do descaso
O Estado de S.Paulo
Com ar compungido, a presidente Dilma Rousseff apareceu
nos últimos dias sobrevoando Minas Gerais e Espírito Santo para ver os
estragos causados pelas chuvas, que deixaram mais de 40 mortos e
milhares de desabrigados. Para mostrar firme disposição de enfrentar a
tragédia, ela deixou o conforto de suas férias na Bahia para comandar
reuniões de emergência com autoridades locais e federais, nas quais
estabeleceu prioridades e anunciou medidas urgentes. Toda essa
determinação de Dilma, porém, contrasta com o descaso de seu governo em
relação ao recorrente problema das enchentes.
Levantamento feito no Sistema Integrado de Administração Financeira, publicado pelo Estado,
mostra que apenas 15,5% dos R$ 2,47 bilhões previstos para obras de
contenção de encostas, drenagem e manejo de águas pluviais haviam sido
aplicados. Não se trata de um fato isolado. No ano passado, a execução
foi de apenas 23,1%. Isso significa que o governo federal simplesmente
não consegue gastar os recursos destinados à prevenção de desastres.
O programa que mais deveria receber verbas, voltado para a drenagem
urbana e o manejo de águas pluviais em municípios com mais de 50 mil
habitantes, obteve somente 18,87% do R$ 1,24 bilhão previsto. Já o
mapeamento de áreas de risco utilizou apenas R$ 1,8 milhão dos R$ 24
milhões autorizados. Os recursos são liberados segundo convênios
firmados com os Estados e os municípios - que são, portanto,
corresponsáveis pela ineficiência e pelos atrasos.
No caso específico dos Estados mais atingidos pelas enchentes até
agora, o vexame é ainda maior. Um levantamento feito pela organização
Contas Abertas mostra que o Espírito Santo recebeu apenas 0,41% dos
recursos previstos para prevenção e recuperação de áreas atingidas por
enchentes neste ano, que já mataram mais de 20 pessoas e deixaram 60 mil
desabrigados. Além disso, nem todo dinheiro recebido foi utilizado. É o
caso dos R$ 18,3 milhões destinados a drenar o Canal do Congo, em Vila
Velha, cujas águas transbordaram. Embora haja desde 2009 um convênio
federal para obras na região, elas não foram realizadas.
Em Minas, os municípios que mais registraram mortes não receberam
nenhum centavo das verbas destinadas à prevenção de desastres. E, como
mostra o Contas Abertas, somente uma fração da verba empenhada para
obras de contenção de encostas em cidades como Belo Horizonte e Juiz de
Fora foi efetivamente liberada - a capital mineira, por exemplo, recebeu
R$ 16,3 milhões, mas o volume de restos a pagar alcança R$ 100 milhões.
Em sua conta no Twitter, Dilma admitiu a dificuldade na execução do
que está previsto no Orçamento, mas se queixou das exigências
burocráticas. "Muitas vezes, os recursos para prevenção ou reconstrução
chegam atrasados aos municípios por falta de projetos ou exigências, que
são corretas em tempos normais, mas excessivas para enfrentar situações
de emergência", escreveu a presidente.
O problema é que as tais "situações de emergência" às quais Dilma se
refere são totalmente previsíveis e repetem-se todos os anos. As
exigências burocráticas de que reclama a presidente não foram feitas
agora, em meio às enchentes e, sim, muito tempo antes. Se o governo
tivesse feito sua parte entre uma tragédia e outra, o desastre deste ano
provavelmente teria sido bem menor.
Mas, como sempre, Dilma recorre a soluções paliativas, como a edição
de uma medida provisória para dispor, segundo suas palavras, de
"mecanismos (de liberação de recursos) mais simples, rápidos, sem perder
a transparência, nos quais o controle sobre o gasto do recurso público
se dará sobre os resultados, durante a execução e na prestação de
contas".
Para efeitos midiáticos, podem ter muita utilidade as imagens de
Dilma com o colete laranja da Defesa Civil, colocando o pé na lama,
mobilizando autoridades e lançando medidas de emergência para enfrentar a
tragédia das enchentes. Na prática, porém, se os programas de prevenção
que dependem de recursos e iniciativas federais continuarem à mercê dos
improvisos típicos deste governo, infelizmente, pode-se esperar a
repetição dos desastres.
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