Ricardo Noblat - O Globo
O Senado deve ao distinto público a abertura de processo para cassar por quebra de decoro o mandato do seu presidente, Renan Calheiros.
Ou não é falta de decoro ignorar a lei? Ou não foi o que fez Renan ao voar em jatinho da FAB para se submeter no Recife a um implante de 10 mil fios de cabelo?
Com um agravante: depois de flagrado voando às nossas custas, tentou encenar uma farsa. Consultou a FAB sobre se de fato desrespeitara a lei.
A FAB não respondeu à consulta. Deu-se ao respeito, ora.
Renan estava careca de saber que o decreto que regulamenta o uso por autoridades de jatinhos da FAB não prevê deslocamentos por razões particulares.
É lícita a requisição de jatinho para viagens a serviço ou de volta ao seu Estado, por exemplo. Ou em caso de emergência médica. Um implante capilar é tudo – até um luxo. Emergência não é.
Imagine se fosse possível escapar dos rigores da lei sob a desculpa de que desconhecia sua existência. “Sinto muito, mas nunca fora apresentado a essa lei”. Não teríamos um Estado, não como o que conhecemos hoje. Mas um Estado de anarquia.
Renan é político desde 1978. Foi duas vezes deputado federal por Alagoas, três senador, líder do governo Collor e ministro da Justiça de Fernando Henrique.
Uma de suas atividades é ajudar a fazer leis. Há várias de sua autoria. Fora centenas que ajudou a fazer.
Para isso, como deputado ou senador, sempre contou com a assessoria de dezenas de funcionários do quadro fixo da Câmara dos Deputados ou do Senado.
Como presidente do Senado – o terceiro na linha direta da sucessão do presidente da República – todas as suas dúvidas lhe são tiradas. Na hora.
Como sugerir que possa ter sido traído pela memória? Ou que seus assessores possam ter-se enganado na interpretação da lei? Ou que caberia à FAB dizer se ele acertara ou não ao requisitar jato para uma viagem particular?
E uma viagem que ele se empenhou para que não chamasse a atenção de ninguém? Como de costume, foi a imprensa que descobriu o malfeito de Renan.
Na noite do último dia 18, uma quarta-feira, Renan voou ao Recife a “serviço”, conforme consta dos registros da FAB. A agenda dele no site do Senado omitiu a viagem.
Uma vez lá, se internou em uma clínica onde no dia seguinte teve 10 mil fios de cabelo implantados na cabeça pelo cirurgião plástico Fernando Basto. A cirurgia durou oito horas. Seus resultados começarão a se tornar visíveis daqui a quatro meses.
Do Recife, Renan foi a Maceió. Um outro jatinho o levaria a Brasília quando quisesse. No que deu errado...
Renan apelou para o Plano B – “A FAB tem a última palavra”. Esqueceu de combinar com a FAB. Mandou um ofício ao comandante da FAB perguntando se cometera alguma “impropriedade” ao voar ao Recife de jatinho. Não recebeu resposta. Decidiu então pagar à FAB os custos da viagem.
Final feliz? Quem, fora Renan, pode pensar assim?
Ok, a imprensa esquecerá mais rapidamente o assunto por causa da decisão de Renan de reembolsar a FAB. E se ela esquece todo mundo muda de assunto.
Mas Renan, além de tudo, é reincidente. Em junho passado, foi a Trancoso, na Bahia, para o casamento da filha do colega Eduardo Braga (PMDB-AM). Usou um jato da FAB. Flagrado, devolveu à FAB R$ 32 mil.
Renan é tudo – menos um inocente coitadinho.
Ignorou a lei em junho, voltou a ignorá-la seis meses depois, só reembolsou a União quando os dois episódios se tornaram públicos. Do contrário...
Razoável supor que teria embolsado nosso dinheiro em silêncio. E sem remorso.
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