Anahad O'Connor - NYT
Quando Christopher Herrera, 17, entrou no pronto-socorro do Hospital
Infantil do Texas numa manhã do ano passado com o peito, rosto e olhos
num amarelo vivo – "parecia um marcador de texto", lembra-se a médica
Shreena S. Patel, residente pediátrica que o tratou.
Christopher, estudante do ensino médio de Katy, Texas, sofreu danos
graves no fígado depois de usar um extrato de chá verde concentrado que
havia comprado numa loja de nutrição como suplemento para "queimar
gordura". O dano foi tão extenso que ele foi colocado na fila para
transplante de fígado.
"Foi aterrorizante", disse ele numa entrevista. "Eles me diziam que tinham os melhores cirurgiões e ficavam tentando me confortar. Mas o que estavam dizendo era que eu precisava de um fígado novo e que meu corpo poderia rejeitá-lo."
Novos dados sugerem que seu caso não é o único. Os suplementos dietéticos são responsáveis por quase 20% dos danos hepáticos que aparecem nos hospitais por uso de substâncias, 7% a mais do que há uma década, de acordo com uma análise feita por uma rede nacional de especialistas em fígado. A pesquisa incluiu apenas os casos mais graves de danos hepáticos encaminhados a um grupo representativo de hospitais em todo o país e os pesquisadores disseram que estavam subestimando o número real de casos.
Embora muitos pacientes se recuperam logo depois que param de tomar os suplementos e recebem tratamento, poucos necessitam de transplante de fígado ou morrem por causa de insuficiência hepática. Adolescentes ingênuos não são os únicos consumidores em risco, disseram os pesquisadores. Muitos pacientes são mulheres de meia-idade que buscam suplementos alimentares que prometem queimar gordura ou acelerar a perda de peso.
"É realmente uma terra de ninguém", disse o dr. Herbert L. Bonkovsky, diretor do laboratório de distúrbios do fígado, aparelho digestivo e metabólico no Carolinas HealthCare System em Charlotte, Carolina do Norte. "Quando as pessoas compram esses suplementos alimentares, não se sabe o que estão consumindo."
Embora os médicos tenham conseguido salvar seu fígado, Christopher não pode mais praticar esportes, passar muito tempo ao ar livre ou fazer esforço para não sobrecarregar o órgão. Ele deve visitar o médico uma vez por mês para avaliar sua função hepática.
Os americanos gastam cerca de US$ 32 bilhões por ano em suplementos alimentares, atraídos por afirmações não comprovadas de que vários comprimidos e pós irão ajudá-los a perder peso, ganhar musculatura e combater de tudo, desde resfriados a doenças crônicas. Cerca de metade dos norte-americanos usam suplementos alimentares e a maioria deles usam mais de um produto por vez.
O médico Victor Navarro, presidente da divisão de hepatologia da Rede
de Saúde Einstein na Filadélfia, disse que embora os danos hepáticos
ligadas aos suplementos sejam alarmantes, ele acredita que a maioria dos
suplementos sejam em geral seguros. A maior parte dos danos hepáticos
que foram acompanhadas por uma rede de profissionais de saúde são
causados por medicamentos prescritos para tratar as males como câncer,
diabetes e doenças do coração, disse ele.
Mas o setor de suplementos em grande parte não é regulamentado. Nos últimos anos, os críticos do setor pediram medidas para obrigar as empresas a provar que seus produtos são seguros, genuínos e feita de acordo com rigorosas normas de fabricação antes de chegar ao mercado.
Mas uma lei federal promulgada em 1994, a Lei de Saúde e Educação para Suplementos Dietéticos, impede que a Food and Drug Administration (FDA, agência reguladora de alimentos e remédios nos EUA) aprove ou avalie a maior parte dos suplementos antes de serem vendidos. Normalmente a agência deve esperar até que os consumidores sejam prejudicados para que os funcionários possam retirar produtos das lojas. Como a indústria de suplementos funciona na base da confiança, mostram estudos, o mercado foi inundado com produtos adulterados, mal rotulados ou embalados em doses cuja segurança não foi verificada.
A nova pesquisa revelou que muitos dos produtos relacionados aos danos hepáticos eram suplementos de musculação cheios de esteroides não regulamentados e comprimidos e pós de ervas que prometem aumentar a energia e ajudar os consumidores a perder peso.
"Infelizmente há criminosos que acham que é uma oportunidade de negócio reforçar alguns produtos e vendê-los como suplementos dietéticos", disse Duffy MacKay, porta-voz do Conselho pela Nutrição Responsável, uma associação comercial da indústria de suplementos. "É a margem da indústria, mas como você pode ver, está afetando alguns consumidores." Suplementos mais populares como vitaminas, minerais, probióticos e óleo de peixe não foram ligados a "padrões de efeitos adversos", disse ele.
O FDA estima que 70% das empresas de suplementos alimentares não estão seguindo as normas básicas de controle de qualidade que ajudam a prevenir adulteração de produtos. Dos cerca de 55 mil suplementos que são vendidos nos Estados Unidos, apenas 170 – cerca de 0,3% – foram estudados com rigor suficiente para determinar seus efeitos colaterais mais comuns, disse o dr. Paul A. Offit, chefe de doenças infecciosas do Hospital Infantil da Filadélfia e especialista em suplementos alimentares.
A nova pesquisa, apresentada no mês passado numa conferência em Washington, foi realizada pela Drug-Induced Liver Injury Network [Rede de Danos Hepáticos Induzidos por Drogas], que foi estabelecida pelos Institutos Nacionais de Saúde para acompanhar os pacientes que sofrem danos no fígado por causa de certos remédios e medicamentos alternativos. Ela inclui médicos de oito grandes hospitais de todo o país.
Os pesquisadores acompanharam 845 pacientes com danos hepáticos graves, induzidos por medicamentos, que foram tratados em hospitais da rede de 2004 a 2012. Eles se concentraram apenas em casos em que foram descartadas outras causas e houve um alto grau de certeza quanto à influência de medicamentos ou suplementos.
Quando a rede começou a acompanhar danos hepáticos em 2004, os suplementos eram responsáveis por 7% dos 115 casos graves. Mas o percentual vem aumentando de forma constante, chegando a 20% dos 313 casos registrados entre 2010 e 2012.
Entre os pacientes estavam dezenas de homens jovens que adoeceram por usar suplementos para musculação. Todos os pacientes se encaixam num perfil semelhante, disse Navarro, pesquisador da rede.
"Eles ficam muito amarelos por longos períodos de tempo", disse ele. "Eles sentem muita coceira, até o ponto em que não conseguem dormir. Eles perdem peso. E perdem o emprego. Tive um paciente que foi icterícia por seis meses."
Os exames mostraram que um terço dos produtos envolvidos continha esteroides não regulamentados em seus rótulos.
Uma segunda tendência surgiu quando Navarro e seus colegas estudaram 85 pacientes com danos hepáticos ligados a compridos e pós de ervas. Dois terços são mulheres de meia-idade, com 48 anos em média, que costumam usar os suplementos para perder peso ou ter mais energia. Quase uma dúzia dessas pacientes necessitaram de transplante de fígado e três morreram.
Nem sempre ficou claro o que causou os danos nesses casos, em parte porque os pacientes normalmente combinaram vários suplementos e usaram produtos com até 30 ingredientes, disse Bonkovsky, pesquisador da rede.
Mas um produto que os pacientes usavam com frequência era o extrato de chá verde, que contém catequinas, um grupo de antioxidantes poderosos que supostamente aumentam o metabolismo. Os extratos são muitas vezes comercializados como queimadores de gordura e as catequinas são muitas vezes adicionadas aos produtos de emagrecimento e energéticos. A maioria dos comprimidos de chá verde são muito concentrados, contendo muitas vezes a quantidade de catequinas encontradas em uma única xícara de chá verde, disse Bonkovsky. Em altas doses, as catequinas podem ser tóxicas para o fígado, disse ele, e uma pequena porcentagem de pessoas parece ser particularmente suscetível.
Mas os danos hepáticos atribuídos aos suplementos herbais tendem a ser mais graves e culminar em transplantes de fígado, disse Navarro. E ao contrário dos medicamentos sob prescrição, que são bastante regulamentados, os suplementos alimentares normalmente não têm qualquer informação sobre efeitos colaterais. Os consumidores assumem que os suplementos foram estudados e testados, disse Bonkovsky. Mas raramente é o caso. "Existe a crença de que, se algo é natural, então deve ser seguro e deve ser bom", disse ele.
Tradução: Eloise de Vylder
"Foi aterrorizante", disse ele numa entrevista. "Eles me diziam que tinham os melhores cirurgiões e ficavam tentando me confortar. Mas o que estavam dizendo era que eu precisava de um fígado novo e que meu corpo poderia rejeitá-lo."
Novos dados sugerem que seu caso não é o único. Os suplementos dietéticos são responsáveis por quase 20% dos danos hepáticos que aparecem nos hospitais por uso de substâncias, 7% a mais do que há uma década, de acordo com uma análise feita por uma rede nacional de especialistas em fígado. A pesquisa incluiu apenas os casos mais graves de danos hepáticos encaminhados a um grupo representativo de hospitais em todo o país e os pesquisadores disseram que estavam subestimando o número real de casos.
Embora muitos pacientes se recuperam logo depois que param de tomar os suplementos e recebem tratamento, poucos necessitam de transplante de fígado ou morrem por causa de insuficiência hepática. Adolescentes ingênuos não são os únicos consumidores em risco, disseram os pesquisadores. Muitos pacientes são mulheres de meia-idade que buscam suplementos alimentares que prometem queimar gordura ou acelerar a perda de peso.
"É realmente uma terra de ninguém", disse o dr. Herbert L. Bonkovsky, diretor do laboratório de distúrbios do fígado, aparelho digestivo e metabólico no Carolinas HealthCare System em Charlotte, Carolina do Norte. "Quando as pessoas compram esses suplementos alimentares, não se sabe o que estão consumindo."
Embora os médicos tenham conseguido salvar seu fígado, Christopher não pode mais praticar esportes, passar muito tempo ao ar livre ou fazer esforço para não sobrecarregar o órgão. Ele deve visitar o médico uma vez por mês para avaliar sua função hepática.
Os americanos gastam cerca de US$ 32 bilhões por ano em suplementos alimentares, atraídos por afirmações não comprovadas de que vários comprimidos e pós irão ajudá-los a perder peso, ganhar musculatura e combater de tudo, desde resfriados a doenças crônicas. Cerca de metade dos norte-americanos usam suplementos alimentares e a maioria deles usam mais de um produto por vez.
Mas o setor de suplementos em grande parte não é regulamentado. Nos últimos anos, os críticos do setor pediram medidas para obrigar as empresas a provar que seus produtos são seguros, genuínos e feita de acordo com rigorosas normas de fabricação antes de chegar ao mercado.
Mas uma lei federal promulgada em 1994, a Lei de Saúde e Educação para Suplementos Dietéticos, impede que a Food and Drug Administration (FDA, agência reguladora de alimentos e remédios nos EUA) aprove ou avalie a maior parte dos suplementos antes de serem vendidos. Normalmente a agência deve esperar até que os consumidores sejam prejudicados para que os funcionários possam retirar produtos das lojas. Como a indústria de suplementos funciona na base da confiança, mostram estudos, o mercado foi inundado com produtos adulterados, mal rotulados ou embalados em doses cuja segurança não foi verificada.
A nova pesquisa revelou que muitos dos produtos relacionados aos danos hepáticos eram suplementos de musculação cheios de esteroides não regulamentados e comprimidos e pós de ervas que prometem aumentar a energia e ajudar os consumidores a perder peso.
"Infelizmente há criminosos que acham que é uma oportunidade de negócio reforçar alguns produtos e vendê-los como suplementos dietéticos", disse Duffy MacKay, porta-voz do Conselho pela Nutrição Responsável, uma associação comercial da indústria de suplementos. "É a margem da indústria, mas como você pode ver, está afetando alguns consumidores." Suplementos mais populares como vitaminas, minerais, probióticos e óleo de peixe não foram ligados a "padrões de efeitos adversos", disse ele.
O FDA estima que 70% das empresas de suplementos alimentares não estão seguindo as normas básicas de controle de qualidade que ajudam a prevenir adulteração de produtos. Dos cerca de 55 mil suplementos que são vendidos nos Estados Unidos, apenas 170 – cerca de 0,3% – foram estudados com rigor suficiente para determinar seus efeitos colaterais mais comuns, disse o dr. Paul A. Offit, chefe de doenças infecciosas do Hospital Infantil da Filadélfia e especialista em suplementos alimentares.
A nova pesquisa, apresentada no mês passado numa conferência em Washington, foi realizada pela Drug-Induced Liver Injury Network [Rede de Danos Hepáticos Induzidos por Drogas], que foi estabelecida pelos Institutos Nacionais de Saúde para acompanhar os pacientes que sofrem danos no fígado por causa de certos remédios e medicamentos alternativos. Ela inclui médicos de oito grandes hospitais de todo o país.
Os pesquisadores acompanharam 845 pacientes com danos hepáticos graves, induzidos por medicamentos, que foram tratados em hospitais da rede de 2004 a 2012. Eles se concentraram apenas em casos em que foram descartadas outras causas e houve um alto grau de certeza quanto à influência de medicamentos ou suplementos.
Quando a rede começou a acompanhar danos hepáticos em 2004, os suplementos eram responsáveis por 7% dos 115 casos graves. Mas o percentual vem aumentando de forma constante, chegando a 20% dos 313 casos registrados entre 2010 e 2012.
Entre os pacientes estavam dezenas de homens jovens que adoeceram por usar suplementos para musculação. Todos os pacientes se encaixam num perfil semelhante, disse Navarro, pesquisador da rede.
"Eles ficam muito amarelos por longos períodos de tempo", disse ele. "Eles sentem muita coceira, até o ponto em que não conseguem dormir. Eles perdem peso. E perdem o emprego. Tive um paciente que foi icterícia por seis meses."
Os exames mostraram que um terço dos produtos envolvidos continha esteroides não regulamentados em seus rótulos.
Uma segunda tendência surgiu quando Navarro e seus colegas estudaram 85 pacientes com danos hepáticos ligados a compridos e pós de ervas. Dois terços são mulheres de meia-idade, com 48 anos em média, que costumam usar os suplementos para perder peso ou ter mais energia. Quase uma dúzia dessas pacientes necessitaram de transplante de fígado e três morreram.
Nem sempre ficou claro o que causou os danos nesses casos, em parte porque os pacientes normalmente combinaram vários suplementos e usaram produtos com até 30 ingredientes, disse Bonkovsky, pesquisador da rede.
Mas um produto que os pacientes usavam com frequência era o extrato de chá verde, que contém catequinas, um grupo de antioxidantes poderosos que supostamente aumentam o metabolismo. Os extratos são muitas vezes comercializados como queimadores de gordura e as catequinas são muitas vezes adicionadas aos produtos de emagrecimento e energéticos. A maioria dos comprimidos de chá verde são muito concentrados, contendo muitas vezes a quantidade de catequinas encontradas em uma única xícara de chá verde, disse Bonkovsky. Em altas doses, as catequinas podem ser tóxicas para o fígado, disse ele, e uma pequena porcentagem de pessoas parece ser particularmente suscetível.
Mas os danos hepáticos atribuídos aos suplementos herbais tendem a ser mais graves e culminar em transplantes de fígado, disse Navarro. E ao contrário dos medicamentos sob prescrição, que são bastante regulamentados, os suplementos alimentares normalmente não têm qualquer informação sobre efeitos colaterais. Os consumidores assumem que os suplementos foram estudados e testados, disse Bonkovsky. Mas raramente é o caso. "Existe a crença de que, se algo é natural, então deve ser seguro e deve ser bom", disse ele.
Tradução: Eloise de Vylder
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