terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Novo atentado eleva pressão sobre Putin
Homem-bomba se explode em ônibus em Volgogrado, matando 14; cidade russa já havia sido alvo no dia anterior
Ataques são atribuídos a rebeldes tchetchenos e acontecem a seis semanas do início de Olimpíada de Inverno 
LEANDRO COLON - FSP
Três atentados desde sexta-feira --sendo dois na mesma cidade-- e um saldo de 34 mortos. A Rússia vive o pânico de ataques terroristas a seis semanas de receber os Jogos Olímpicos de Inverno.
Ontem pela manhã, às 8h23 (2h23, horário de Brasília), a explosão de um homem-bomba em um ônibus elétrico de Volgogrado, sudoeste russo, matou 14 pessoas e deixou 28 feridos.
Anteontem, 17 haviam morrido depois que um terrorista (provavelmente uma mulher) detonou explosivos na principal estação de trem da cidade, que fica a 690 km de Sochi, sede do evento esportivo internacional em fevereiro. Na sexta, uma ação em Pyatigorsk já tinha tirado a vida de três pessoas.
As suspeitas recaem sobre militantes da Tchetchênia, república separatista infiltrada por fundamentalistas islâmicos que veem nos jogos uma oportunidade para atingir os inimigos no governo russo.
A reação externa foi imediata ontem, inclusive com sinais de cobrança ao governo de Vladimir Putin.
O presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, afirmou estar "confiante" que "as autoridades russas vão entregar os jogos com segurança".
Os EUA se convidaram para ajudar na proteção aos jogos, dizendo que "aceitariam cooperar mais de perto" --sugestão que soa como ironia, já que a Rússia dificilmente aceitaria discuti-la.
O presidente do Comitê Olímpico Russo, Alexander Zhukov, se antecipou e disse não ver motivos para aumentar a segurança do evento: "Todas as medidas necessárias já foram tomadas, não há nada mais a fazer em Sochi".
Putin sabe que os jogos são uma vitrine para a Rússia --e seu governo-- no exterior. Por isso, anistiou recentemente 20 mil prisioneiros.
Entretanto, os ataques terroristas têm demonstrado que nem tudo pode ser controlado, até porque os atentados indicam vulnerabilidade do sistema de transporte.
Diante dos ataques, o governo de Putin anunciou medidas de segurança nos principais aeroportos e estações de trem do país, além do nível elevado de alerta antiterrorista na região de Volgogrado para os próximos 15 dias.
As autoridades já identificaram indícios de ligações entre os atentados ocorridos na cidade. Segundo o porta-voz do Comitê de Investigação, Vladimir Markin, além de ambos atingirem o serviço de transporte, foram encontradas características parecidas entre os explosivos usados.
"Isso confirma a versão dos investigadores de que os dois ataques estão ligados. Eles podem ter sido preparados em um só lugar", disse.
Em declaração oficial, o Ministério das Relações Exteriores russo comparou os atentados aos ataques ocorridos contra a maratona de Boston, em abril. "Não vamos recuar e continuaremos nossa luta consistente contra um inimigo insidioso que só pode ser derrotado com a união", diz a nota.


Jogos de Inverno têm tudo para se tornar problema para líder 
IGOR GIELOW - FSP
Após um ano em que colecionou vitórias simbólicas contra o Ocidente, os Jogos de Inverno de Sochi têm tudo para tornar-se um problema político para o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
A realização em si dos jogos perto das fronteiras da Tchetchênia e da Geórgia já insinuava a vontade de Putin de reafirmar seu poder.
Afinal, a república russa tchetchena é o berço do separatismo do Cáucaso. Duas guerras depois, foram enterradas as ambições territoriais dos militantes, que foram infiltrados pelo jihadismo da rede Al Qaeda e migraram para o terror puro e simples.
Já a pequena Geórgia teve seu namoro com o Ocidente, que seria consumado com a entrada na Otan (a aliança militar liderada pelos EUA), encerrado em 2008 em uma ação militar russa.
Diferentes, os casos traduzem a mensagem geopolítica inequívoca de que o Kremlin não abrirá mão de controle sobre o Cáucaso, encruzilhada europeia-asiática e rota para o escoamento do gás e do petróleo do mar Cáspio.
Realizar os Jogos de Sochi em segurança poderia coroar um 2013 que sorriu a Putin.
Ao longo do ano, com um plano tirado da manga, ele demoveu os EUA de atacar a Síria. Ganhou pontos como defensor da liberdade de expressão, não exatamente seu ponto forte, ao abrigar o delator da espionagem americana, Edward Snowden. Até perdoou desafetos presos.
Mas aí vieram os terroristas e a oportunista sugestão dos EUA de que a Rússia deveria pedir ajuda para os Jogos de Sochi --cujo boicote é pedido por entidades de direitos humanos, devido às leis russas sobre gays.
Como a maratona de Boston demonstrou, coincidentemente com o ataque de jovens originários do Cáucaso, eventos esportivos cheios de civis são alvos tentadores.
Mas dificilmente terroristas agirão em Sochi, que será isolada do mundo a partir de 7 de janeiro. Parece improvável uma reprise gelada de Munique-72, quando palestinos massacraram israelenses.
Restam assim alvos secundários, como Volgogrado, a maior cidade nas proximidades. Laterais, mas simbólicos.
Na frente da estação onde ocorreu o atentado de domingo, há uma réplica da fonte Dança das Crianças, símbolo da resiliência russa que evoca um conto de fadas do idolatrado escritor infantil Kornei Tchukovski (1882-1969).
Erguida em 1939 na então Stalingrado, ficou famosa pelas fotos de soldados nazistas passando pelo monumento praticamente intacto, imerso na destruição da batalha.
Agora, o ícone daquela vitória soviética encontrou-se com um inimigo moderno. Se ele voltar a agir, Putin terá de repetir a dura e eficaz repressão que sempre lhe angariou apoio interno, mas que pode ser má propaganda em momento de exposição mundial.

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