Preciosa, uma bailarina negra na Academia Bolshoi: "Falaram que eu devia branquear a pele"
Jovem norte-americana vive há dois anos em Moscou e disputará importante competição internacional em janeiro
Sandro Fernandes - OM
Preciosa Adams carrega no nome a qualidade das melhores bailarinas. Com
apenas 18 anos, a jovem norte-americana estuda há dois anos na Academia
Bolshoi, em Moscou, e se forma daqui a seis meses em umas das mais
prestigiosas escolas de balé do mundo. A história poderia ser o sonho de
toda adolescente que desde pequena calça as sapatilhas de ponta. No
entanto, como se não bastasse o competitivo mundo da dança, Preciosa
teve ainda que enfrentar o preconceito por ser uma das únicas bailarinas
negras que passou pela academia russa.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Preciosa Adams pretende voltar para os Estados Unidos no segundo semestre de 2014
Preciosa entrou no mundo do balé muito cedo. Aos cinco anos, começou a
estudar a dança e, aos nove, entrou para um grupo comandado pelo russo
Sergei Rayevsky, em Michigan, nos Estados Unidos. Durante a
adolescência, a jovem estudou em Toronto, Nova York e Mônaco, antes de
ganhar uma bolsa de estudos para aperfeiçoar sua técnica de balé e
aprender russo, em um programa de imersão. A Rússia estava
definitivamente no caminho da bailarina norte-americana. Em 2011, com
apenas 16 anos, veio a mudança para Moscou.
Em seus mais de dois anos estudando na capital russa, Preciosa contou
em entrevista a Opera Mundi que foi deixada de lado em muitas
apresentações por causa da cor da sua pele. Segundo ela, uma professora
chegou a dizer que ela deveria “tentar branquear sua negritude” e se
parecer mais com o padrão esperado pelos diretores de teatro.
A bailarina parece alheia aos comentários racistas. “Eu ri. A ideia de
perfeição (da professora) é ser branco, mas temos que entender que somos
lindos da maneira que somos”. Preciosa diz ainda que alguns professores
na Rússia tentaram intervir em seu favor, mas tudo foi em vão.
“Eu sei por que não sou colocada em apresentações em grupo (no balé da
Academia Bolshoi). Eu sou muito diferente das demais. Eu não me encaixo
em nenhum grupo, mas eu não me importo. Estou preparada para solos”.
A Academia Bolshoi diz que não recebeu nenhuma reclamação formal da
bailarina e declarou em nota que nenhum aluno estrangeiro fez nenhuma
queixa da instituição. Preciosa diz que não fez nenhuma reclamação
porque não tinha certeza se isso teria algum resultado positivo. A
escola diz que todos os estudantes participam de apresentações e que a
norte-americana recebeu ótimas notas.
Determinada, Preciosa lamenta não ter tido mais experiência no palco,
mas acredita que os anos na Rússia foram válidos pelo aprendizado.
“Nunca foi um sonho dançar no Bolshoi. Eu vim aqui só para a escola
(Academia Bolshoi) e para o treinamento, não pela companhia Bolshoi”. A
anuidade da Academia Bolshoi custa 680 mil rublos para estrangeiros
(aproximadamente R$ 50 mil).
A bailarina disse à reportagem que seus professores russos nos Estados
Unidos já tinham alertado sobre a situação de racismo na Rússia.
Preciosa se mudou para Moscou sabendo o que esperava, mas não pretende
continuar no país. “Não quero morar na Rússia. Eu não me sinto livre
aqui. Nos EUA eu posso ser negra ou gay, por exemplo. Eu sou
norte-americana e sinto falta de liberdade. Não consigo respirar aqui”. O
curso dela na capital russa acaba em junho de 2014.
Sobre as polêmicas de corrupção, prostituição e venda de vagas em
apresentações do Teatro Bolshoi, Preciosa se limita a dizer que não se
surpreende com os escândalos da companhia e nem acha que seja exagero da
imprensa.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Em
janeiro deste ano ano, o diretor artístico do Bolshoi, Sergei Filin,
foi atacado com ácido na porta de sua casa, em um crime organizado por
um dos bailarinos da companhia. Em março, a ex-solista do Teatro
Anastasia Volochkova denunciou casos de prostituição e acirradas
disputas no corpo de baile. E, no início de novembro, a bailarina
norte-americana Joy Womack declarou que Filin teria dito que ela deveria
pagar 10 mil dólares (R$ 23,5 mil) para poder se apresentar no palco do
Bolshoi.
Modelo para jovens bailarinas
Preciosa não quer ser vista como um modelo no mundo do balé, ainda
dominado por dançarinas brancas. “Tudo é um processo. Na época da minha
mãe, todas as mulheres faziam alisamento. Agora tudo mudou. Somos mais
naturais. Ninguém quer estar restrito a um padrão, uma norma que a
sociedade e a TV decidiram”. E completa. “A sociedade coloca muita
pressão sobre o que é aceitável ou não. Mas depende do indivíduo decidir
se você vai seguir isso”.
Preciosa vai em janeiro à Suíça participar do Prix de Lausanne, uma
competição para as maiores companhias de balé da Europa. Vencer o
concurso praticamente significa poder escolher em que balé a bailarina
quer dançar.
“Quero trabalhar em uma companhia onde eu conquiste uma vaga apenas pelo fato de eu saber dançar”, conclui Preciosa.
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