terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Cartas oficiais viram esperança para mexicanos que tentam asilo nos EUA

Damien Cave - NYT
Rodrigo Cruz-Perez/The New York Times

O oficial C. Ramon Contreras Orozco emitiu centenas de cartas para moradores que buscam asilo político aos Estados Unidos devido à violência do tráfico de drogas, em seu escritório em La Ruana, no México 
O oficial C. Ramon Contreras Orozco emitiu centenas de cartas para moradores que buscam asilo político aos Estados Unidos devido à violência do tráfico de drogas, em seu escritório em La Ruana, no México
Famílias preocupadas se amontoam em seu pequeno escritório aqui diariamente. Outras centenas apareceram na fronteira com os EUA em San Diego, a 2.400 quilômetros de distância, segurando uma carta de aspecto oficial que ostenta seu nome, apostando que sua descrição da violência nesta área central do México as ajudará a conseguir asilo nos EUA.
A carta rapidamente se tornou um documento de esperança para os desesperados. E seu autor, uma obscura autoridade local chamada C. Ramon Contreras Orozco, continua a entregá-las, criando um emaranhado burocrático que está pondo à prova a política de asilo dos EUA.
"Estou tentando ajudar", disse Contreras, que é "jefe de tenencia", uma espécie de tabelião de imóveis, nesta cidade marcada por batalhas, onde um cartel das drogas declarou guerra aos moradores. "As pessoas continuam me dizendo que temem por suas famílias e precisam partir."
Os pedidos de asilo na fronteira com o México estão disparando: mais que duplicaram, de 13.800 em 2012 para 36 mil no ano fiscal de 2013. As autoridades americanas acreditam que as cartas de Contreras foram apresentadas em quase 2 mil dos casos mais recentes, transformando-o em um ponto focal da ansiedade sobre a violência no México e tornando sua carta um caso de estudo para questões contenciosas dos dois lados da fronteira.
De fato, ao produzir documentos que salientam a incapacidade do México de proteger a população civil nesta região de abacates, cítricos e drogas, Contreras, 38 - um plantador de limões que ocupa seu primeiro cargo no governo -, conseguiu envergonhar seu país e marcar seu caminho na última disputa sobre imigração nos EUA.
"Estou apenas verificando a realidade", disse ele, suando em uma mesa pequena em um escritório sem ar-condicionado. "Não estou fazendo nada errado."
As autoridades mexicanas de qualquer modo se frustraram com a atenção dada a esta área agrícola que escorregou para o caos, com os cartéis de drogas combatendo grupos armados de autodefesa. E em Washington deputados influentes como o republicano Robert Goodlatte, presidente da Comissão de Justiça da Câmara, estão cada vez mais preocupados que os criminosos estejam abusando do processo de asilo, trapaceando para entrar no país e desaparecendo durante alguns anos até que seus casos sejam julgados.
Os esforços de Contreras levantaram as duas preocupações. Em 2013, a maioria dos pedidos de asilo com base em um "temor verossímil de perseguição ou tortura" eram da América Central. Mas dos cerca de 2.500 casos que vieram do México, Contreras estimou que quase 80% envolveram suas cartas. As autoridades do Departamento de Segurança Interna disseram que consideram isso mais ou menos preciso.
E cada caso é um enigma. As afirmativas de Contreras sobre os perigos que correm são suficientes para dar às famílias que emigram uma chance de asilo nos EUA? As cartas que estão aparecendo na fronteira em San Diego são originais?
Às vezes sim, outras não, segundo autoridades de imigração. As circunstâncias com frequência são tão obscuras que até membros da mesma família portando a mesma carta dizem que receberam decisões diferentes em seus pedidos para ficar nos EUA e pedir asilo.
"As cartas são um produto da necessidade", disse o reverendo Manuel Amezcoa, 49, padre católico que trabalha nesta parte do México. "Mas os resultados são complicados."
Tudo começou em meados de março, disse Contreras, quando uma jovem apareceu em seu escritório suplicando por uma maneira de encontrar seu avô nos EUA. Algumas semanas antes, em 24 de fevereiro, moradores tinham formado um grupo de autodefesa e desafiado publicamente o cartel de drogas Cavaleiros Templários, que conduziram uma batalha armada perto da praça da cidade, em frente ao escritório de Contreras.
Os Cavaleiros Templários tornaram um risco mortal colher ou embalar limões, tirando o principal ganha-pão deste vale fértil. A gasolina também se tornou rara porque os fornecedores temiam entregá-la e o presidente municipal acabara de fugir em meio a acusações de ligações com o cartel, de repente tornando Contreras, que costumava passar a maior parte do tempo certificando transferências de propriedade, tudo o que restava do governo local.
A carta, disse ele, foi uma reação ao desespero, criada por ele e sua secretária enquanto a jovem esperava por uma resposta. Naquela altura, disse ele, estava óbvio que seu Estado natal de Michoacán, que luta com a violência da guerra das drogas há quase uma década, não era mais apenas uma terra sem lei; era inabitável.
"Este é um Estado falido", disse Contreras. "O governo não pode dar assistência em nada."
Autoridades federais rejeitaram essa avaliação, notando que tropas adicionais reduziram a violência em certas áreas. Mas aqui, em uma parte do país que especialistas em segurança descrevem como o campo de batalha mais duro do México na guerra contra o crime organizado, famílias inteiras recorrem a Contreras para encontrar uma saída.
Autoridades da Segurança Interna dos EUA enfatizam que o processo de asilo sempre foi complexo, com as autoridades avaliando uma série de evidências para determinar se os requerentes cumprem o critério legal de "medo verossímil", que geralmente lhes permite ficar nos EUA livremente enquanto o processo de asilo é julgado. Também há salvaguardas e verificações pessoais, dizem as autoridades da Segurança Interna, para evitar os criminosos e fraudes que, segundo Goodlatte, estão se tornando uma parte maior do sistema.
"As determinações de medo verossímil são ditadas por um estatuto antigo, e não uma questão de escolha", disse Peter Boogaard, um porta-voz da Segurança Interna.
A maioria dos pedidos de asilo é finalmente rejeitada por um juiz. Em 2012, somente 1% dos pedidos do México foram concedidos - 126 pessoas, uma fração dos 482 mil imigrantes que receberam a residência legal.
Mas, com autoridades de asilo diferentes tomando as decisões iniciais de "medo verossímil" depois das entrevistas, os primeiros resultados variam. E aqui nesta região que tem uma longa história de imigração até a possibilidade de asilo alimenta rumores e sonhos. Em várias cidades onde atiradores do cartel incendiaram ônibus, cortaram a eletricidade e encheram valas comuns com cadáveres, a carta significa uma esperança impressa. A maioria das pessoas que partiram com elas não voltou, disse Contreras, alimentando uma sensação de que o esforço está funcionando.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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