Alemães não conseguem entender aversão americana à reforma da saúde de Obama
Miriam Widman - Der Spiegel
Enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos considera se é inconstitucional exigir que as pessoas tenham um plano de saúde, os alemães ficam aturdidos com o motivo de tantos americanos parecerem ser contrários à cobertura universal.
Eles também questionam a forma contínua como o presidente americano Barack Obama e aqueles que apoiam sua reforma da saúde são retratados como socialistas e comunistas, notando que o atendimento de saúde foi introduzido na Alemanha no século 19 por Otto von Bismarck, que certamente não era um esquerdista, e é atualmente apoiado por políticos conservadores e pró-negócios.
“É um princípio de solidariedade”, diz Ann Marini, uma porta-voz da Associação Nacional das Seguradoras de Saúde. “Nem todo ‘S’ significa automaticamente socialismo.”
Marini e outros dizem que a cobertura obrigatória é algo que simplesmente não é questionado na Alemanha. Além disso, até mesmo os políticos pró-mercado não ousariam desmontar o sistema de seguro saúde do país.
O sistema só funciona se todos participarem
A exigência para que todo mundo compre um plano de saúde se baseia em um conceito simples, concordam os especialistas em saúde. Permitir que pessoas com saúde não tenham um plano de saúde destrói a comunidade de seguro e deixa as seguradoras cobrindo apenas os doentes.
As empresas de planos de saúde americanas estão cientes disso. A America’s Health Insurance Plans, um grupo setorial, apresentou um sumário de “amicus curiae” (amigo da corte) à Suprema Corte em janeiro, dizendo que a cobertura obrigatória exigida não pode ser divorciada das reformas da saúde de Obama. Em um complicado comunicado à imprensa, ela escreveu:
“Um grande número de especialistas tem concordado consistentemente que a implantação da garantia e de um preço para a comunidade tem consequências indesejadas a menos que esteja casada a um forte compromisso de obtenção de cobertura universal, por meio de uma exigência de cobertura pessoal eficaz e obrigatória.”
Falando de forma simples, isso significa que se apenas pessoas doentes tiverem plano de saúde, é impossível segurar pessoas independente de pré-condições, ou limitar a capacidade das seguradoras de estabelecer preços com base no histórico e risco do indivíduo. Todo mundo tem que participar - pessoas doentes e saudáveis - para que o sistema funcione.
Vantagem competitiva
Isso é compreendido na Alemanha, até mesmo por alguns empresários americanos que sabem que suas despesas com planos de saúde corporativos seriam muito menores nos Estados Unidos, onde nenhuma cobertura é obrigatória.
“Como empregadora, eu nunca questionaria contratar alguém e não lhes dar um seguro”, disse Cynthia Barcomi, natural de Seattle e atualmente dona de um café em Berlim. Ela abriu o Barcomi’s, um café no bairro na moda de Kreuzberg, em 1994.
Três anos depois, ela abriu o Barcomi’s Deli no distrito central de Mitte. Somando os dois negócios ela conta atualmente com cerca de 40 funcionários. Segundo a lei alemã, ela paga aproximadamente metade do valor do plano de saúde de seus funcionários como parte de seus contratos trabalhistas. A soma atual é baseada no quanto o trabalhador ganha. Apesar de custar caro para ela, ela acredita firmemente no sistema.
“O sistema nacional de saúde é algo incrivelmente importante para todo mundo, para toda a sociedade e para a saúde da sociedade”, ela diz. “Não dá para deixar pessoas de fora por não terem plano de saúde, porque elas não têm saúde. A base para tudo é a saúde das pessoas, não apenas a sua própria saúde, mas a saúde do próximo.”
A empresária americana disse que ofereceria plano de saúde para seus funcionários mesmo se não fosse obrigatório por lei, como é na Alemanha, porque as pessoas são mais produtivas se pensarem que seu empregador se importa com elas e acredita nelas.
“Faz parte de um relacionamento de trabalho; é uma troca”, ela disse, durante uma entrevista em seu café Kreuzberg. “Se eu quero que as pessoas trabalhem bem para mim e se quero que fiquem satisfeitas comigo como empregadora, eu tenho que oferecer a elas algo mais do que apenas o salário mínimo.”
Essa postura em relação à saúde - que parece tão estranha nos Estados Unidos - dá à Alemanha uma vantagem competitiva, disseram Barcomi e outros empresários. Uma força de trabalho com saúde é uma força de trabalho mais produtiva e estatísticas alemãs recentes apoiam isso. O país tem uma taxa de desemprego relativamente baixa e muitos setores da economia passam por boom.
Mas nos Estados Unidos, que gastam mais do que qualquer outro país desenvolvido em saúde, um número cada vez maior de empresas estão “menos competitivas globalmente por causa do aumento dos custos de saúde”, segundo um artigo publicado pelo Conselho de Relações Exteriores em março. De fato, apesar dos grandes gastos em saúde, o sistema permanece ineficiente e os Estados Unidos ficam ao lado da Turquia e do México como os únicos membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sem cobertura universal de saúde, ele diz.
Os americanos religiosos não amam o próximo?
Mas há outros motivos para alemães ficarem confusos com o debate americano em torno da saúde. Os Estados Unidos passam a imagem não apenas para os alemães, mas também para muitos europeus, de serem um país religioso. Deus parece fazer parte de muitos debates americanos, especialmente aqueles que cercam a campanha presidencial. Na política secular europeia, o Todo Poderoso raramente é invocado.
“Para mim, os Estados Unidos são um país muito religioso. E não importa para qual religião eu olhe, amar o próximo é um ponto muito, muito importante na religião”, diz Marini, a porta-voz dos planos de saúde. Para ela, a religiosidade aparentemente profunda de muitos americanos não combina com a não disposição deles de participar de uma comunidade de saúde.
O político Wolfgang Zöller, um membro do partido conservador União Social Cristã da Baviera, argumenta que os princípios cristãos apoiam um sistema nacional de saúde e ambos são compatíveis com o capitalismo.
Ele se pergunta como um homem de classe operária com família, que não tem plano de saúde, paga por uma operação quando fica doente.
“A questão do seguro saúde é uma questão humana”, ele diz. “Eu quero que toda pessoa - independente de idade, independente de renda ou condições pré-existentes - tenha a possibilidade de ser ajudada quando estiver doente.”
Mas isso não acontece nos Estados Unidos, segundo numerosas estatísticas.
Os Estados Unidos ficam em último lugar entre 16 países industrializados na medição de mortes que poderiam ser impedidas com atendimento eficaz e a tempo, segundo um estudo divulgado no ano passado pelo Commonwealth Fund, uma fundação privada que apoia a pesquisa independente do atendimento de saúde. A Alemanha ficou em 9º lugar, segundo o “Indicador Nacional de Desempenho da Saúde dos Estados Unidos”.
As taxas de mortes prematuras são 68% maiores nos Estados Unidos do que nos países com melhor desempenho. Até 91 mil pessoas deixariam de morrer prematuramente se os Estados Unidos atingissem a taxa do país líder do ranking, disse o relatório. Em vez disso, o estudo nota que “o acesso ao atendimento de saúde caiu significativamente desde 2006”, com mais de 81 milhões de adultos em idade de trabalho -aproximadamente 44% daqueles com idades entre 19 e 64 anos - sem seguro ou com seguro insuficiente em 2010. Isso representou um aumento em comparação ao nível de 35% em 2003.
Outros países avançados estão conseguindo superar os Estados Unidos no fornecimento de “acesso a tempo ao atendimento primário, reduzindo a mortalidade prematura, e ampliando a expectativa de vida com saúde, tudo isso gastando consideravelmente menos em saúde e administração”, prossegue o estudo.
E é exatamente sobre isso que Zöller diz estar falando. Quando as pessoas adoecem elas precisam ser ajudadas, independente de qual seja sua situação financeira ou social, ele diz.
“Caso contrário você fica com o famoso ditado, ‘os pobres morrem cedo’. E eu não quero isso.”
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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