Causa da morte de Lenin continua um mistério para os médicos
Gina Kolata - NYT
O paciente fundou um estado totalitário conhecido por seu “terror impiedoso”, disse Victoria Giffi a uma plateia extasiada de médicos e estudantes de medicina. Ele morreu repentinamente às 18h50 de 21 de janeiro de 1924, alguns meses antes de seu aniversário de 54 anos. A causa da morte: um derrame massivo.
As artérias cerebrais do homem estavam “tão calcificadas que soavam como pedra quando tocadas por alicates”, disse Giffi.
A ocasião foi uma conferência clinicopatológica, uma reunião de escolas de medicina na qual um caso médico misterioso é apresentado para um público de médicos e estudantes. No final, um patologista resolve o mistério com um diagnóstico.
Mas essa foi uma conferência diferente. O paciente já estava morto há muito tempo --ele era, na verdade, Vladimir Ilyich Lenin. As perguntas feitas pelos palestrantes: por que ele teve um derrame fatal com tão pouca idade? Há outros fatores em sua morte que a história não reconheceu?
Na Universidade de Maryland, uma conferência clinicopatológica centrada em figuras históricas é um evento anual há 19 anos; médicos que compareceram revisaram os casos médicos de Florence Nightingale, Alexandre o Grande, Mozart, Beethoven e Edgard Allan Poe.
Dois especialistas foram então chamados para resolver o mistério da morte de Lenin: o Dr. Harry Vinters, professor de neurologia e neuropatologia da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e Lev Lurie, historiador russo de São Petesburgo. Vinters começou contando ao público alguns detalhes do histórico médico e familiar de Lenin. Quando era bebê, ele tinha uma cabeça tão grande que fazia com que ele caísse com frequência. Ele costumava bater a cabeça no chão, deixando sua mãe preocupada de que ele pudesse ser deficiente mental. Quando adulto, Lenin teve doenças que eram comuns na época: febre tifóide, dores de dente, gripe e uma dolorosa infecção de pele chamada erisipela. Ele estava sob um estresse intenso, é claro, o que causava insônia, enxaquecas e dores abdominais.
Aos 38, ele levou dois tiros numa tentativa de assassinato. Uma bala se alojou em sua clavícula depois de perfurar seu pulmão. Outra ficou presa na base do seu pescoço. Ambas as balas ficaram em seu corpo até o fim da vida. O pai de Lenin também morreu cedo, aos 54. A causa da morte teria sido hemorragia cerebral, mas o pai de Lenin teve uma doença na época de sua morte que pode ter sido febre tifóide.
A maioria dos sete irmãos e irmãs de Lenin morreram cedo, dois na infância. Um irmão foi executado aos 21 por ter planejado o assassinato do czar Alexander 3º, e outro morreu de tifóide aos 19. Dos três que sobreviveram até a idade adulta, uma irmã morreu de derrame aos 71, outra de ataque cardíaco aos 59, e um irmão morreu aos 69 de “estenocardia”, um termo médico arcaico cujo significado não está claro hoje em dia.
Nos dois anos antes de sua morte, Lenin teve três derrames debilitantes. Importantes médicos europeus foram consultados e propuseram vários diagnósticos, entre eles exaustão nervosa, intoxicação crônica por chumbo por causa das duas balas alojadas em seu corpo e arteriosclerose cerebral. Suspeitaram de sífilis, mas o exame teria dado negativo. Lenin foi tratado de qualquer forma com injeções de uma solução contendo arsênico, o remédio que se usava para sífilis.
Então, em seus últimos dias e horas de vida, Lenin teve várias convulsões. Uma autópsia revelou uma obstrução quase total das artérias que levavam ao cérebro, algumas das quais estavam reduzidas a minúsculas aberturas. Mas Lenin não tinha os fatores de risco tradicionais para derrame. Ele não tinha pressão alta não tratada --se este tivesse sido o problema, o lado esquerdo de seu coração estaria aumentado. Ele não fumava e não tolerava que fumassem em sua presença. Ele bebia apenas ocasionalmente e se exercitava regularmente. Ele não tinha sintomas de infecção cerebral, nem tinha um tumor no cérebro.
O que então causou o derrame que matou Lenin?
As pistas estão na história familiar de Lenin, disse Vinters. Os três irmãos que sobreviveram além dos 20 anos tinham evidências de doenças cardiovasculares, e o pai de Lenin morreu de uma doença que teve uma descrição muito parecida com a de Lenin. Vinters disse que Lenin pode ter herdado uma tendência a desenvolver colesterol extremamente alto, causando o grave bloqueio nas artérias que levou ao derrame.
Além disso, Lenin sofria de estresse, o que pode precipitar um derrame em alguém cujos vasos sanguíneos já estão bloqueados.
Mas as convulsões de Lenin nas horas e dias antes de sua morte são um quebra-cabeça, e talvez sejam significativas historicamente. Convulsões graves, disse Vinters numa entrevista antes da conferência, são “muito incomuns num paciente de derrame”. Mas, acrescentou: “qualquer veneno pode causar convulsões”.
Lurie concordou na conferência, dizendo que, na sua opinião, a causa imediata mais provável para a morte de Lenin foi envenenamento. O responsável mais provável? Stalin, que via Lenin como seu principal obstáculo para tomar a União Soviética e queria se livrar dele. A Rússia comunista no início dos anos 20 era um lugar de “intriga mafiosa”, disse Lurie.
Em 1921, Lenin começou a reclamar que estava doente. Desse momento até sua morte, em 1924, Lenin “começou a se sentir cada vez pior”, disse Lurie. “Ele reclamava que não conseguia dormir e que tinha dores de cabeça terríveis. Ele não conseguia escrever, não queria trabalhar”, disse Lurie.
Mas, apesar disso, estava planejando um ataque político contra Stalin, disse Lurie. E Stalin, ciente das intenções de Lenin, enviou um bilhete confidencial para o Politburo em 1923 dizendo que o próprio Lenin havia pedido para ser retirado de seu sofrimento. O bilhete dizia: “no sábado, 17 de março, em máxima confidencialidade, o camarada Krupskaya me falou sobre 'o pedido de Vladimir Ilyich a Stalin', dizendo que eu, Stalin, deveria assumir a responsabilidade por encontrar e administrar uma dose de cianeto de potássio em Lenin.”
Stalin acrescentou que ele simplesmente não podia fazer isso: “não tenho a força para cumprir com o pedido de Ilyich e sou obrigado a recusar essa missão, por mais humana e necessária que possa ser.” Lurie e Stalin podem ter envenenado Lenin apesar dessa afirmação, e Stalin foi “absolutamente impiedoso”.
Vinters acredita que o colesterol altíssimo que levou ao derrame foi a principal causa da morte de Lenin. Mas disse que há outro aspecto intrigante na história. Embora estudos de toxicologia fossem feitos na Rússia, houve uma ordem para que nenhum exame toxicológico fosse feito nos tecidos de Lenin. Então o mistério perdura.
Mas se Lenin estivesse vivo hoje, ou se os medicamentos para baixar o colesterol estivessem disponíveis há cem anos, será que ele não teria tido os derrames? “Sim”, disse Vinters. “Lenin poderia ter vivido por mais 20 ou 25 anos, assumindo que não tenha sido assassinado. A história teria sido totalmente diferente.”
Tradutor: Eloise De Vylder
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