Julgar o mensalão
FSP - Editorial
Supremo Tribunal Federal tem a responsabilidade de concluir em 2012 processo sobre o maior escândalo político em duas décadas
Foram necessárias mais de cem páginas para o ministro Joaquim Barbosa reduzir ao essencial, em relatório divulgado na quinta-feira, o processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar de longo, o documento resulta de um considerável esforço de concisão e objetividade.
O processo, que examina o maior escândalo político ocorrido no país depois do Collorgate (1992), acumulou cerca de 70 mil páginas, distribuídas em 147 volumes e 173 apensos. Mais de 600 testemunhas foram arroladas pela defesa -meia centena de advogados.
Dos 40 envolvidos, apenas quatro tiveram, até agora, dissipadas as ameaças de sofrer condenação.
Por falta de provas, Luiz Gushiken, ministro das Comunicações no governo Lula, e Antônio Lamas, irmão do então tesoureiro do PL, Jacinto Lamas, tiveram a absolvição pedida pelo Ministério Público Federal. O secretário-geral do PT na época do escândalo, Sílvio
Pereira, fez acordo e aceitou prestar serviços comunitários. José Janene, deputado federal pelo PP, morreu em 2010.
Acusados de crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, peculato (desvio de bens por funcionário público), formação de quadrilha ou gestão fraudulenta de instituição bancária, restam nomes célebres, e outros nem tanto, dentro e fora da hierarquia petista.
Passados sete anos, muitos detalhes do escândalo se esvaem da memória geral. O relatório do ministro Barbosa, sumarizando os argumentos da acusação e da defesa, repõe o caso nos seus devidos -e espantosos- termos.
Não se tratou, em absoluto, de um simples episódio de "recursos não contabilizados", ou caixa dois, com sobras de uma campanha política sendo distribuídas informalmente a membros de uma coalizão política.
Tal versão, veiculada insistentemente pelas áreas do PT mais implicadas no escândalo, já seria por si só desmoralizante, em se tratando de um partido que por tanto tempo prometera introduzir novos padrões éticos na política brasileira.
Bem mais do que isso, entretanto, veio à luz com o mensalão -e será relembrado durante o julgamento do caso pelo STF.
Um partido, o PT, recebe empréstimos bancários sem apresentar em troca as necessárias garantias legais. Os empréstimos, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, eram a fachada para um esquema mais complexo.
Resultavam das operações comandadas pelo publicitário Marcos Valério, em troca de vantagens obtidas de setores do poder petista. A saber, o favorecimento de suas agências publicitárias em contratos com o Banco do Brasil e a Câmara dos Deputados, cujo presidente na época, o petista João Paulo Cunha, de acordo com a peça de acusação, se beneficiou de R$ 50 mil sacados em espécie.
Ainda segundo a denúncia, os favores oferecidos por Marcos Valério não serviram apenas para o caixa petista ou para interesses pessoais de membros do partido (por exemplo, a concessão de um empréstimo à ex-mulher do então ministro José Dirceu).
Deputados de outros partidos da base aliada beneficiaram-se de ajuda financeira para, em tese, votar favoravelmente ao governo.
Dois argumentos em defesa dos envolvidos não cessam de ser postos em circulação -e se notabilizam pela fragilidade.
Sustenta-se, por exemplo, que "não existiu o mensalão", porque não tinham regularidade mensal as doações aos deputados. Uma vez que estes já pertenciam à base aliada, acrescenta-se, não era necessário corrompê-los com doações diretas em dinheiro.
Esses e outros argumentos, relativos por exemplo à ausência de irregularidade na prática dos contratos publicitários, serão examinados pelos ministros do STF por ocasião do julgamento.
Com o relatório de Joaquim Barbosa, cabe agora ao ministro Ricardo Lewandowski, no papel de revisor, dar andamento ao processo.
Como se sabe, o STF corre contra o tempo. Alguns dos crimes, como peculato e evasão de divisas, poderão prescrever (coisa que depende da pena que será efetivamente aplicada pelo STF).
No cenário mais favorável aos réus, mesmo a acusação de corrupção ativa, uma das que pesam contra José Dirceu e outros dirigentes petistas, como Delúbio Soares e José Genoino, já estaria em risco. O mesmo raciocínio se aplicaria ao crime de corrupção passiva, de que são acusadas figuras como João Paulo Cunha, Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto.
Não se leva em conta, num processo jurídico, mais do que a letra dos autos. Está no âmbito da subjetividade de cada ministro, todavia, avaliar o quanto são suficientes os indícios de envolvimento de cada acusado.
Pesam nisso, sem dúvida, inclinações políticas individuais e as pressões contraditórias do mundo político e da opinião pública.
Tratando-se de julgamento em corte colegiada, com ampla oportunidade de defesa, é de esperar que haja equilíbrio na decisão final.
O que mais importa, num caso que se arrasta há tanto tempo, é que possa ser julgado o mais breve possível -a menos que se queira, pelo mecanismo da prescrição, dar a muitos dos envolvidos a vantagem da impunidade, ao mesmo tempo em que persiste o descrédito que, com tantas evidências acumuladas, fizeram por merecer na opinião pública.
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