A cirurgiã Pilar Vicente trabalha no hospital público de São José, no centro de Lisboa, no atarefado departamento de emergências. Senta-se à mesa de uma cafeteria em um pátio, de avental branco, ao lado de uma auxiliar de avental azul que não conhece. Está nesse mesmo posto de trabalho há 25 anos e afirma que o atendimento médico se deteriora dia a dia, consequência do corte progressivo e crescente a que é submetido pelo governo. Explica que não há mais tantos anestesistas - "não os deixam mais fazer horas extras" -, nem tantos enfermeiros para acompanhar os doentes pelos corredores - "estão demitindo muito". O material também começa a escassear - "as máquinas de cirurgia estragam e não são repostas" - há cada vez menos médicos para lutar contra essa decadência: "Há dois anos éramos sete no turno de emergências; depois passamos a cinco. Agora somos quatro e chegaremos a três. Assim, vamos de cabeça, sem tempo".
Há doentes, segundo explica Vicente, aos quais a transferência para o hospital custa 30 euros: "Para minha própria sogra, que tinha uma trombose cerebral, pagamos o traslado do asilo para o hospital". Há uma complexa burocracia que parece tirada de um conto de terror: "Se você é doente crônico, não paga o traslado se vai ao hospital para uma consulta de sua doença, mas paga se vai para outra consulta. Se você está doente de câncer, não paga a consulta de câncer, mas se for de outra coisa tem que pagar 7 euros". Vicente olha para a porta, onde um cartaz informa a todos os que entram que uma consulta de emergência custa 20 euros, da qual estão isentos alguns aposentados e as crianças.
Tudo vai piorar, logo. O primeiro-ministro, o conservador Pedro Passos Coelho, avisou que o governo, para tapar o buraco que a sentença do Tribunal Constitucional faz em suas contas públicas, calculado pelo próprio Ministério das Finanças em 1,3 bilhão de euros, vai economizar em saúde, educação e gastos de seguridade social e em transportes públicos.
"Não imagino de onde podem cortar mais", explica a cirurgiã Vicente. A auxiliar de uniforme azul, tampouco. Olha para sua companheira de mesa, levanta-se e diz: "Este é um país de vergonha". A cirurgiã não sabe de onde cortar. O FMI (Fundo Monetário Internacional), um dos pés da troica, sim. Há alguns meses apresentou um relatório elaborado a pedido do governo português no qual indicava onde se poderiam economizar 4 bilhões de euros a fim de implementar um novo plano de cortes, um plano reativado agora a toda pressa com a sentença do Tribunal Constitucional.
Segundo o FMI, é preciso demitir cerca de 100 mil empregados públicos dos 600 mil que há em Portugal. Assim, logo haverá menos médicos, menos companheiros da cirurgiã Vicente, menos anestesistas. As consultas que já são pagas devem subir, segundo o FMI. O "Diário de Notícias" informou há meses que, segundo o relatório dessa instituição, uma visita à emergência sairá por 50 euros e uma consulta normal, por 10. O FMI também aconselha acabar com as 35 horas semanais que hoje desfrutam os empregados públicos pelas 40 que todo mundo trabalha, e subir um ano a aposentadoria, de 65 para 66.
O FMI também recomenda demitir cerca de 15 mil professores dos cerca de 100 mil com que conta o sistema português. O governo de Passos Coelho já demitiu nos últimos anos aproximadamente 10 mil. Uma das consequências imediatas é que o número médio de alunos por classe já é de 30 (em 2011 eram 28). Assim, caso se cumpram as negras previsões do FMI (e o anúncio do primeiro-ministro), o número de alunos em uma mesma classe aumentará ainda mais e aprender será mais difícil. Além disso, não há mais professores de apoio nem de substituição em muitas escolas.
Assim, enquanto os responsáveis do Ministério das Finanças decidem se seguem ou não as indicações dos especialistas do FMI, os portugueses aguardam, com uma mistura difusa de medo e cansaço, as novas medidas de austeridade, porque já sabem que os transformarão em cidadãos mais pobres de um país mais pobre.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Há doentes, segundo explica Vicente, aos quais a transferência para o hospital custa 30 euros: "Para minha própria sogra, que tinha uma trombose cerebral, pagamos o traslado do asilo para o hospital". Há uma complexa burocracia que parece tirada de um conto de terror: "Se você é doente crônico, não paga o traslado se vai ao hospital para uma consulta de sua doença, mas paga se vai para outra consulta. Se você está doente de câncer, não paga a consulta de câncer, mas se for de outra coisa tem que pagar 7 euros". Vicente olha para a porta, onde um cartaz informa a todos os que entram que uma consulta de emergência custa 20 euros, da qual estão isentos alguns aposentados e as crianças.
Tudo vai piorar, logo. O primeiro-ministro, o conservador Pedro Passos Coelho, avisou que o governo, para tapar o buraco que a sentença do Tribunal Constitucional faz em suas contas públicas, calculado pelo próprio Ministério das Finanças em 1,3 bilhão de euros, vai economizar em saúde, educação e gastos de seguridade social e em transportes públicos.
"Não imagino de onde podem cortar mais", explica a cirurgiã Vicente. A auxiliar de uniforme azul, tampouco. Olha para sua companheira de mesa, levanta-se e diz: "Este é um país de vergonha". A cirurgiã não sabe de onde cortar. O FMI (Fundo Monetário Internacional), um dos pés da troica, sim. Há alguns meses apresentou um relatório elaborado a pedido do governo português no qual indicava onde se poderiam economizar 4 bilhões de euros a fim de implementar um novo plano de cortes, um plano reativado agora a toda pressa com a sentença do Tribunal Constitucional.
Segundo o FMI, é preciso demitir cerca de 100 mil empregados públicos dos 600 mil que há em Portugal. Assim, logo haverá menos médicos, menos companheiros da cirurgiã Vicente, menos anestesistas. As consultas que já são pagas devem subir, segundo o FMI. O "Diário de Notícias" informou há meses que, segundo o relatório dessa instituição, uma visita à emergência sairá por 50 euros e uma consulta normal, por 10. O FMI também aconselha acabar com as 35 horas semanais que hoje desfrutam os empregados públicos pelas 40 que todo mundo trabalha, e subir um ano a aposentadoria, de 65 para 66.
O FMI também recomenda demitir cerca de 15 mil professores dos cerca de 100 mil com que conta o sistema português. O governo de Passos Coelho já demitiu nos últimos anos aproximadamente 10 mil. Uma das consequências imediatas é que o número médio de alunos por classe já é de 30 (em 2011 eram 28). Assim, caso se cumpram as negras previsões do FMI (e o anúncio do primeiro-ministro), o número de alunos em uma mesma classe aumentará ainda mais e aprender será mais difícil. Além disso, não há mais professores de apoio nem de substituição em muitas escolas.
Assim, enquanto os responsáveis do Ministério das Finanças decidem se seguem ou não as indicações dos especialistas do FMI, os portugueses aguardam, com uma mistura difusa de medo e cansaço, as novas medidas de austeridade, porque já sabem que os transformarão em cidadãos mais pobres de um país mais pobre.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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