Bondades só para alguns
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Qualquer consumidor conhece as práticas de promoções
falsas do comércio, os tais descontos correspondentes "à metade do dobro
do preço", feitos para pegar trouxas.
Nos espetáculos culturais e esportivos acontece o inverso disso. A
maioria das pessoas é obrigada a pagar mais pela ampla distribuição de
meias-entradas.
A presidente Dilma sancionou na quinta-feira, 26, lei que assegura
meia entrada em espetáculos, cinemas, e eventos esportivos para idosos,
estudantes e jovens comprovadamente carentes entre 15 e 29 anos.
Os cinemas, casas de espetáculos e estádios de futebol estão
obrigados no Brasil a deixar disponíveis 40% dos ingressos para os
beneficiários com meia entrada. Nas grandes cidades, pessoas idosas
podem circular de graça pelo metrô, pelos trens e pelos ônibus.
Como já foi comentado por esta Coluna em 13 de julho deste ano, não
há nada de especialmente errado nessas práticas, desde que empregadas
com a devida moderação.
Os descontos a estudantes cumprem, também, a função de criar hábitos
de desfrute de cultura e de esportes e, desse ponto de vista, interessam
também às empresas de espetáculos e aos clubes esportivos. Em outros
países também há descontos de tarifas para idosos em museus e certos
eventos culturais. Mas aparentemente, o Brasil é, de longe, o campeão da
modalidade.
A distorção começa e se amplia na medida em que se dissemina na
sociedade a ideia de que para tudo ou quase tudo podem ser obtidas
vantagens ou condições privilegiadas. Esse estado de espírito, derivado
de uma concepção patrimonialista de Estado (o governo garante tudo),
descamba para deformações em inúmeras outras situações. É o caso dos
sistemas previdenciários (INSS e esquemas para servidores) que antecipam
aposentadorias ou concedem grande número de pensões vitalícias. Também
acontece quando o empresário julga sempre ter direito a subsídios e a
reservas de mercado, ou quando o político acha normal usar aviões ou
helicópteros pagos pelo contribuinte para levar a família à praia. Mais
recentemente, verificou-se que o rombo do seguro-desemprego, num ano de
quase pleno emprego, alcançou o recorde de R$ 47 bilhões (no período de
12 meses) porque a legislação facilita.
Esses proveitos, legítimos ou não, criam novas distorções. Os
subsídios não se limitam a produzir efeitos apenas para os diretamente
beneficiados por eles. Quase sempre se desdobram em subsídios cruzados
pouco transparentes ou, então, geram deformações no sistema de preços
relativos e condições de competição desleal entre setores.
Como a aritmética é inexorável, alguém tem de pagar por essas
bondades. Normalmente sobra para aqueles que não conseguem se livrar da
fatura. E quando fica difícil descarregar a conta sobre determinados
segmentos da população, as raposas do sistema sempre acabam por aumentar
impostos.
A autorização para que tanta gente rode de graça pelas cidades é uma
das razões pelas quais as tarifas de condução urbana são tão altas. Como
a porcentagem de estudantes e de idosos deve crescer no Brasil nos
próximos anos, será inevitável, também, que a carga para os que pagam
(ou deixam de ter receita integral) tenda a aumentar.
Os políticos não gostam de mexer em vespeiros eleitorais. Por isso,
também não tomam a iniciativa para acabar ou, pelo menos, limitar a
distribuição de tantas boquinhas.
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