sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Mais fios de cabelos, menos cérebro 
ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR - O Estado de S.Paulo 
Pela vaidade de alguns fios de cabelos a mais, o senador Renan Calheiros impôs nova afronta ao Brasil e aos brasileiros. Decaído da grandeza de seu cargo de presidente do Senado e do Congresso Nacional, requisitou um jato da Força Aérea Brasileira para levá-lo ao Nordeste a fim de realizar uma cirurgia de implante de cabelos.
A julgar pelas notícias publicadas em diferentes jornais, Renan Calheiros tentou minimizar o episódio com a afirmação de que pretende devolver aos cofres públicos o valor correspondente aos gastos da viagem, como se assim agindo lograsse afastar os efeitos danosos do ato praticado.
Não é a primeira vez que o referido senador se afasta da moralidade administrativa e faz uso de bens públicos como se fossem dele. Ao assumir tal conduta, de novo viola o princípio da moralidade administrativa insculpido na Constituição federal em seu artigo 37. Esse artigo dispõe com absoluta clareza que todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerão, entre outros, ao princípio da moralidade. Isso significa que o senador Renan Calheiros, embora seja agente político no exercício de cargo eletivo, e se considere acima do bem e do mal, está igualmente submetido aos rigores desse princípio, podendo ser punido caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstre coragem e cumpra o seu dever.
Não é novo no sistema constitucional brasileiro o controle jurisdicional da moralidade administrativa, porém, com o advento da Constituição federal de 1988, foi consagrado ao lado de outros princípios de observância compulsória, como a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência.
O que vem a ser a moralidade administrativa? Embora se trate de um valor com conteúdo subjetivo, prevalece entre os doutrinadores a ideia de que moralidade significa a ética da conduta administrativa, ou seja, são os valores morais que o administrador deve observar na consecução de interesses coletivos.
Do administrador público se exige capacidade para saber distinguir o honesto do desonesto, o bem do mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente. Os antigos romanos, com razão, diziam que nem tudo o que é lícito é honesto - nom omne quod licet honestum est - e disso decorre que o respeito à moralidade é imposto ao administrador para a sua conduta interna.
Em suma, o agente público, na prestação de atividade administrativa, está compulsoriamente submetido à ética e à obrigação de respeitar a moral vigente na sociedade. Quando viola esse princípio, com agressão deliberada ao direito, difunde contagiante dor moral na sociedade, sobretudo entre aqueles que não se conformam com a ausência de necessária punição.
Lamentavelmente, o sistema legal brasileiro não pune a incompetência administrativa, mas, em compensação, a Lei de Improbidade Administrativa (n.º 8.429/92) prevê com toda a clareza até mesmo a perda de função pública em tais hipóteses. Essa lei federal foi editada em função de reserva feita pelo artigo 37, parágrafo 4.º da Constituição federal, que dispõe: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei".
A conduta de usar bens públicos como se fossem seus, consumada pelo senador Renan Calheiros, sem dúvida alguma se afasta da necessária probidade administrativa. Dificilmente se encontrará alguém que reconheça ao senador Renan Calheiros o direito de requisitar um jato da Força Aérea Brasileira sob a alegação de necessidade de serviço e, no fim, desmentir a si próprio ao demonstrar que a viagem estava vinculada à vaidade de implantar uns fios de cabelos a mais.
No Estado de São Paulo, caso um administrador público cometa o deslize de comprar uma penca de bananas sem a licitação prevista em lei, estará sujeito a ação de improbidade proposta pelo Ministério Público. Nessas ações, diante da gravidade dos fatos, os juízes costumam liminarmente determinar o bloqueio de bens, mas a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos somente se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
O rigor do Ministério Público não é o mesmo em todas as unidades federativas e já vimos um ex-presidente da República safar-se dos rigores da lei pela circunstância de a denúncia formulada ao Judiciário, em gravíssimo caso de corrupção, haver incluído somente seus parceiros na trapaça.
A verdade é que tem havido no Brasil uma incompreensível tolerância com a conduta abertamente contrária à moral de agentes públicos investidos de mandato. A Lei da Improbidade Administrativa, em seu artigo 14, prevê que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. Mas isso raramente é feito.
Está igualmente proporcionado ao Ministério Público, diante de representação formulada, requisitar (abrir) inquérito policial ou administrativo para apurar o ilícito apontado. Quando o ilícito se torna público, como no caso do mencionado senador, em geral é mais cômodo e mais fácil fingir que nada aconteceu e que não vale a pena o esforço.
Essa tolerância faz parte das nossas coisas, coisas nossas, como Noel Rosa dizia no samba. Podemos concluir que o senador Renan Calheiros continuará rindo de nós e enriquecendo sua biografia já conhecida com fatos desse calibre. E os outros senadores, por solidariedade e espírito corporativo, não irão "queimar-se" com uma coisa assim tão sem importância.
Enfim, tudo continuará na mesma.

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