sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O estilo pobre como estratégia de marketing. Ou: Nossas roupas importam!
Rodrigo Constantino - VEJA
Fonte: G1
Falei aqui das sandálias de Mujica na cerimônia de posse de seu ministro, e houve muita reação negativa, de vários tipos. Vou rebater as principais acusações.
Em primeiro lugar, meu foco principal foi o culto do pobrismo, essa ideia de que fazer estilo humilde é o máximo. Algumas pessoas acharam que há contradição com meus ataques à esquerda caviar. Não leram o livro. Se tivessem lido, saberiam que é justamente algo da esquerda caviar enaltecer o estilo pobre. Eis um trecho do livro:
Em A elegância do ouriço, Muriel Barbery usa uma das narradoras, uma menina muito inteligente de 13 anos, para descrever o desconforto com essa atitude de sua mãe. Elas moram em um endereço de luxo em Paris, repletas de conforto. Não obstante, sua mãe vive a pregar o socialismo, entre uma conversa e outra com suas plantas. E claro, mesmo depois de dez anos de terapia, ela ainda precisa tomar remédio para dormir…
O autor coloca na outra narradora da história, uma concierge humilde, porém extremamente culta, as palavras de desprezo em relação ao grupo de riquinhos mimados que tentam aparentar um estilo artificial de pobreza cool:
Se tem uma coisa que abomino, é essa perversão dos ricos que se vestem como pobres, com uns trapos que ficam caindo, uns bonés de lã cinza, sapatos de mendigo e camisas floridas debaixo de suéteres surrados. É não só feio mas insultante; nada é mais desprezível que o desprezo dos ricos pelo desejo dos pobres.
No entanto, basta frequentar uma faculdade privada para ver a quantidade de jovens que aderem a esse estilo “riponga”, com suas camisetas do Che Guevara, apenas para entrar depois em seus carros importados do ano. São os “revolucionários de Facebook”, que escrevem em seus perfis da rede social americana o quanto odeiam o sistema capitalista americano e o lucro que tornou o instrumento viável.
Portanto, meu ataque foi justamente a essa gente da esquerda caviar, que adora a “humildade” de Mujica só porque não é pobre. Afinal, como sabia Joãozinho Trinta, pobre gosta mesmo é de luxo!
Mas alguns alegam que, ao menos, ele é coerente com o que prega, que eu pegaria em seu pé (com aquelas unhas, Deus me livre!) se ele tivesse calçando um caro sapato italiano. Ora, a resposta está no próprio texto: não é preciso comprar ternos Armani como fazia Lula, mas quem não tem capacidade de comprar um simples par de sapatos?
Outros me atacaram por falar de “moda” ou por não ser coerente com meu liberalismo. Balela dupla. Não é questão de moda, mas de respeito à liturgia do cargo, aos protocolos da função que ocupa. Pensar que podemos nos lixar para toda norma social ou convenção não é coisa de liberal, mas de idiota mesmo, de rebelde imaturo.
Há, ainda, a questão do respeito aos demais presentes na cerimônia. Theodore Dalrymple escreveu em um de seus livros que gostava de respeitar certas tradições e cerimônias, sendo uma delas o hábito de se vestir à rigor para enterros. Na pior das hipóteses, ao menos seria uma forma de demonstrar que tal evento não era tão trivial quanto ir ao cinema ou comer uma pizza. Exigia um grau de esforço maior, uma postura adequada diante da ocasião.
Tive críticas de quem alegou ser melhor um honesto mulambo do que um arrumadinho hipócrita ou corrupto. O óbvio ululante. Mas que tal um arrumado honesto? Em primeiro lugar, não sei se Mujica é honesto mesmo, ou se faz estilo pelas aparências, como estratégia de marketing pessoal (que, como vimos, funciona para os inocentes úteis).
Em segundo lugar, eu mesmo já elogiei Mujica, como quando ele detonou a esquerda bolivariana latino-americana. Mas isso não me impede de apontar as falhas. Por que os brasileiros têm tanta dificuldade de separar as coisas? Podem continuar admirando sua gestão, se for o caso, mas criticar a postura (deliberadamente?) desleixada na ocasião. Não era condizente, simples assim.
Mantenho integralmente minhas palavras, e continuo achando que esse culto do pobrismo é ridículo, e uma doença em nosso país. Também acho que não é preciso falar de “moda” para compreender que nossas roupas importam! São nossa carta de apresentação, já falam em parte de quem somos, e do que desejamos expressar aos outros. Tanto é verdade que as tribos adotam estilos próprios de vestimenta.
Se eu convidasse um grupo de pessoas para um jantar em minha casa, em homenagem a um ilustre amigo de fora nos visitando, gostaria que os convidados se dessem ao mínimo trabalho de se vestir adequadamente, ainda que sem rigor excessivo, e não como se estivessem indo na esquina comprar pão pela manhã. Hipocrisia é fingir que isso não é nada importante…

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