O modelo é feito de botox, maquiagem e remendos
ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo
Maquiagem, botox e remendos são os principais
componentes do chamado modelo de crescimento em vigor há uma década,
aperfeiçoado nos últimos três anos e pelo menos tão eficiente quanto a
pedra filosofal procurada pelos alquimistas. Segundo se dizia, essa
pedra, ou fórmula, poderia transformar em ouro metais menos valiosos.
Com o tal modelo, o governo converteu um déficit primário de R$ 6,2
bilhões num superávit mensal de R$ 28,8 bilhões, um recorde. A mágica
foi realizada basicamente com a inscrição de duas receitas atípicas - R$
15 bilhões do bônus de concessão do campo de Libra, no pré-sal, e R$
20,4 bilhões de pagamentos do novo Refis, o programa de parcelamento de
impostos atrasados. Com esse resultado em novembro, a administração
federal terá uma chance muito maior de fechar o ano com R$ 73 bilhões de
resultado primário, o dinheiro destinado ao pagamento parcial dos juros
da dívida pública.
As contas de novembro do governo central foram apresentadas pelo
secretário do Tesouro, Arno Augustin, principal auxiliar do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, no setor de alquimia contábil. Mas o modelo
composto principalmente de botox, maquiagem e remendo serve também para
embelezar a inflação e as contas externas. Por sua aplicação variada,
esse instrumento sintetiza as propriedades da pedra filosofal e do
Bombril, o das mil e uma utilidades. O noticiário do dia a dia tem
confirmado suas virtudes.
Neste ano o Brasil acumulou um superávit comercial de US$ 1,02 bilhão
até a terceira semana de dezembro, segundo as últimas informações do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. No fim de
novembro o saldo acumulado era um déficit de US$ 93 bilhões. O resultado
continuou fraquinho nas duas semanas seguintes, mas na terceira foi
registrada mais uma exportação de plataforma de exploração de petróleo e
gás, no valor de US$ 1,15 bilhão. Pronto. De repente, a conta comercial
passou do vermelho para o azul. Mas essa plataforma, como outras
exportadas neste ano e em 2012, nunca deixou o País, porque a operação é
meramente contábil e seu propósito é a geração de um benefício fiscal.
Neste ano, até a terceira semana de dezembro, as exportações dessas
plataformas proporcionaram receita de US$ 7,73 bilhões, 351,41% maior
que a obtida com o mesmo produto um ano antes. Terá sido um surto de
sucesso comercial ou uma emergência na conta de comércio exterior? Outro
detalhe notável: em 2013, essas plataformas foram a maior fonte de
receita com as vendas externas de manufaturados.
Automóveis de passageiros apareceram em segundo lugar, com US$ 5
bilhões, e óleos combustíveis em terceiro, com US$ 3,46 bilhões. Em
seguida apareceram partes e peças para veículos e tratores (US$ 3,1
bilhões) e aviões (US$ 3,02 bilhões). Mas todos esses produtos foram
para fora. Muitos brasileiros devem ter voado, no exterior, em aviões da
Embraer. Muito mais difícil será encontrar uma daquelas plataformas.
Sem essa operação quase milagrosa, o saldo comercial até a terceira
semana de dezembro teria sido um déficit de US$ 6,71 bilhões. O
resultado teria sido menos mau, é claro, se parte das importações de
petróleo e derivados tivesse sido contabilizada - corretamente - em
2012, em vez de só aparecer neste ano (esta é mais uma bizarria das
contas brasileiras). Mas esses produtos de fato foram comprados e
chegaram ao País. Se essas compras tivessem entrado nas contas de 2012, o
saldo comercial do ano passado teria ficado abaixo dos US$ 19,4 bilhões
oficialmente registrados.
Problemas da Petrobrás, incluída a necessidade de importação de óleo e
derivados, também têm relação com o uso do modelo de botox, maquiagem e
remendo. Preços dos combustíveis têm sido politicamente contidos, há
anos, como parte do esforço para administrar os índices de inflação
(coisa muito diferente de combater as pressões inflacionárias). Essa
política impôs perdas à empresa, reduziu sua geração de caixa e diminuiu
sua capacidade de investir com recursos próprios. Além disso,
prejudicou os investimentos na produção de etanol, porque a contenção
dos preços da gasolina se refletiu na formação de preços do álcool.
Depois de muita pressão, os novos dirigentes da Petrobrás conseguiram
autorização para elevar os preços, mas em proporção inferior à
necessária. A depreciação das ações da empresa, nas bolsas, é
consequência dessa e de outras interferências políticas na administração
da estatal.
O modelo de enfeite foi aplicado amplamente no esforço de controle
dos índices de inflação. O governo forçou a redução das tarifas de
eletricidade ao impor às concessionárias um novo esquema de renovação de
contratos. Também manobrou para retardar os aumentos de passagens de
transporte público e para anular, no meio do ano, os ajustes concedidos.
Esse esforço produziu algum efeito imediato. Os indicadores de
inflação subiram mais lentamente durante alguns meses, mas a quase
mágica logo se esgotou. Os índices de preços ao consumidor voltaram a
aumentar cada vez mais velozmente a partir de agosto. O IPCA-15, uma
espécie de prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, a medida
oficial de inflação, acumulou alta anual de 5,85% até dezembro. Se o
resultado final do IPCA será igual ou inferior ao do ano passado (5,84%)
só se saberá no começo de janeiro, quando conhecidos os números de todo
o mês de dezembro. Mas, na melhor hipótese, a inflação será muito
parecida com a do ano passado e as pressões continuarão fortes em 2014.
Nenhuma pessoa informada leva a sério o tabelamento de preços, o
disfarce das contas externas e o enfeite das contas públicas. Operações
atípicas podem gerar ganhos fiscais imediatos, mas corroem a
credibilidade de quem governa. Com botox e maquiagem, alguns números
ficam mais apresentáveis para os ingênuos. Paras os outros a cara do
governo se torna cada vez mais disforme.
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