Oásis medieval, Monte Saint-Michel é resumo da história da civilização francesa
Seja turismo de religião, histórico ou de aventura, visitantes podem usufruir de todo tipo de experiência
João Novaes - OM
Wikimedia Commons
Vista do Monte Saint-Michel pelo rio Couesnon. Local é um dos maiores tesouros históricos da França
Conhecido como um dos pontos turísticos mais antigos e belos da França,
o Monte Saint-Michel impressiona pela imponência. Visto de longe, sua
presença se torna mais evidente pelo aspecto insular, isolado do
continente pelas águas da baía de Saint-Michel – ou pela areia, quando a
maré está baixa –, como um verdadeiro oásis medieval parado no tempo em
meio à paisagem rural.
Essa pequena ilhota composta por um penedo de 80 metros de altura,
localizada na fronteira entre a Normandia e a Bretanha, bem na foz do
rio Couesnon, é a cidade francesa com o maior número de monumentos
históricos por habitante na França (61 para uma população de apenas 42
pessoas), enquanto recebe cerca de três milhões de visitantes por ano.
Viajantes chegam caminhando à noite no Monte Saint-Michel: travessia sem guias é muito perigosa e não se recomenda
Antigo local de peregrinação, o Monte, construído originalmente para
ser um santuário, tem atrações para todos os gostos, sendo a abadia,
situada no topo, a personagem principal. Foi a partir e por causa dela,
primeira construção no local, que todos os outros edifícios do monte
foram erguidos.
Além das demais igrejas e sítios religiosos, o Monte Saint-Michel conta
também com museus bem estruturados, restaurantes, jardins, antigas
masmorras, além de paisagens naturais impressionantes.
A abadia de Saint-Michel, ponto central da atração turística
Travessia
O turismo de aventura é uma das experiências turísticas mais inusitadas
e recomendáveis para quem quiser conhecer esse patrimônio milenar. As
agências locais oferecem um sem número de opções de travessias a pé
partindo de regiões próximas ou bem afastadas do monte e chegando ao
local pela baía quando ela se encontra em maré baixa. Os passeios podem
ser realizados de dia ou de noite e podem durar de duas até 15 horas.
Patrícia São Miguel/Opera Mundi
Turistas deixando o monte a pé: salvo nos meses mais frios, o ideal é fazer a travessia descalço
No passado, a travessia a pé ou a cavalo pela baía provocou inúmeras
vítimas fatais, já que a maré sobe muito rapidamente, pegando
desprevenidos os viajantes desinformados e mais otimistas que imaginavam
que iriam conseguir percorrer a travessia antes de a água voltar – as
ondas podem chegar a atingir 14 metros. O grande número de mortes por
esse fenômeno gerou muitas lendas e histórias fantásticas no decorrer
dos anos – um dos apelidos do monte é “São Michel ao perigo do mar”.
Por ser um percurso perigoso e traiçoeiro, ele só deve ser feito com
acompanhamento profissional. Toda caminhada é realizada em equipes,
comandadas por guias experientes que conhecem os pontos mais perigosos e
os horários das marés, além de conhecerem a história da região. As
travessias podem ser só de ida ou ida e volta. Como equipamento básico e
vestimentas, bermudas e pés descalços – os calçados ficam na mochila
para serem usados só quando se chegar ao monte. Além, é claro, de
protetores solares e bonés e um casaco de nylon, por segurança.
Patrícia São Miguel/Opera Mundi
Escultura em homenagem aos mortos por afogamento na baía no Museu Histórico de Saint-Michel
As travessias a pé podem ser realizadas durante o ano todo, mas não se
recomenda fazê-las nos meses mais frios [de novembro a março], pois as
temperaturas são muito extremas. Nessa época, recomenda-se o uso de
botas de borrachas, além de mais roupas de frio.
Há um grande temor, por parte da comunidade local e do próprio governo
francês que, em um futuro a curto prazo, por volta de 2025, o Monte
Saint Michel perca sua principal característica: seu aspecto insular.
Isso porque ano a ano a vegetação continental se aproxima cada vez mais
do monte, em razão das mudanças climáticas e, principalmente, do acúmulo
de terra e areia transportado pela maré.
Vista aérea do Monte Saint-Michel onde se observa a proximidade cada vez maior da vegetação
Para evitar isso, através de financiamento público de várias esferas e
com a ajuda de sindicatos, foi construída uma nova e moderna barragem no
rio Couesnon, como parte do “projeto de restabelecimento do aspecto
marítimo do Monte São Michel”. O objetivo da construção é evitar a
chegada de novos sedimentos através da foz do rio, que vão se acumulando
com a areia e o lodo e virando pasto para as ovelhas. No entanto, mesmo
com 40 milhões de euros gastos, ainda é cedo para saber se o projeto,
que se concluirá em 2015, dará certo.
Desde 2012, os estacionamentos estão localizados há aproximadamente 2,5
km do monte São Michel (preço a 8,5 euros por dia). Para facilitar o
acesso, o restante do caminho é feito por ônibus ou charretes. No
estacionamento antigo, que ficava no pé do monte, era comum ver
automóveis desgarrados serem tomados pelas ondas.
História e curiosidades
O local era inicialmente habitado por ermitões cristãos que lá se
instalavam para viver em solidão e pobreza – na época, o local era
chamado de Monte Tombe (túmulo ou elevação). Diz a lenda que, no ano de
708, Aubert, o então bispo de Avranches, cidade muito próxima, recebe
três aparições do Arcanjo São Miguel em seus sonhos, ordenando-o que
consagrasse o monte ao seu culto – teria sido preciso que o anjo furasse
o crânio de Aubert com o dedo para que ele passasse a acreditar em suas
visões. No ano seguinte, a abadia já estava consagrada, dando origem às
demais construções, passando a atrair peregrinos, e desde o século XIX,
turistas de todos os cantos.
O local sobrevive às invasões dos normandos na atual região francesa
hoje conhecida como Normandia – o rei da França transforma um dos
líderes, Rollon, em Duque da Normandia, repassando-lhe autonomia, com a
condição de que ele se convertesse ao Cristianismo e prometesse proteger
a região de ataques estrangeiros. Com o tempo, é preciso expandir a
abadia e construir novos edifícios, já que era cada vez maior a presença
de monges, especialmente beneditinos. A Notre-Dame-sous-Terre e a
capela de Saint-Martin são construídas no auge das novas técnicas que
passam a reger a arquitetura românica.
Patricia São Miguel - Opera Mundi
No
século XIII, na tomada da Normandia pela França, o monte, que já
chamava a atenção pela beleza arquitetônica e tinha alto conceito como
sítio religioso, é sitiado e parcialmente incendiado.
Para receber o perdão e ganhar a simpatia dos religiosos do monte para a
causa francesa, o rei Felipe II envia grandes quantidades de ouro para
pagar a reconstrução, quando é marcada a influência da arquitetura
gótica.
O local pode se orgulhar de, apesar de ter sido sitiado várias vezes,
nunca ter sido conquistado por uma força estrangeira. Na Guerra dos Cem
Anos, a Normandia cai nas mãos dos ingleses. Em 1415, o abade do monte,
Robert Jolivet, aceita se juntar aos ingleses, mas os demais monges se
rebelam e o acusam de traição. Muitos cavaleiros, expropriados, para lá
fugiram em refúgio.
Nove anos depois, o local resistia, mas em condições críticas, pois
estava cercado sem condições de reabastecer-se. Por sorte, uma vitória
de bretões em Saint Malô dispersa os navios ingleses e o
aprovisionamento do monte se torna possível pelo mar.
Essa vitória de resistência repercute e dá moral à tropas francesas. O
culto a São Miguel cresce em novas proporções, até a hora em que ele
teria aparecido para Joana D’Arc como “protetor da França”, prometendo
guiá-la “em defesa do rei”. Após o fim da guerra, o monte foi cercado
por muralhas e altas torres para protegê-lo de ataques, tornando-se
também uma fortaleza.
Durante o século XVI, as guerras de religião tornaram o Monte um dos
principais alvos do combates. Os protestantes tentaram apoderar-se da
Igreja Católica por duas ocasiões. Os monges foram expulsos durante a
Revolução Francesa, e a abadia torna-se uma prisão e local de tortura,
fase que duraria até o período do Segundo Império (1852-1870). Quatro
anos depois que o Monte finalmente se tornará monumento histórico,
passando por restauros e recuperando seu esplendor. Em 1979, tornou-se
Patrimônio Mundial da Unesco (União das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura).
Outras atrações
Os restaurantes oferecem preços um pouco acima da média, mas de alta
qualidade e sem economizar na fartura dos pratos. A refeição-símbolo do
Monte Saint Michel é o omelete do La Mère Poulard, um dos hotéis mais
próximos à entrada principal, aberto desde 1888. A omelete, que era
tradicionalmente servida pela antiga proprietária do agora hotel
principal da ilhota, se tornou o prato símbolo do monte.
O
Monte possui quatro museus principais: o museu histórico, o mais
completo, com coleções de armas, objetos e instrumentos de tortura,
contando os relatos das masmorras, a trajetória dos principais monges e
personagens do local. Parte das histórias são contadas com bonecos de
cera; o “Archéoscope”, espetáculo multimídia que conta como o Monte se
desenvolveu para virar o que é hoje; o Logis Tiphaine, uma casa do
século XV dedicado à cavalaria e à astrologia; e o museu do Mar e da
Ecologia, que conta a história da baía, do ecossistema local, da marinha
normanda e bretã e do esforço para manter o aspecto insular do monte.
Todos os quatro terminam em lojinhas de souvenires.
Para quem vai visitar o monte de maio a setembro, período da alta
estação turística, são organizados uma série de concertos na abadia, em
geral atrações da música sacra e concertos de órgãos.
Como chegar
Distante 360 km de Paris, a cidade mais próxima do monumento é
Pontorson, a nove quilômetros, de onde saem viagens de ônibus ao
monumento a cada 15 minutos. Para chegar, o carro continua sendo a opção
mais econômica, com duração de quatro horas. Saindo da capital
francesa, deve-se pegar a autoestrada A13, em direção a Rouen, até
chegar e entrar na Nationale 175, em direção a Avranches. O tempo
estimado é de quatro horas. Nesta última cidade também é possível chegar
diretamente de trem.
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