Responsabilidade educacional
O Estado de S.Paulo
Para fundir num único texto 19 projetos sobre educação
apresentados por parlamentares de diversos partidos e com as mais
diversas orientações políticas, a Câmara dos Deputados vai examinar,
após o recesso parlamentar, o parecer que o relator do projeto da Lei de
Responsabilidade Educacional, deputado Raul Henry (PMDB-PE), apresentou
no final de dezembro. A iniciativa ganha força por causa do desempenho
medíocre dos sistemas de ensino fundamental e médio do País em
avaliações nacionais e internacionais.
Depois de tramitar por uma Comissão Especial, o texto-base foi
submetido a audiências públicas por dois anos e o substitutivo acolheu
propostas dos setores interessados. Para os autores dos 19 projetos,
depois de décadas de empenho do poder público para universalizar o
acesso ao ensino básico, é preciso criar mecanismos de indução para a
melhoria da qualidade da educação. Na última edição do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes, o Brasil ficou no 58.º lugar.
Concebido nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal, que
estabelece limites de gastos com folha de pagamento para todas as
instâncias e poderes públicos, sob pena de responsabilização
administrativa e judicial dos gestores públicos, o projeto da Lei de
Responsabilidade Educacional prevê severas sanções para os prefeitos de
cidades que registrarem queda nos índices de qualidade da rede escolar.
Em 2011, segundo o Ministério da Educação (MEC), 17% dos 5,5 mil
municípios brasileiros retrocederam no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica.
O parecer do relator também estabelece parâmetros para a política
educacional, que servirão de base para planos de carreira docente. Fixa
limites mínimos de investimento em educação. Prevê punições para
prefeitos que gastarem menos do que o mínimo previsto e que se revelarem
omissos na adesão de convênios com programas federais de financiamento
escolar.
Para os defensores do projeto, a Lei de Responsabilidade Educacional
dará às Defensorias Públicas e ao Ministério Público os instrumentos
jurídicos para acionar, judicialmente, prefeitos e governadores que
relegarem a educação para segundo plano. "Os gestores públicos têm de
encarar a educação como política de Estado, e não de governo. A lei será
um instrumento forte de controle da população, sobretudo para alunos
pobres", diz a advogada Alessandra Gotti, que atua num processo
impetrado contra a Prefeitura de São Paulo para ampliar o número de
creches na capital. "Além da possibilidade de ações judiciais, haverá a
possibilidade de responsabilização dos maus gestores, afirma o juiz
Richard Pae Kim, vice-presidente da Associação Brasileira de
Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e
da Juventude.
As intenções dos defensores da Lei de Responsabilidade Educacional
são as melhores. Mas, da forma como está redigido, o projeto pode trazer
mais problemas do que soluções. Os juristas afirmam que ele não define
com clareza o que é qualidade em educação, o que pode levar a
intermináveis batalhas judiciais. O secretário de Educação Básica do
MEC, Romeu Caputo, observa que o substitutivo não leva em conta as
especificidades regionais, "encaixotando todos os municípios numa mesma
legislação". Especialistas em finanças públicas lembram que o
substitutivo não prevê exceções, como contingências orçamentárias, e
aumenta a vinculação de recursos orçamentários, reduzindo a
discricionariedade dos prefeitos. A União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação critica a imposição de mais encargos
administrativos e de sanções legais aos prefeitos.
"A lei não deve ser uma caça às bruxas", diz a diretora da ONG Todos
pela Educação, Priscila Cruz, pedindo mais sensatez no debate. "A melhor
maneira de responsabilizar os prefeitos é expô-los", afirma a
consultora em educação Ilona Becskeházy, chamando a atenção para o risco
de excessiva judicialização da área educacional. De fato, o desafio da
melhoria da qualidade do sistema educacional não depende de mais leis
para o setor, mas, isto sim, de programas realistas e eficientes.
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