segunda-feira, 14 de maio de 2012

O RIO DE JANEIRO E A FARRA DOS PREFEITOS

No Rio, quase metade dos prefeitos emprega 72 parentes
MP entrou no STF com medidas para pedir a saída dos familiares dos cargos em comissão
Juliana Castro/Marcelo Remigio - O Globo
RIO - Aprovada por unanimidade em agosto de 2008 pelos ministros do Supremo Tribunal Federal para vedar o nepotismo nos três Poderes, a 13ª Súmula Vinculante não foi suficiente para fazer com que prefeitos e vice-prefeitos do estado do Rio deixem de nomear familiares em cargos comissionados na administração pública. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que em pelo menos 41 dos 92 municípios fluminenses há parentes dos chefes do Executivo municipal lotados no primeiro e no segundo escalões. O total de familiares chega a 72, entre mulheres, irmãos, primos e cunhados. Há casos no interior e também na Região Metropolitana.
De olho no nepotismo, o Ministério Público Estadual entrou no STF com medidas — chamadas de reclamação — para pedir a saída dos parentes de prefeitos dos cargos em comissão e das funções gratificadas baseando-se na súmula. Segundo a regra, é proibida “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta”.
O Supremo tem analisado caso a caso as reclamações. Desde a aprovação da súmula, foram 72 decisões envolvendo todas as esferas — federal, estadual e municipal. Entre os resultados, já houve situações em que ministros bateram o martelo de forma diferente para contestações semelhantes. Em decisão recente, o ministro Joaquim Barbosa deferiu liminar do MP do Rio e mandou afastar Lenine Rodrigues Lima da Secretaria de Educação de Queimados, na Baixada Fluminense. O ex-secretário é irmão do prefeito Max Rodrigues Lemos (PMDB). Já o ministro Carlos Ayres Britto manteve, em decisão de abril deste ano, Amine Elmor Oliveira no cargo de secretária de Educação, Esporte e Lazer de Paty do Alferes, no Centro-Sul do estado. Ela é irmã do prefeito Rachid Elmor (PDT).
Decisões diferentes afetam aplicação
Segundo Ayres Britto, Amine “tem formação em magistério e, portanto, capacidade técnica para o exercício do cargo”, e que não haveria “ofensa à Súmula Vinculante nº 13”. No caso do irmão do prefeito de Queimados, Barbosa diz na decisão que não há “qualquer justificativa de natureza profissional, curricular ou técnica” para a nomeação de Lenine. “Tudo indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o secretariado municipal”, diz o ministro.
Tanto a decisão de manter Amine quanto a de afastar Lenine não são definitivas e aguardam julgamento final. O mesmo acontece com a reclamação que manteve Marcelo Sampaio Sessim na secretaria de Governo de Nilópolis. Irmão do prefeito Sérgio Sampaio Sessim (PP), Marcelo antes comandava a pasta da Saúde. Na mesma ação, o MP pede a saída de Aparecida Maria Pereira da Silva Lopes, cunhada do prefeito, da Secretaria de Assistência Social, o que também foi negado. De acordo com o MP, antes ela exercia o cargo de subprocuradora-geral do município.
“É que os cargos ocupados pelos parentes do prefeito do município de Nilópolis-RJ são de natureza política. E já decidiu esta nossa Corte que a Súmula Vinculante 13ª não abrange a escolha dos agentes políticos, como é o caso dos secretários municipais”, diz o despacho de Ayres Britto.
Para o cientista político e professor da UFRJ Paulo Baía, as decisões diferenciadas, que vão de encontro à súmula, dificultam a aplicação da Lei do Nepotismo. Segundo ele, a tradição de contratar parentes também prejudica o cumprimento da regra:
— Herdamos o nepotismo, é uma tradição ibérica. Aliás, não só os portugueses, mas também os espanhóis e italianos influenciaram nossa cultura do nepotismo. É mais uma lei que não pegou. Ainda temos políticos com mandatos que se acham donos dos governos. Ou seja, fazem o que querem.
Já para o economista e professor da Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS), em Santa Catarina, Herton Castiglioni Lopes, pesquisador do tema, a nomeação de parentes pode até ser aceita, desde que eles não coloquem à frente do trabalho os interesses pessoais de quem os nomeou, ignorando funções dos cargos públicos.
Outra reclamação do MP do Rio contra nepotismo mirou em Tanguá. A ação corre no Supremo e aguarda análise. O prefeito Carlos Roberto Pereira (PP) emprega, segundo a ação, a mulher, a filha, um genro e um cunhado como secretários municipais, com salário bruto de R$ 5.448,22. Ou seja, um terço das secretarias seria ocupado por familiares do prefeito. Um irmão ainda foi nomeado diretor de Almoxarifado, segundo a reclamação do MP.
A prefeitura argumenta que Paulo Roberto Pereira, irmão do prefeito, e Marques Cezar de Sá, cunhado de Carlos Roberto, são funcionários municipais concursados e foram deslocados para os cargos. A assessoria de imprensa diz que Paulo só foi mantido na função que já ocupava na gestão anterior. Eles são, respectivamente, diretor de Almoxarifado e secretário de Planejamento. Ainda segundo a assessoria, a primeira-dama, Ana Christina de Sá Pereira (secretária de Assistência Social), e a filha do prefeito, Vanessa de Sá Pereira (Obras), ocupam cargos “em esfera equivalente a de ministros de Estado”, que “não são contemplados diretamente como proibitivos na súmula vinculante”. A prefeitura contesta a informação do MP e diz que não há em seu quadro nenhum genro do prefeito.
Em Duque de Caxias, o prefeito José Camilo Zito dos Santos (PP) destinou a Secretaria de Obras e Urbanismo ao irmão Waldir Camilo Zito dos Santos. O prefeito alega que não fere a súmula em função do cargo de secretário ter caráter político e de confiança. Zito diz que o irmão é competente. Waldir é ex-prefeito de Belford Roxo. Seu governo, de 2001 a 2004, teve uma das piores avaliações na Baixada Fluminense. A rejeição o levou a desistir da reeleição.
Já em São Gonçalo, a prefeita Aparecida Panisset (PDT) mantém dois irmãos como secretários: Márcio Panisset, na Saúde, e Marilena Panisset, nas Políticas Estratégicas. A prefeitura alega que Márcio é médico e farmacêutico, “dispondo de vasta experiência na administração pública”. Diz que ele “não recebe os vencimentos relativos ao titular da Saúde, uma vez que optou pelos vencimentos de deputado estadual, não gerando nenhum ônus ao Erário público municipal”. Um secretário na cidade recebe R$ 4.953,61, enquanto o salário bruto de um deputado estadual no Rio é de R$ 20.042,35. Já sobre a nomeação de Marilena, Panisset informa que ela é servidora efetiva do município há vários anos, “detendo capacitação técnica para o exercício das atribuições que o cargo exige”.

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