segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A Petrobras e o canibalismo ético de quem resiste aos males do mercado
Reinaldo Azevedo - VEJA
Que pena que existe mercado no Brasil, não é? Feliz é a Coreia do Norte — para citar um, digamos, clássico, do coletivismo, que não está submetido a esses homens cúpidos, a essa canalha que só quer ganhar dinheiro especulando. É bem verdade, vamos admitir, que aquele país enfrenta alguns probleminhas e, de vez em quando, no campo, especialmente no inverno, coreanos do norte mais fortes comem coreanos do norte mais fracos, em sentido nada bíblico e numa releitura bastante, digamos, estomacal e particular de Darwin. Mas, ao menos, a gente sabe que são mortes morais, sem o vetor indecente do mercado.
Mas não precisamos chegar a esse extremo de pureza antimercado. Podemos ficar com uma versão mais amena. Vejam a Venezuela. A felicidade daquele povo é garantida, no momento, por um sábio que reúne os poderes do Legislativo e do Executivo. O homem regula até o valor dos aluguéis comerciais. Nicolás Maduro gosta do mercado ético. Falta papel higiênico no país — por isso, ultimamente, as pessoas têm visto pouco a imagem estampada de Chávez em borrões… —, mas não falta patriotismo.
É o mercado que estraga tudo.
Vejam o caso da Petrobras. Trata-se de uma empresa de capital misto. Durante os danosos anos tucanos, o Brasil chegou perto da autossuficiência de petróleo — não alcançada até agora, a despeito das mentiras de Lula — e ao pré-sal. E alcançou esse patamar seguindo as regras do… mercado. Mas aí se descobriu que isso era muito pouco social, entenderam? Em tese, as gestões petistas fortaleceram enormemente a empresa. A gigante petroleira é obrigada, por exemplo, a ser a operadora do pré-sal. Tem de entrar na exploração como sócia, queira ela ou não, tenha autonomia de caixa ou não. Não é pelo petróleo, não é pela eficiência, é pelo patriotismo, pô! Então vamos entregar todo o nosso “ouro negro” — que, a cada dia, menos gente quer — a sagazes negociantes? Nem pensar? Um dia veremos a imagem de Lula estampada por aí nas coisas mais improváveis… Você pedirá um suco e vai perceber uma caca meio repulsiva no copo mal lavado… Olhe direito, preste bem atenção… Você terá visto aquilo em algum lugar.
Com todo o poderio que o PT devolveu à Petrobras, deixou a empresa menor do que era, mais fraca, mais vulnerável. Culpa de quem? Dos homens de negócios! Podem reparar: as nações mais prósperas da Terra, aquelas que garantem a seus cidadãos uma vida verdadeiramente digna, são as que repudiam o jogo perverso dos que só pensam no lucro. Nesses países, falar em setor privado é um anátema. Todo mundo sabe que os grandes progressos da humanidade — das vacinas ao vaso sanitário, passando pelo McLanche Feliz — foram garantidos pelo estatismo, pelos sábios que se reúnem para definir os caminhos da felicidade humana.
Do petróleo ao mercado de arte, o estado sabe o que é melhor para nós. Os “neoliberais” ficam fazendo pressão porque estão a serviço de interesses inconfessáveis, entenderam? Vejam o caso do preço dos combustíveis. O que quer esse bando de gente indecente? Ora, elevar o preço e ver disparar a inflação para Dilma perder a eleição… E bem verdade que a gente constata que a inflação continua a pressionar mesmo com o preço dos combustíveis reprimido, o que é um sinal bastante evidente de que algo não vai bem na equação geral… Pare por aí, leitor!
Interrompa esse raciocínio! Isso é só o diabo da Razão tentando o seu cérebro, fazendo um esforço para se insinuar na sua crença, tirando-o do caminho reto. Toda a força da argumentação dos homens do livre mercado deriva do mundo que existe, do mundo dos fatos, e nós, os esquerdistas de antes e de agora, falamos em nome de um outro mundo possível. Não aceitamos que a realidade seja uma tirana do nosso pensamento.

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