A sabedoria das urnas
MAC MARGOLIS - O Estado de S.Paulo
Se presidir um país latino-americano é tarefa espinhosa
mesmo nos melhores tempos, o que dizer de Honduras? A pequena nação
centro-americana é a segunda mais miserável do continente, logo acima do
Haiti. Dois terços da população de 8,5 milhões vivem na linha da
pobreza ou abaixo. A taxa de desigualdade é pior hoje do que há duas
décadas.
Com instituições fracas, política internacional e ética pública
porosas, Honduras é o ecossistema perfeito para o crime transnacional.
De cada 100 mil hondurenhos, 80 morrem assassinatos por ano, um recorde
mundial. E 70 mil cidadãos vão embora do país anualmente.
No entanto, oito candidatos disputaram a corrida presidencial e quem
levou as chaves do Palácio José Cecilio del Valle saiu da peleja de
sorriso franco e desafiante. "Não negocio a vitória com ninguém", bradou
Juan Orlando Hernandéz, militar reformado, de 45 anos, que presidiu o
Congresso. Esqueça o fato de que Hernandéz ganhou apenas 34% dos votos e
seu rival mais próximo, a socialista Xiomara Castro, ainda não
reconheceu sua vitória.
Chama a atenção, no entanto, o fracasso de outro pretendente na
disputa. Nos últimos quatro anos, um fantasma rondava o pequenino país
centro-americano e, por tabela, toda a região. Hugo Chávez, o falecido
líder venezuelano, trabalhara duro para evangelizar seu o socialismo do
século 21 pelas Américas. Em 2009, teve a chance de espetar mais um
alfinete no seu mapa-múndi revolucionário. Justamente em Tegucigalpa,
onde o presidente Manuel Zelaya ensaiava passos bolivarianos.
Naquele ano, Zelaya chegava ao fim de seu governo, refugou e provocou
uma cisma continental. Reza o Artigo 239 da Constituição de Honduras
que o mandato presidencial é único, de quatro anos, sem direito a
reeleição. Zelaya quis mais e convocou um plebiscito nacional sobre o
tema, também vetado pela lei.
Acabou deposto e expulso do país sob mira de fuzil. Voltou na
surdina, ao lado de Nicolás Maduro, o então chanceler de Chávez, mas não
conseguiu retornar ao palácio. Resolveu lançar sua esposa, Xiomara
Castro, sob legenda nova, o Partido Libre, e acessórios velhos, do
patenteado chapéu de cowboy ao roteiro chavista.
Assim, ficou demarcada a campanha hondurenha, uma batalha por
procuração. Os conservadores e caciques do Partido Nacional enxergaram
na candidatura de Xiomara a senha para o retorno de Zelaya pela porto
dos fundos. E os zelaystas viram o dedo de Washington na campanha de
Hernández, um advogado formado na Universidade de Nova York que quer
soldados na rua contra o crime.
Nem uma coisa, nem outra. Primeiro, o chavismo ficou longe do páreo.
Talvez pela crise na Venezuela, onde o presidente Maduro luta para
salvar seu acidentado governo da pane econômica e de sua popularidade em
declive. Outro companheiro, o presidente nicaraguense, Daniel Ortega,
mais oportunista que chavista, surpreendeu a todos ao ser um dos
primeiros a congratular Hernández.
Deixaram isolado o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, chefe de
torcida internacional, que endossou Xiomara na reta final, na contramão
das pesquisas. Já Washington decepcionou no papel de imperialista. Após
condenar o golpe de 2009, o governo americano se calou na campanha
eleitoral e, até sexta-feira, ainda não tinha parabenizado o presidente
eleito.
Novidade. O restante ficou a cargo dos hondurenhos, mais sensatos,
que dividiram seus votos de forma equilibrada entre quatro candidatos. É
uma boa-nova para o país atolado há quase um século entre dois partidos
escleróticos: o Liberal e o Nacional.
No Congresso, nenhuma legenda terá maioria absoluta, muito menos rolo
compressor. Para estancar o crime, conduzir o país e introduzir as
reformas que Honduras tanto carece, Hernández, queira ou não, terá de
negociar. E o zelaysmo, participar. Se isso significa renovação ou
paralisia, não se sabe.
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