Ausência de pudor
DENIS LERRER ROSENFIELD - O Estado de S.Paulo
A prisão dos condenados do mensalão está, literalmente,
virando um pastelão. Montou-se toda uma encenação como se os hoje
condenados, devendo cumprir com suas respectivas penas, não tivessem
tido direito à defesa e fossem vítimas de uma imaginária conspiração das
"elites" ou da "mídia", eterno bode expiatório dos que almejam o
controle total do poder.
Há duas ordens de questões envolvidas: uma de ordem, digamos,
"humanitária", se quisermos ser benevolentes, e outra de ordem
propriamente institucional, que diz respeito ao ataque que vêm sofrendo o
Supremo Tribunal Federal (STF) e, em particular, o seu presidente.
A primeira é visível no caso do ainda deputado José Genoino,
apresentado como uma "vítima" e, conforme as circunstâncias, como um
lutador da liberdade no período mais "obscuro" do regime militar. Esta
última consideração, aliás, não resiste a uma análise mais elementar dos
fatos, pois a guerrilha do Araguaia foi uma tentativa maoista de
estabelecer no País o totalitarismo comunista.
As suas avaliações médicas - feitas por duas juntas, uma composta por
especialistas da Universidade de Brasília, a pedido do STF, e outra por
médicos da Câmara dos Deputados - tiveram como resultado que seu estado
não é de cardiopatia grave, merecendo, como qualquer pessoa em sua
condição, cuidados especiais. Ao contrário do que chegou a anunciar o
seu advogado, não estaria tendo um "infarto". Há um evidente
superdimensionamento da doença com o intuito de criar um constrangimento
político ao presidente Joaquim Barbosa.
Há, contudo, algo bem mais grave aqui. O que o PT está reivindicando
para José Genoino e para os seus outros presos (não se fala de outros
"companheiros", como membros de outros partidos, banqueiros, empresários
e publicitários) é um tratamento privilegiado, típico das elites. O
discurso de Lula caracteriza-se por ser contra as "elites", o seu
comportamento e de seu partido, porém, é o de que a elite petista é
diferente dos demais cidadãos.
A contradição é flagrante. O Partido dos Trabalhadores não está
preocupado com os outros "trabalhadores", mormente negros, pardos e de
baixa renda, que vicejam nas prisões brasileiras. Quantos destes
precisam de prisão domiciliar? E quantos necessitam de tratamento médico
adequado? Silêncio total!
A questão chegou ao paroxismo quando, nas visitas, os horários e os
dias estipulados não foram minimamente observados, como se petistas
presos não devessem seguir as mesmas regras de outros condenados.
Mulheres, mães e irmãs comuns esperando em longas filas, desde a
madrugada, reclamaram precisamente dos privilégios. O Ministério Público
Federal, em Brasília, chegou a exigir isonomia de tratamento. Ou seja, a
tão proclamada ideia da igualdade não vale para as lideranças petistas,
a nova elite.
A situação chega a ser hilária. Pessoas de altas responsabilidades
governamentais e lideranças partidárias acabam de "descobrir" que as
condições de prisão no Brasil são "sub-humanas". Ora, de súbito, tiveram
uma crise de humanismo. Eis a grande descoberta após 11 anos de governo
petista. O partido ficou muito mal na foto, revelando um indiscutível
traço elitista.
A segunda concerne ao processo em curso de deslegitimação do
presidente Joaquim Barbosa e, por extensão, do Poder Judiciário.
Enquanto o julgamento do mensalão não era definitivo, contentavam-se as
lideranças petistas em dizer que as decisões seriam respeitadas. No
momento em que o partido foi contrariado, seus dirigentes não hesitam em
enveredar por um caminho de instabilização institucional e de negação
do Estado de Direito. Há até mesmo ameaças de processos contra o
ministro Joaquim Barbosa, exibindo um partido alheio ao respeito pelas
instituições.
Aliás, o PT não se entende nem consigo mesmo. Segundo o seu estatuto,
dirigentes partidários condenados em última instância deveriam ser
expulsos do partido, não mais correspondendo às regras, de fundo moral,
que deveriam reger a vida partidária. O que está acontecendo? Ninguém
mais se refere aos estatutos, todos se comportam em solidariedade aos
detentos, como se houvesse a figura única dos "criminosos do bem", os
que emprestam seus serviços ao partido, empregando todo e qualquer meio.
Nesse sentido, não deixa de ser curiosa a defesa do deputado José
Genoino de que seria um homem sem patrimônio, que levaria uma vida
modesta, não tendo enriquecido com a política. A mensagem implícita
consiste em absolver qualquer desvio de recursos públicos, porque feito
em nome do "valor maior" do partido. Logo, o desvio de recursos
públicos, o caixa 2, a compra de parlamentares e a corrupção são
atividades lícitas sempre e quando forem para o "bem" do PT. Padrões
morais universais, referências republicanas e de bem comum, entre outras
formas de vida política, são considerados como secundários e
irrelevantes, pois acima de todas as instituições está o partido. A
corrupção partidária seria, portanto, muito bem-vinda.
As retóricas dos "presos políticos" e do "regime de exceção"
situam-se, precisamente, num comportamento político de instabilização
institucional. As chances de sucesso são praticamente inexistentes, além
de a própria presidente Dilma Rousseff ter-se distanciado desses
arroubos ideológicos.
O Brasil vive um de seus mais sólidos momentos de estabilidade
democrática, mostrando a vitalidade do País e a plena vigência da
Constituição de 1988, rigorosamente respeitada. A prova adicional disso é
o fato de o próprio PT governar o País por dois mandatos de Lula e um
de Dilma, esta disputando a reeleição com possibilidade de vitória.
Falar de perseguição e exceção revela apenas falta absoluta de bom
senso. A piada de salão de Delúbio Soares não tem graça na prisão.
A democracia não é um instrumento que esteja a serviço de um partido
qualquer, por mais "virtuoso" que ele se queira representar. O "Bem" da
República está situado acima do "bem próprio" partidário, uma lição
elementar que, infelizmente, não foi ainda bem aprendida.
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