Política frouxa
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Às vezes, fica a impressão de que o governo usa
deliberadamente um discurso enganador para encobrir os resultados ruins
das contas públicas. Outras vezes, a impressão é a de que o governo se
autoengana, é surpreendido pelos fatos e depois fica derrapando em
explicações. Não dá para saber o que é pior para a sua credibilidade, se
é enganar ou ser enganado.
Em setembro apareceu um rombo de quase R$ 10 bilhões nas contas
públicas. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, o inventor da chamada
contabilidade criativa que enfeitou os números finais de 2012, não teve
então como esconder o estrago. Mas apressou-se em garantir que outubro
seria diferente e, até lá, já não se falaria mais do que acontecera em
setembro. Pois vieram as contas de outubro, com um superávit, sim, mas
de apenas R$ 6,2 bilhões, o mais baixo registrado em meses de outubro
desde 2002.
Na quinta-feira, o secretário Augustin fingiu que se esquecera do que
anunciara 30 dias antes, mas reprisou as promessas, desta vez para
novembro: "Vai ser um resultado histórico", supostamente para melhor.
É provável que seja mesmo, não porque o governo tenha sido mais
responsável na administração das contas públicas em novembro, mas porque
prevê receitas extraordinárias, tanto em bônus de assinatura da
licitação das reservas de petróleo de Libra quanto do que a Receita
Federal conseguir arrancar na operação espreme-empresa (Refis). Não se
trata de conversão ao bom caminho. Estas são fontes extraordinárias de
arrecadação; entram só uma vez e não refletem nenhuma correção de rumo
na política fiscal.
Apesar desse reforço extra, fica ameaçado o cumprimento do
compromisso do governo de entregar até mesmo um superávit primário
(sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de R$ 73 bilhões (1,5%
do PIB), meta que, por sua vez, já havia sido rebaixada de R$ 108
bilhões (2,3% do PIB).
Independentemente da mistura de falta de sinceridade com frouxidão na
administração, prevalece a pilotagem contraditória. De um lado, a turma
do acelerador gasta o que tem e o que não tem para aumentar a demanda;
de outro, o Banco Central puxa os juros para frear a demanda e compensar
os efeitos inflacionários da política fiscal frouxa. É como o que
ocorreu com o Boeing da TAM em 1996, cuja turbina esquerda acelerava
para garantir a decolagem na pista de Congonhas, mas o outro motor
estava em posição de reversão e freava a aeronave.
A principal consequência não são apenas avarias na credibilidade do
governo; é o desastre anunciado, se a anomalia não for corrigida a
tempo.
Acumulam-se os sinais de que a economia está desequilibrada. O
consumo de bens e serviços segue mais forte do que a oferta. O rombo nas
contas externas vai-se alargando. Para tentar combater a inflação, o
governo represa os preços dos combustíveis e das tarifas públicas e, com
isso, além de estropiar a capacidade de investimento da Petrobrás,
obtém menos arrecadação.
Diante disso, o investidor faz o quê? Espera pra ver o que acontece e
só deixa para arriscar seus investimentos quando as coisas estiverem
mais claras.
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