Oito ex-ministros da Fazenda da farra inflacionária pedem ao STF que proteja a banca da cobiça dos poupadores
Elio Gaspari - FSP
São inúmeras as contribuições dadas pelo economista Pedro Malan aos bons costumes nacionais, mas de todas a mais bem-humorada é sua afirmação de que "no Brasil, até o passado é incerto". Na batalha da banca para derrubar no Supremo Tribunal Federal os pleitos dos poupadores tungados pelos planos econômicos do final do século passado, entrou um manifesto de 13 ex-ministros da Fazenda e 11 ex-presidentes do Banco Central prevendo a ruína nacional caso o sistema financeiro seja desatendido.
Debulhando-se a lista dos signatários vê-se como o passado é incerto. No "Clube dos 24", os ex-ministros da Fazenda signatários são 13. Deles, cinco têm a autoridade do desempenho para falar em defesa da moeda, pois restabeleceram seu valor e nunca mexeram no bolso do quem guardou sua poupança nas cadernetas. São Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan, Rubens Ricupero, Ciro Gomes e Antonio Palocci. Restam oito. Todos, com exceção de Delfim Netto na sua primeira encarnação de czar da economia (1967-1974), entraram no cargo prometendo conter a inflação e foram-se embora deixando para o sucessor uma taxa mais elevada ou ainda na faixa dos quatro dígitos. Considerando-se que a inflação brasileira não foi provocada pelos ciclistas nem pelas pessoas que poupavam nas cadernetas, é ilustrativo voltar ao legado de cada um dos doutores-signatários:
Ernane Galvêas chegou ao ministério em 1980 e saiu em 1985. Foi condômino da segunda encarnação de Delfim. Fechou seu primeiro ano com a inflação em 110%, medida pelo IGP-DI da Fundação Getulio Vargas. Em 1984 ela foi para 223%.
Luiz Carlos Bresser-Pereira foi para a Fazenda em abril de 1987 e saiu em dezembro. No ano, a inflação chegou a 415%. Nesse período ele concebeu o Plano Bresser, que foi o primeiro avanço sobre a remuneração da poupança.
Mailson da Nóbrega ficou no cargo de maio de 1987 a março de 1990. Em 1988 a inflação chegou a 1.037%. Ele concebeu o Plano Verão e, ao final de 1989 o IGP-DI fechou em 1.782%.
Zélia Cardoso de Mello conduziu os Planos Collor 1 e 2. Ficou no cargo de março de 1990 a maio de 1991. Em 1990 a inflação ficou em 1.476%.
Marcilio Marques Moreira assumiu em maio de 1991 e foi embora em outubro de 1992. Nesse ano o IGP-DI ficou em 1.157%.
Gustavo Krause e Paulo Haddad estiveram poucos meses no ministério, entre o final de 1992 e o início de 1993, ano em que a inflação chegou a 2.708%.
Na carta os ex-ministros lembraram: "Em alguns meses, a inflação mensal anualizada superou 10.000%". É claro, pois aquilo foi coisa dos ciclistas.
O manifesto poderia ter sido assinado pelos cinco ex-ministros capazes de dizer que, tendo reequilibrado as finanças nacionais, usam a própria autoridade para recomendar ao Supremo que dê razão à banca. Seria possível discordar deles, mas não se lhes poderia contestar os currículos. Quando aos cinco juntaram-se oito cavaleiros da ruína, formou-se um bloco. Certamente, não é o desempenho que os une. É a defesa dos bancos. Ganha uma viagem a Paris quem souber de outro tema capaz de gerar semelhante coesão.
- A obra dos doutores está na tabela do texto "Índices de Preços no Brasil", no portal do Banco Central.
O PROBLEMA É QUE A BANCA QUER PAGAR ZERO
A briga dos poupadores lesados nos planos econômicos do século passado virou uma guerra de cifras. O "Clube dos 24" argumenta que, se as vítimas forem indenizadas, os bancos perderão R$ 100 bilhões. Noutra conta, seriam R$ 150 bilhões, mas há um estudo que fala em R$ 600 bilhões. Tamanha disparidade num cálculo de banqueiros sugere que ele foi contaminado por um impulso terrorista. As provisões dos bancos protegendo-se contra esse mau momento, expressas em seus balanços, fica em R$ 18 bilhões.
No coração do litígio estão as mudanças feitas no cálculo da correção monetária, que afetou a remuneração das cadernetas nas primeiras semanas dos planos. Um cidadão que em janeiro de 1987 tinha na poupança mil cruzados (a moeda da época), perdeu 204 cruzados na remuneração de 15 dias de fevereiro de 1987. Tomou uma tunga que hoje está em R$ 880.
Esse litígio deverá ser encerrado pelo STF no ano que vem. Ele se arrasta há mais de 20 anos, porque a banca quer pagar zero, noves fora os honorários de seus advogados. Eles perderam em quase todas os tribunais, inclusive no STJ e, em dois lances de pura chicana, junto ao STF.
As vítimas dizem que perderam na remuneração das cadernetas durante algumas semanas. Os bancos respondem que os poupadores perderam numa fase e ganharam mais adiante. Há na praça uma ideia que elimina a argumentação terrorista e simplifica o debate. O Supremo poderia determinar que os poupadores sejam ressarcidos a partir de um cálculo baseado num só índice (o IPC, por exemplo), durante todos os períodos que duraram as mágicas. Em vez de discutir se cartola produz coelho, expurga-se o truque.
Nesse caminho, quem entende de banco assegura que a conta deveria ficar nuns R$ 50 bilhões. Em cima disso, os ministros deveriam decidir se, além da correção monetária e dos juros contratados, os bancos devem pagar juros de mora pela duração do litígio. Essa é outra conta e outra discussão.
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