sábado, 28 de dezembro de 2013

Primeiro-ministro japonês promete ir além de políticas econômicas

Hiroko Tabuchi - NYT
Justin Lane/Pool/AFP
Primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe 
Primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe

O último ano de Shinzo Abe como primeiro-ministro do Japão se concentrou em reanimar a economia, que sofre há muito tempo. Mas na mente de Abe a nova proeza econômica do país é um meio para atingir um fim: construir um Japão mais poderoso e assertivo, com uma força militar completa, assim como orgulhoso de seu passado na época da Segunda Guerra Mundial.
Essa agenda maior, que ajudou a reduzir o primeiro período de Abe no cargo em 2006-07, mais uma vez esteve no primeiro plano nas últimas semanas, culminando com sua visita de fim de ano ao Santuário de Yasukuni, para homenagear os mortos de guerra do país, incluindo vários criminosos de guerra que foram executados depois da derrota japonesa. As últimas visitas de políticos japoneses irritaram a China e a Coreia do Sul, países que sofreram muito sob os esforços de construção de império do Japão no século 20.
A última visita provocou reações rápidas de autoridades em Pequim, que acusaram Abe de tentar obscurecer as atrocidades imperialistas do Japão. E, em uma rara crítica de um aliado próximo, a nova embaixadora dos EUA no Japão, Caroline Kennedy, também manifestou decepção pelo governo de Abe.
Mas o primeiro-ministro mostrou que está disposto a assumir grandes riscos políticos para desviar o país de seu pacifismo do pós-guerra. No mês passado ele ignorou críticas acirradas de adversários políticos, assim como da mídia, e pressionou o Parlamento a aprovar uma lei que endureceria o controle do governo sobre segredos de Estado. A lei foi apresentada pelo governo como um mecanismo para ajudar no compartilhamento de inteligência militar com aliados e criar um Conselho de Segurança Nacional no estilo americano.
Abe também aumentou os gastos militares pela primeira vez em uma década e afrouxou as restrições autoimpostas para a exportação de armas. Um novo plano de defesa pede a aquisição de teleguiados e veículos de assalto anfíbios para preparar-se para a perspectiva de uma rivalidade prolongada com a China.
Especialistas dizem que no próximo ano Abe poderá começar a tomar medidas concretas para reinterpretar e possivelmente revisar a Constituição pacifista do Japão, de 1947, o que ele descreveu como um objetivo de vida. As mudanças propostas poderiam permitir que o país mantivesse oficialmente um exército pela primeira vez desde a guerra e assumisse um papel maior na segurança global.
"O ano passado deu a Abe confiança para começar a voar mais alto", disse Koji Murata, presidente da Universidade Doshisha, em Quioto. "Ele está indicando a seus seguidores que é um político que lutará por suas convicções."
A iniciativa de Abe é ao mesmo tempo oportuna e arriscada. A ansiedade regional sobre a rápida escalada militar de Pequim - e o relativo declínio da influência dos EUA na região, enquanto Washington continua distraída com o Oriente Médio - pareceu armar o cenário para um Japão mais confiante. E as tensões com a China e a Coreia do Sul tornaram o público cético mais disposto a aceitar a agenda direitista de Abe, incluindo o estabelecimento de um esquema militar mais robusto.
Mas as disputas territoriais, assim como discórdias acentuadas sobre o legado da guerra, também formam um pano de fundo perigoso para a ascensão do Japão. Barcos de patrulha japoneses e chineses continuam em um tenso impasse perto de ilhas desabitadas no mar da China Oriental reivindicadas pelos dois países, provocando preocupações entre alguns analistas militares de que um erro de cálculo ou acidente possa deflagrar um confronto armado.
As relações do Japão com a Coreia do Sul estão em seu nível mais baixo por causa de outra disputa territorial e discórdias sobre interpretações da história. As esperanças de reconciliação, depois de notícias recentes de uma reunião entre vice-ministros dos dois países, foram abafadas pela visita de Abe a Yasukuni.
"Abe colocou ainda mais lenha na fogueira", disse Tetsuya Takahashi, professor de filosofia na Universidade de Tóquio e autor de um best-seller sobre o papel do santuário de Yasukuni na política japonesa. "Esse não é um bom presságio para as relações do Japão na Ásia em geral."
Abe caminha sobre uma linha fina em parte porque as muitas facetas de sua agenda não se encaixam. Por um lado, as boas relações com a China - o maior parceiro comercial do Japão - são críticas para a atual recuperação econômica do país. Especialistas advertem que assumir uma posição beligerante em relação a Pequim poderia representar mais um golpe para os interesses comerciais japoneses na China e para a agenda econômica de Abe.
Tampouco suas visões profundamente revisionistas da história - que Abe herdou de seu avô, Nobusuke Kishi, que foi preso por crimes de guerra antes de se tornar primeiro-ministro - inspiram confiança de que Tóquio possa exercer um papel de segurança maior na Ásia.
Washington se esforçou em geral para que o Japão assumisse uma presença militar mais ativa na região, contrapondo-se ao crescente poderio chinês. Mas em vez de ser um aliado estável Tóquio tornou-se mais um problema asiático para as autoridades americanas, por causa de suas disputas com Pequim.
Alguns analistas dizem que Abe se esforçou para minimizar as consequências de sua visita a Yasukuni. Ele evitou praticar culto religioso lá durante os festivais religiosos sazonais no santuário ou durante aniversários de importância histórica ou política.
De fato, muitos conservadores japoneses dizem que a visita não deve receber tanto peso político, porque simplesmente pretendia homenagear os 3,1 milhões de militares e civis que morreram na Segunda Guerra Mundial.
O próprio Abe fez essa alegação, dizendo que contemplava a "preciosidade da paz" enquanto prestava homenagens em Yasukuni.
Poucos analistas, entretanto, pensam que agora ele voltará seu enfoque totalmente para a economia. Em vez disso, o novo ano provavelmente marcará novos passos para mudar a Constituição.
Abe disse que primeiro se esforçaria para interpretar a Constituição, de modo a permitir que o Japão aja em nome de aliados sob ataque. Mas ele não fez segredo de que buscará uma revisão abrangente do documento, permitindo que o país tenha um exército nacional.
"Talvez a lição mais importante da visita de Abe a Yasukuni seja que, apesar das alegações de que ele está concentrado na recuperação econômica acima de tudo, o primeiro-ministro não acredita que seu mandato se limite a políticas econômicas", disse Tobias Harris, um especialista em política japonesa na firma de assessoria Teneo Intelligence. 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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