Erica Goode e Claire Cain Miller - NYT
Jim Wilson/The New York Times
Mural
critica mudanças no Mission District, em San Francisco, que já foi um
bairro latino-americano de classe trabalhadora e agora é um destino para
a elite tecnológica
Se houve um ponto de
virada, um momento que cristalizou a raiva que crescia aqui contra os
chamados "technorati" por terem feito aumentar o preço dos imóveis e
ameaçado a identidade boêmia da cidade, ele aconteceu em resposta a uma
denúncia publicada online em agosto por um jovem empresário de internet.
O autor, Peter Shih, um dos fundadores de uma startup, fez uma lista
das dez coisas que ele odiava em San Francisco. Pessoas sem-teto, por
exemplo. E o tempo "em constante TPM" . E "as meninas que são claramente
nota 4 e se comportam como se fossem nota 9."A reação foi imediata. Cartazes apareceram em postes telefônicos chamando Shih de "nerd tarado que odeia mulheres". A CheapAir ofereceu a ele uma passagem de volta a Nova York. Leitores responderam que o que odiavam a respeito de San Francisco eram profissionais de tecnologia "esnobes" como ele.
Shih, que disse ter recebido ameaças de morte depois do post, deletou-o e pediu desculpas.
Mas o estrago foi feito. À medida que o centro da indústria de tecnologia se mudou do Vale do Silício, no norte, para San Francisco e a riqueza das empresas de tecnologia fluiu para a cidade – as ações do Twitter criaram cerca 1.600 novos milionários – as disparidades de renda se ampliaram acentuadamente, os preços dos imóveis subiram e guindastes laranjas de construção pontilham o horizonte. Os profissionais de tecnologia, com ou sem razão, foram culpados por isso.
O ressentimento ferve na cidade, nas frotas de ônibus do Google que transportam funcionários para a sede da empresa em Mountain View; os programadores que lotam os cafés de elite, com as cabeças enterradas em seus laptops; seus carros pretos elegantes Uber que transportam hipsters de bar em bar. No mês passado, dois milionários da tecnologia abriram o Battery, um clube só para convidados com custo de US$ 2.400 por ano numa velha fábrica no distrito financeiro, onde os carros fazem fila para o valet.
Para os críticos, essas imagens são símbolos de uma cidade que corre o risco de perder sua diversidade – uma cidade na qual artistas, famílias e profissionais de classe média já não tem dinheiro para viver. No dia da oferta pública das ações do Twitter este mês, 150 manifestantes protestaram em frente a empresa com cartazes dizendo: "A população não lucra" e "Nós somos o público, o que você está oferecendo?"
Mais e mais moradores de longa data estão sendo forçados a sair à medida que proprietários de imóveis e especuladores correm para capitalizar o fluxo de dinheiro.
Mary Elizabeth Phillips, uma contadora aposentada, está lutando contra o despejo do apartamento alugado onde ela mora há quase meio século. Se os novos proprietários conseguirem o que querem, ela terá que se mudar em abril, pouco depois de seu 98º aniversário, porque eles querem vender as unidades.
Seu bairro se transformou a seu redor. A concessionária de carros do outro lado da rua agora é um complexo de apartamentos de luxo, com um jardim de ervas na cobertura, um jardim de borboletas e uma loja Whole Foods.
"Posso entender isso do ponto de vista do investimento", disse ela sobre as atitudes dos proprietários. "Mas acho que eu não seria tão fria quanto a isso."
Embora o boom da tecnologia tenha gerado hostilidade, também trouxe benefícios inegáveis a San Francisco. O prefeito Edwin M. Lee atribui ao setor de tecnologia o crédito por ter ajudado a tirar a cidade da recessão, pela criação de postos de trabalho e por alimentar uma economia próspera que causa inveja nas cidades sem dinheiro por todo o país.
A indústria "não está assumindo mas complementando a criação de empregos que queremos na cidade", disse Lee enquanto oferecia um tour pela Market Street para mostrar seu "renascimento" de uma rua decadente para um distrito tecnológico onde o Twitter, Square e outras companhias se instalaram.
No entanto, as autoridades municipais devem lidar com a aritmética de apertar mais pessoas no espaço limitado disponível de 126 quilômetros quadrados de San Francisco. E é a falta de habitação que está por trás de grande parte dos ataques contra os profissionais de tecnologia.
San Francisco tem os imóveis mais caros do país, com apenas 14% das habitações acessíveis a compradores de classe média, disse Jed Kolko, economista-chefe do site de negócios imobiliários Trulia. O aluguel médio também é o mais alto do país, a US$ 3.250 dólares por mês para um apartamento de dois quartos.
"Projetos de habitação a preços acessíveis estão sendo construídos e o dinheiro reservado para isso está sendo empregado, mas a demanda é muito maior do que a oferta", disse Fred Brousseau do departamento de análise orçamentária e legislativa da prefeitura. Os despejos, regidos por uma lei estadual que permite que os proprietários retirem inquilinos de aluguel para vender os prédios, mais do que triplicaram nos últimos três anos, assim como aconteceu durante a primeira expansão do setor tecnológico.
Para Yelly Brandon, uma cabeleireira de 36 anos de idade, e seu namorado, Anthony Rocco, um arquivista, os obstáculos para encontrar moradia ficaram claros quando eles passaram dois meses à procura de um apartamento. Eles disseram que estavam competindo, na visitação de imóveis, com os jovens profissionais de tecnologia que ofereciam mais do que o preço pedido e dinheiro adiantado.
"As pessoas estavam simplesmente jogando dinheiro para cima", disse Brandon.
A afluência de riqueza está, por sua vez, alterando o caráter dos bairros. Fort Mason, um posto militar reformado na baía, foi apelidado de "Frat Mason" por causa dos "caras tecno" de 20 e poucos anos – vendedores das empresas de tecnologia, funcionários de marketing e fundadores de startups – que se mudaram para apartamentos de luxo no bairro e jogam bocha no grande gramado.
Em nenhum lugar as mudanças são mais marcantes do que em Mission District, que já foi um bairro latino-americano de classe trabalhadora e agora é um destino para a elite tecnológica.
"Algumas das pessoas nas lojas que eu conhecia, pessoas boas e gentis, estão sendo despejadas e as pessoas que estão mudando para lá não são tão legais", disse Rene Yañez, artista e fundador da Galería de la Raza na década de 70, que começou a marcha. Yañez e seu parceiro, que está lutando contra o câncer, estão sendo expulsos do apartamento que ocuparam durante décadas.
Há mais despejos neste bairro do que em qualquer outra parte da cidade.
"Eles não estão apenas expulsando os sem-teto e as gangues", disse Guillermo Gómez- Peña, artista performático. "Eles também estão expulsando artistas, poetas, muralistas, ativistas, famílias da classe trabalhadora – todas essas tribos urbanas maravilhosas que fizeram deste bairro um bairro muito especial durante décadas."
"Um dia", ele acrescentou, "eles vão acordar para um oceano insuportável de mesmice".
Algumas empresas de tecnologia estão tentando retribuir. A Salesforce doou milhões de dólares para as escolas públicas e o Twitter, que não quis comentar sobre o seu efeito na cidade, está fornecendo os advogados para ajudar moradores a lutar contra os despejos como parte de um acordo com a prefeitura em troca de benefícios fiscais.
Mas o ônus, muitas pessoas dizem, está realmente na administração da cidade.
"Deve haver algum tipo de apoio público para garantir que a cidade não seja apenas para os muito ricos, mas para as pessoas que fazem a cidade funcionar", disse Kevin Starr, especialista em planejamento urbano na Universidade do Sul da Califórnia.
"Não se pode ter uma cidade só de pessoas ricas", disse ele. "Uma cidade precisa de funcionários nos restaurantes, de professores nas escolas, de motoristas de táxi."
Tradução: Eloise de Vylder
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