Enrique Krauze* - El Pais
24.set.2013 - Presidência do México/EFE
Com
água nas canelas, o presidente do México, Enrique Piña Nieto, abraça
moradora durante encontro com comunidades afetadas pelas tempestades
tropicais no Estado de Guerrero, em setembro
Movimentos de reforma já desencadearam muitas revoluções no México. As
propostas do presidente Enrique Peña Nieto desde sua posse em dezembro
de 2012 provavelmente não provocarão uma rebelião violenta, mas a reação
negativa a algumas delas é intensa --e promete se tornar muito mais
forte.
Em toda a história mexicana há um padrão de reforma e
conseguinte revolução. No final do século 18, os monarcas da Espanha
impuseram uma série de profundas reformas econômicas e políticas a seus
domínios na América. As medidas pretendiam reforçar o poder da coroa às
custas da igreja e de outras corporações civis que haviam acumulado
grande riqueza. A reação dos súditos americanos da Espanha,
especialmente dos "criollos" (espanhóis nascidos na América) e incluindo
religiosos e proprietários de terras agravados, cujas propriedades
foram confiscadas, foi a Guerra de Independência do México, que levou à
retirada da Espanha em 1821.Em 1857, a aprovação de uma nova Constituição e das chamadas Leis de Reforma reduziu acentuadamente os privilégios materiais e espirituais da ainda poderosa igreja, provocando uma guerra civil entre liberais e conservadores. Vinte anos depois, seguindo os preceitos do liberalismo do século 19, o ditador Porfírio Díaz abriu o México ao investimento estrangeiro e modernizou a economia. Mas suas políticas também aumentaram o sofrimento de grandes grupos da população: os camponeses cercados pela expansão das fazendas e trabalhadores explorados pelas mineradoras americanas. Os sentimentos nacionalistas e o anseio por justiça social cresceram, provocando o grande terremoto nacional que foi a Revolução Mexicana de 1910-1920, uma sonora rejeição aos valores econômicos e sociais do liberalismo.
No final da revolução, as tensões entre forças sociais e leis liberais produziram um híbrido: um poderoso Estado central que formalmente respeitava as liberdades individuais, mas organizava forças sociais em uma ordem corporativa estranhamente semelhante à do colonialismo espanhol. Esse resultado foi o segredo do longo domínio do PRI, o partido no poder de 1929 a 2000. O presidente, quase um monarca, governava o país como um sol em torno do qual circulavam sindicalistas, camponeses, burocratas e até empresários que dependiam da proteção estatal.
Apenas 20 anos atrás o México experimentou uma nova variação da combinação histórica de reforma e revolução. Alguns dias depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), entre México, Canadá e EUA (uma medida do liberalismo clássico), uma rebelião indígena irrompeu no estado meridional de Chiapas em 1º de janeiro de 1994. Seu líder, o "Subcomandante Marcos", considerava que o acordo Nafta era uma rendição do México às forças do capitalismo internacional.
Afinal, porém, o antigo modelo de governança do México não foi derrubado pelo liberalismo econômico, mas pela ascensão da democracia. Primeiro, em 2000, o presidente como monarca desapareceu de cena. A legislatura tornou-se genuinamente um órgão multipartidário e a Suprema Corte, muito mais independente. Eleições livres foram supervisionadas por uma entidade independente do governo.
Mas esses grupos de interesse que haviam há muito tempo dependido e sido controlados pela presidência não saíram de cena. Pelo contrário, tornaram-se perigosamente mais fortes, cada qual tentando garantir um lugar no centro do poder. Três das principais reformas propostas pelo governo Peña Nieto visam limitar sua influência.
A Reforma Educacional (já aprovada pelo Congresso) exige avaliações de todos os membros do enorme sindicato de professores e visa melhorar o nível dolorosamente baixo da educação pública. A Reforma das Telecomunicações (também aprovada) abre o setor para novos participantes, limitando a dominação de um punhado de companhias, e cria órgãos para supervisionar a concorrência em toda a economia. A Reforma da Energia (pendente) tenta reverter o declínio na produção de petróleo, pondo fim ao monopólio da Pemex, a companhia de petróleo estatal, permitindo que ela faça contratos com empresas privadas para a extração de petróleo e gás de xisto. Esta lei será a mais difícil de ser aprovada pelo Congresso.
Paralelamente a essas reformas liberais, o Congresso aprovou uma Reforma Fiscal com várias medidas "redistributivas" apoiadas pela esquerda, que reduzem o tratamento fiscal abertamente favorável de que gozam as grandes empresas e os grandes contribuintes políticos. E o governo Peña Nieto, em um gesto contra um surto de obesidade, aumentou o imposto sobre as vendas de comida "junk" e refrigerantes. As receitas dessas medidas irão para a criação ou expansão de programas sociais como o seguro médico universal, aposentadorias para idosos e seguro-desemprego. Mas o setor empresarial reagiu a essas medidas, questionando se a nova receita será usada com eficácia, desperdiçada em uma expansão insensata de burocracia improdutiva ou desaparecerá pelo ralo da corrupção.
Apesar de suas limitações e seus defeitos, as reformas do governo são produto de duras negociações entre os três principais partidos políticos --PRI, PAN e PRD-- que produziram um "Pacto pelo México". O acordo não tem precedentes no país e também permite a discussão de uma importante reforma política que, entre outras coisas, permitiria a reeleição de deputados do Congresso (hoje proibida pela Constituição), medida necessária e que tornaria as autoridades eleitas mais responsáveis diante da população. Sua aprovação reforçaria muito a jovem democracia mexicana.
Mas a oposição às reformas no Congresso deve ser diferenciada daquela das ruas e da mídia social, onde a rejeição à reforma da energia é enfática e a aprovação da reforma educacional está longe de unânime. Essa corrente de oposição rejeita até a legitimidade dos deputados responsáveis por aprovar ou reprovar as reformas.
Essas vozes são herdeiras da ideologia original da Revolução Mexicana, e suas crenças radicais são estadistas, corporativistas e nacionalistas. Elas rejeitam o livre mercado e afirmam, justificadamente, que os programas sociais implementados nos últimos 20 anos para combater a pobreza falharam. Para elas, o México não é uma democracia, mas uma oligarquia corrupta, dirigida por empresas sob disfarce democrático. Sua corrente ameaça irromper em desobediência civil. Seu número está nos milhões --e eles são eleitores; centenas de milhares deles poderão descer às ruas.
O México é um país dividido --especialmente sobre a Reforma Energética-- sem um consenso sobre sua futura direção. Pior, segundo uma pesquisa recente na publicação Latinobarómetro, o mexicano médio está perdendo a fé na democracia. Em 1995, 45% dos pesquisados disseram que a democracia era a melhor forma de governo; hoje só 37% concordam.
Uma casa tão dividida contra si mesma pode continuar de pé? Provavelmente sim. Mas ela cairá se não envolver todas as vozes concorrentes do país em um diálogo real para conduzir o México pela estrada para a verdadeira prosperidade e democracia.
*Enrique Krauze é historiador, diretor da revista literária "Letras Libres" e autor de "Redeemers: Ideas and Power in Latin America
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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