Helen Gao - Prospect
Adam Dean/The New York Times
Xia Yeliang, professor da Universidade de Pequim, demitido por suas críticas ao regime
No final de outubro passado, quando a notícia da demissão de um
professor universitário de Pequim surgiu em sites chineses, eu fiquei
surpresa com uma série de mensagens postadas por um amigo próximo da
época do colégio. Xia Yeliang, professor de economia da Universidade de
Pequim --vulgarmente conhecida como Beida--, perdeu o emprego após fazer
repetidos e ousados apelos por reforma política na China. Meu amigo,
que atualmente faz pós-graduação na Beida, foi aluno do professor
demitido.
"Eu não entendo por que a mídia ocidental prefere se
concentrar nas atividades políticas de Xia e não diz nada sobre a suas
habilidades acadêmicas nem sobre a sua impopularidade entre os
estudantes... a demissão dele trouxe mais benefícios do que prejuízos
para nós da Beida", escreveu meu amigo no Weibo, a popular plataforma
chinesa de mídia social.As aulas ruins e a pesquisa acadêmica de baixa qualidade foram a explicação da universidade para demitir o professor. Essas justificativas, no entanto, não conseguiram convencer nenhum jornalista estrangeiro e foram totalmente ridicularizadas pelo público chinês --mas elas foram ferozmente defendidas por alguns alunos da Beida. No Weibo, alguns rejeitaram a noção de que a demissão de Xia teve alguma coisa a ver com política.
Outros concordaram que o desligamento pode ter sido motivado pelas atividades políticas do professor, mas argumentaram que a universidade tinha, no entanto, feito a coisa certa ao demitir um professor aparentemente incompetente. "Quem é de fora se preocupa mais com a liberdade de expressão", escreveu o meu amigo, "mas quem estuda na universidade se preocupa mais com a qualidade do ambiente acadêmico" --o argumento de que Xia era realmente um mau professor continua sendo objeto de debate; certamente há alunos que o classificaram mal nas avaliações.
Na China, a Beida tem uma posição semelhante à das universidades de Oxford ou Cambridge no Reino Unido. Seus alunos têm bons motivos para desejar os melhores professores. Mas o que me preocupou enquanto eu passava os olhos pelos comentários online enviados pelos estudantes foi a falta de preocupação deles com os limites que a universidade estabeleceu para a liberdade de expressão. Até mesmo os alunos que acreditam que a política desempenhou um papel na demissão de Xia não vêm muito problema nisso.
"A liberdade de expressão sempre deve ter um limite", argumentou outro colega. "O caso de Xia não fornece nenhuma evidência em relação à falta de liberdade de expressão na Beida e, de qualquer modo, os estudantes e professores não consideram essa questão como um problema".
Isso pode ser verdade para a maioria dos estudantes da Beida, mas outros alunos que optarem por analisar as políticas relacionadas à liberdade de expressão da universidade poderão chegar a uma conclusão diferente. Xia me descreveu sua experiência de ser denunciado às autoridades escolares por "alunos-informantes", uma rede de estudantes utilizada pela universidade para monitorar as inclinações políticas de seus colegas e professores --"O principal objetivo desse sistema de alunos-informantes é garantir a estabilidade do campus e controlar o debate e a discussão de questões politicamente sensíveis", informou um relatório da CIA de 2010.
Enquanto isso, grupos de estudantes são submetidos a um exame minucioso por parte do Comitê da Liga da Juventude Comunista da Beida, e aqueles que se envolvem em atividades consideradas muito subversivas politicamente têm de enfrentar advertências e intimidações. Além disso, como se o Grande Firewall da China – que bloqueia muitos sites de redes sociais e de agências de notícias internacionais –, já não fosse suficiente para manter os alunos longe da liberdade de expressão online, a universidade também cobra uma taxa dos estudantes que desejem acessar qualquer site estrangeiro.
Os alunos reclamam desse tipo de política, mas têm se acostumado cada vez mais a ela ao longo do tempo. "Nós não acessamos sites estrangeiros, de qualquer maneira, com exceção do Gmail, talvez", vários estudantes me disseram. Outros aprenderam a racionalizar e a defender as regras da universidade. "Se um professor dá uma aula sobre o Falun Gong a seus alunos, ele deve ser autorizado a continuar lecionando?", perguntou um aluno no Weibo em relação ao caso de Xia, comparando os inflamados discursos políticos do professor ao culto espiritual proibido pelo governo chinês.
Hoje em dia, esse tipo de atitude pragmática e conservadora prevalece entre os alunos de Beida, que historicamente desempenharam um papel de liderança na reforma política da China. Nos últimos anos, os graduados da Beida têm optado por empregos bem remunerados em bancos e empresas estatais e se saído muito bem nos exames de seleção para funcionários públicos, passando a trabalhar no vasto aparato burocrático do país.
As supressão da dissidência por parte das universidades não é, talvez, a única razão para a prontidão dos alunos em aceitar a ortodoxia política. A maioria dos estudantes das universidades de elite da China vem de novas famílias de classe média que prosperaram sob o sistema atual. Ao contrário de seus pares menos privilegiados, cujos desafios diários os obrigam a fazer exigências políticas para que eles consigam melhorar sua situação, esses alunos sentem que têm pouco a ganhar, mas muito a perder, caso optem por desafiar as autoridades ou divulgar publicamente suas opiniões políticas.
Em outubro, quando a defesa por parte dos alunos da Beida da decisão da universidade de demitir Xia ganhou mais exposição, jornalistas estrangeiros tiveram sua atenção atraída para o fato. O correspondente de um jornal proeminente dos Estados Unidos perguntou se algum de meus amigos concordaria em discutir o caso durante uma entrevista. Eu pedi a vários alunos que haviam defendido ferozmente sua universidade nas mídias sociais que falassem com o repórter. Nenhum deles concordou. Depois de duas semanas de silêncio, uma de minhas amigas finalmente voltou a entrar em contato comigo.
"Eu prefiro não falar", dizia sua resposta enviada pela internet. "Eu tenho um pouco de medo de jornalistas".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário