Só receitas extraordinárias
O Estado de S.Paulo
A alta das ações da empresa e a boa acolhida da medida
pelos analistas do mercado financeiro indicam que, apesar de implicar o
reconhecimento de boa parte da dívida tributária de R$ 45 bilhões que
vinha questionando na Justiça e o pagamento imediato de praticamente R$ 6
bilhões, a decisão da Vale de aderir ao mais recente programa de
refinanciamento de débitos fiscais, o Refis, terá efeitos positivos para
a empresa.
Mas, apesar do impacto positivo sobre seu desempenho econômico e
financeiro, a decisão da gigante da mineração acentua alguns dos
aspectos mais criticados da desacreditada política fiscal do governo
Dilma. O recolhimento exigido no momento da adesão ao Refis significa
uma ajuda substancial para o governo alcançar a meta de superávit
primário. E ela chega num momento em que já ficou clara a
impossibilidade de o superávit primário ser alcançado, como deveria,
apenas com as receitas regulares do Tesouro.
Cada vez mais o governo depende de receitas extraordinárias para
cumprir a meta fiscal, já reduzida por meio da exclusão, no seu cálculo,
de determinadas despesas e da autorização para que o governo federal
não seja obrigado a cobrir a parcela que os Estados e municípios não
cumprirem.
Os valores implícitos na decisão aprovada pelo conselho de
administração da Vale - a empresa reconheceu uma dívida de R$ 22,3
bilhões, a ser paga em 180 prestações, a primeira das quais, no valor de
R$ 5,965 bilhões, vence imediatamente - impressionam. Mesmo assim, os
investidores consideraram adequada a adesão ao Refis, pois, com ela, a
Vale pagará menos da metade do valor que teria de recolher, em prazo e
condições menos favoráveis, caso perdesse a ação na Justiça.
"Foi um desconto importante no valor total da dívida", reconheceu o
presidente da empresa, Murilo Ferreira, referindo-se à redução de mais
de 50% do débito estimado na ação. Além disso, ao fazer o acerto com o
Fisco, a Vale elimina incertezas que pairavam sobre suas ações e
assustavam os investidores. E, sem precisar continuar a disputa
bilionária na Justiça, poderá concentrar-se nos seus negócios, como
observou Ferreira.
A empresa reconhece que a adesão ao Refis terá impacto estimado em R$
20,725 bilhões no lucro a ser apurado em 2013, ou seja, comprimirá o
resultado neste ano. Mas seu presidente garantiu que a Vale tem recursos
acumulados suficientes para manter sua política de dividendos. Os
pagamentos das parcelas decorrentes da renegociação serão feitos com
recursos próprios, sem necessidade de contratação de novas dívidas.
O governo, de sua parte, ansiava por um acordo desse tipo com a Vale.
Quando a presidente Dilma Rousseff sancionou o projeto que estendeu
para bancos e empresas com subsidiárias no exterior a possibilidade de
renegociação de tributos não recolhidos ou questionados na Justiça, a
estimativa da Receita era de que o novo Refis produziria arrecadação
adicional de R$ 7 bilhões a R$ 12 bilhões neste ano, com o pagamento
imediato de parte da dívida renegociada. Na reavaliação orçamentária do
quinto bimestre, a estimativa foi elevada para R$ 16 bilhões. A parcela
devida pela Vale parece ter justificado o aumento da previsão.
Com dificuldades para cumprir a meta cheia do superávit primário
deste ano, de 3,1% do PIB, e sem disposição para cortar despesas para
alcançar esse objetivo, o governo lançou mão do recurso de abater da
meta parte dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento.
Desse modo, a meta passou a ser de 2,3%, ou R$ 111 bilhões. Mesmo assim,
continuou forte o risco de a meta não ser alcançada e, para não assumir
toda a responsabilidade por seu descumprimento, o governo conseguiu
livrar-se da obrigação de cobrir aquilo que os governos dos Estados e as
prefeituras não cumprirem.
Ainda assim, o governo precisa correr atrás de receitas
extraordinárias, como os R$ 15 bilhões proporcionados pelo leilão do
campo de pré-sal de Libra e, agora, os R$ 6 bilhões da Vale e os demais
recursos que obterá com o Refis. Age como o morador da casa com goteira
que, incapaz de eliminar o problema, se limita a colocar baldes para
recolher a água.
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