Samba
do mujique doido
Maria Helena RR de Sousa - O Globo
Li aqui artigo de Mauro Santayana. Há muito não lia nada
assinado por ele, apesar de tê-lo como jornalista culto. Ponto a favor: conhecia
sua admiração por Rubem Braga. Ponto negativo: foi adido cultural do Brasil em
Roma durante o governo Collor. Mas devo dizer que, para morar em Roma, eu teria
sido adida cultural até do Lula, se é que isso existe...
Fiquei espantada ao ler a comparação que Santayana faz sobre os pensamentos e
ações de Plekhanov e Lula. Plekhanov (1856/1918) achava que, para reviravoltar a
sociedade russa, acabar com a servidão no campo e industrializar o país, era
indispensável criar uma sociedade burguesa. Dizer que Lula seguiu os mesmos
passos quando se aliou ao empresariado brasileiro para realizar sua política de
distribuição de renda, é agredir a memória do importante pensador marxista e
competir com Stanislaw Ponte Preta em um samba do mujique doido.
Quem tirou o Brasil de séculos de atraso foi Getúlio Vargas. Foi ele quem
lançou os alicerces para o desenvolvimento econômico autossustentável do nosso
país.
Basta lembrar que foi em seu governo que adotamos uma legislação trabalhista;
que então nasceu o DASP, a estrutura do serviço público brasileiro; que ele
fundou a Petrobras e a CSN, fundamentais para a industrialização do Brasil.
A Era Vargas teve duas faces: foi uma ditadura cruel e longa, mas trouxe o
Brasil dos séculos XVIII/XIX para o século XX.
Não devemos, toldados pelos episódios tenebrosos daquela longa noite do
Estado Novo, esquecer o que ele fez de positivo e dar para Lula, de bandeja, o
que é de Vargas.
Não há pois como afirmar que Lula tenha levado a efeito a 'revolução
burguesa' no Brasil, uma vez que tal processo foi capitaneado há décadas atrás
por Vargas.
O que podemos dizer é que Lula, a despeito de não raro afirmar o contrário, é
apenas um continuador da Era Vargas, ao adotar políticas que ampliam os direitos
da classe trabalhadora. Não é, portanto, um 'inovador', mas um
'continuador'.
O carisma, qualidade que Lula tem em quantidades assombrosas, e que Getúlio
também tinha, segundo Max Weber é força que permite a um líder político
galvanizar vastos setores da população. Mas é volúvel. O poder logrado através
da força carismática tende a ser de curta duração ou a cristalizar-se em novas
relações de poder e ordenamento político, passando, assim, a exercer um papel
conservador.
A chuva já cansou de chover no molhado no que se refere à glória do Lula. Ou
será que todos já se esqueceram daquele documento registrado em cartório no fim
da Era Lula, e assinado por seus fiéis auxiliares, contendo todos os magníficos
feitos de seus oito anos de governo?
Como confessou o genial amante de si mesmo: “se a Imprensa não fala bem de
mim, vou sair por aí e falar”.
Desconfio que muita gente ficou triste por não poder assinar o relambório.
Entre elas, Mauro Santayana e Bono Vox.
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