segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Réus que fazem leis 
O Estado de S.Paulo
Há 300 ações e 534 inquéritos contra políticos tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), mercê do "foro privilegiado" de que gozam. Nem todos mancham de forma indelével os seus currículos. Mas muitos representantes do povo são acusados de crimes pesados: em 36% do total há indícios fortes de delitos como lavagem de dinheiro, desvio de recursos, falsidade ideológica e até homicídio.
Dois deputados federais são obrigados a cumprir penas por delitos passados em julgado, ou seja, cujos acusados não podem mais impetrar recursos em tribunais. O deputado Natan Donadon, expulso do PMDB depois de condenado por ter desviado recursos da Assembleia Legislativa de seu Estado, Rondônia, cumpre pena no presídio da Papuda, em Brasília. O ex-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino chegou a ser preso na Papuda e agora aguarda em prisão domiciliar que seja definido o lugar onde cumprirá pena. E estão para ser presos outros dois réus do mensalão que exercem mandato legislativo federal: Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) também foi condenado, mas ainda tem um recurso em julgamento.
Apesar de sua repercussão maior, o escândalo do mensalão não é o único a levar políticos importantes ao STF. O ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA) é réu num processo que julga a acusação de ter ele desviado dinheiro do Banco do Estado do Pará (Banpará) há 29 anos. Dos 81 senadores que exercem mandato atualmente 28 têm contas a prestar à Justiça - entre eles seu próprio presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), seus dois vices, Jorge Viana (PT-AC) e Romero Jucá (PMDB-RR), e quase toda a Mesa Diretora da Casa.
Antes do mensalão, o STF condenou seis deputados: o citado Natan Donadon e mais Cássio Taniguchi (DEM-PR), Abelardo Camarinha (PSB-SP), José Gerardo (PMDB-CE), José Tatico (PMDB-GO) e Asdrúbal Bentes (PMDB-PA).
Três vezes prefeito de Marília (SP), Camarinha responde a quatro processos por uso indevido de dinheiro público nessas gestões. Sua pena de quatro meses foi substituída por multa de R$ 40 mil. Ainda assim, ele considera um "engodo" o "foro privilegiado". Pois, garantiu, "se meus processos fossem para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), eu ainda poderia recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)". Ou seja, segundo ele, o privilégio o teria privado de impetrar mais recursos, o que adiaria sua condenação.
Só que condenação nem sempre leva à prisão. Bentes foi sentenciado a três anos, um mês e dez dias de prisão por trocar cirurgias gratuitas de laqueadura de trompa por votos na campanha para prefeito de Marabá (PA) em 2004, mas a execução dessa pena nunca saiu. Este é também o caso de Tatico, condenado em 2010 por não recolher o pagamento da contribuição previdenciária de funcionários do curtume de propriedade de sua família. A defesa impetrou embargo declaratório, Tatico não é mais deputado, mas continua solto, apesar de Joaquim Barbosa ter pedido este ano sua prisão imediata.
A reportagem do Estado revelou o caso do ex-senador e atual deputado Sebastião Rocha (PDT-AP), denunciado na Operação Pororoca pela PF em 2004 de participação num esquema que teria desviado R$ 103 milhões de recursos federais no Amapá. Tendo aparecido preso e algemado na TV na ocasião, ele, atualmente em gozo de liberdade, acusa: "Agora, no caso do mensalão, o PT reclama da exposição de seus condenados. Mas foi Márcio Thomaz Bastos, na época ministro da Justiça, que mandou a PF me algemar. Foi o PT quem inventou essa história de algemas para expor as pessoas no Brasil".
Com algemas ou sem, a dura realidade é que pesam contra elevado número de deputados federais e senadores brasileiros evidências de delinquência no exercício de seus mandatos. É, para dizer o mínimo, esdrúxulo haver réus debatendo e votando leis. E o pouco que se vê é algum parlamentar punido pelos crimes de que é acusado e não raramente fica comprovado que os praticou.

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