domingo, 14 de abril de 2013

ANÁLISE: europeus estão certos em ter raiva de Merkel
Christoph Schwennicke - Der Spiegel
AP Photo/Petros Karadjias

Foto desfigurada da chanceler alemã, Angela Merkel, é posta em chamas durante protesto de bancários no Chipre
Foto desfigurada da chanceler alemã, Angela Merkel, é posta em chamas durante protesto de bancários no Chipre
A chanceler Angela Merkel tem insistido obstinadamente que as medidas de austeridade são a única maneira para que os países em dificuldades financeiras da União Europeia (UE) consigam sair da crise. Mas ela não pratica o que prega dentro da Alemanha, o que torna compreensível a crescente raiva da qual a chanceler tem sido alvo.
Comenta-se que Merkel ficou bastante assustada ao saber que paparazzi a perseguiram durante seu recente descanso de Páscoa, na ilha italiana de Ischia, e divulgaram fotos reveladoras de sua família estendida – que incluía os filhos de seus enteados. Mas ela deveria ficar feliz em ser perseguida apenas pelos paparazzi, e não por um bando de italianos enfurecidos.
Atualmente, Merkel detém o título de figura mais odiada na Europa fora de sua Alemanha natal. Ela é vista como a mulher que detém o chicote, a "dominatrix" da Alemanha, aquela que pratica bullying contra todos os países em dificuldades financeiras da zona do euro para que eles aceitem suas duras medidas de austeridade. Ela os obriga a apertar o cinto para que não incorram no risco de entrar em um colapso social e econômico – e, às vezes, ela vai além. Merkel obrigou a Grécia e o Chipre a aceitarem a adoção de medidas extremas – embora nem isso seja capaz de lhes garantir o perdão por sua ineficiência e conduta financeira sem escrúpulos. Na verdade, essas duras medidas fazem as dolorosas reformas implantadas nas áreas de benefícios sociais e mercado de trabalho da Alemanha, batizadas de Agenda 2010, e introduzidas pelo chanceler Gerhard Schröder há uma década parecerem um programa de bem-estar social. Se Merkel obrigasse os alemães a passar pelo tipo de medidas que ela tem exigido do restante da Europa, eles também tomariam as ruas e colocariam fogo em pilhas de pneus.
Ainda assim, é inútil tomar partido na disputa sobre se as medidas de austeridade de Merkel constituem a política correta. Talvez aqueles que criticam fervorosamente o que eles consideram como políticas de empobrecimento da Europa estejam certos, como o vencedor do Prêmio Nobel e colunista do New York Times, Paul Krugman. Mas, talvez, os conselheiros que têm recomendado esse tipo de medida a Merkel também estejam certos.

A chanceler que diz uma coisa e faz outra

No entanto, não é necessário ter um Prêmio Nobel de Economia ou ser um dos assessores da chanceler. Basta analisar as políticas adotadas por Merkel na Alemanha para reconhecer que alguma coisa não está certa. A chanceler diz uma coisa e faz outra e usa dois pesos e duas medidas. Apesar de exigir que o restante dos europeus se vire com o mínimo necessário, ela quer que o seu próprio povo tenha do bom e do melhor – que eles possam comer o bolo e, ao mesmo tempo, que o bolo permaneça intocado.  
O primeiro exemplo é a forma como Merkel trata os poupadores. Em uma noite do início de outubro de 2008, quando a crise financeira estava prestes a varrer a Alemanha, a chanceler Merkel se postou diante das câmeras com Peer Steinbrück, então seu ministro da Fazenda, e declarou que as contas-poupança dos alemães estavam a salvo. É claro que até mesmo Thomas de Maizière, então chefe de gabinete de Merkel e atual ministro da Defesa, reconheceu que essa garantia não tinha nenhum fundamento real. Mas a mensagem era e continua a ser a mesma: nós não vamos tocar nas poupanças dos cidadãos alemães, não importa o que acontecer.
Mas a situação é completamente diferente quando se trata de Chipre. Lá, Merkel e Wolfgang Schäuble, seu atual ministro da Fazenda, estão entre aqueles que inicialmente queriam envolver os pequenos poupadores no acordo para socorrer os bancos do país. Por fim, eles se contentaram em envolver apenas os correntistas com depósitos superiores a 100 mil euros (ou US$ 130 mil). É claro que Merkel e Schäuble contestam as acusações de que eles foram as forças motrizes por trás dos esforços de abocanhar o dinheiro dos correntistas detentores de depósitos menores. Mas duas coisas testemunham contra essa afirmação: primeiro, não há nenhuma prova escrita da oposição de Merkel e Schäuble a tal medida. E, segundo, é absolutamente inconcebível que uma medida chegasse tão perto de ser acordada sem o apoio do governo alemão.

Abundância de estímulo na Alemanha

O segundo exemplo é a forma como Merkel lida com os programas de estímulo econômico. Na esteira do colapso do Lehman Brothers, quando a crise financeira também estava ameaçando a Alemanha, Merkel abriu generosamente os cofres do país. Ela destinou 1,5 bilhão de euros a um programa de bônus para a troca de carros velhos por novos para impedir que as montadoras alemãs, que constituem o principal setor da economia da Alemanha, se atolassem na crise. Mais de meio milhão de carros usados foram enviados para o desmanche, e 600 mil carros novos foram comprados pelos alemães – cada um deles subsidiados por 2.500 euros provenientes de fundos governamentais. É certo que o excesso de carros vendidos nesse período provocou a saturação do mercado que tem sido motivo de preocupação para as montadoras alemãs. Mas, mesmo assim, a medida se mostrou um sucesso.
Ao mesmo tempo, o governo de Merkel lançou um programa de estímulo econômico de 50 bilhões de euros para investimentos em estradas, edifícios e, aparentemente, em tudo o mais que se possa imaginar. Ainda hoje, novas escolas que devem sua existência a esse pacote de ajuda estão em construção e continuam mantendo os empreiteiros alemães bem alimentados.
Mas quando se trata dos vizinhos sofredores da Alemanha, Angela Merkel se opõe veementemente ao uso de estímulos econômicos. Na opinião dela, esses países precisam cortar na própria carne, reduzir os serviços públicos e, é claro, abster-se de conceder a qualquer setor produtivo o tipo de acordo confortável que seu governo tem dado aos setores automotivo e de hospitalidade da Alemanha, por exemplo.
Raiva justificada

A questão não é saber se Krugman está certo quando ele rotula obsessivamente Merkel "estúpida" e escreve que "altos funcionários alemães estão vivendo em um Wolkenkuckucksheim – ou seja, em um mundo utópico. Muitas críticas feitas por parte de indivíduos proeminentes, às vezes, podem indicar apenas o quão corretas são as políticas adotadas. Por outro lado, a capa do semanário britânico The Economist de junho passado não tinha nada de ilusória ou enganosa – pelo contrário: ela foi uma das melhores capas de revista dos últimos anos. Nela, um navio-tanque batizado de "A Economia Mundial" aparecia afundando no oceano. Da embarcação saía um balãozinho (como aqueles das historias em quadrinhos) com a pergunta: "Por favor, podemos ligar os motores agora, senhora Merkel?"
Não, não são os sabichões estrangeiros que levantam esse tipo de dúvida. São as próprias políticas de Merkel na Alemanha que provam o erro das medidas que ela defende para as economias em dificuldades do sul da Europa – e que alimentam a suspeita de que a raiva direcionada à capataz alemã é inteiramente justificada.
Christoph Schwennicke é editor-chefe da revista política alemã "Cicero".
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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