sexta-feira, 24 de maio de 2013

Apesar dos riscos, BM&FBovespa corteja operadores de milésimos de segundo
Dan Horch e Nathaniel Popper - NYT
Shin Shikuma/UOL

Fachado do prédio da Bovespa, no centro de São Paulo
Fachada do prédio da Bovespa, no centro de São Paulo
Apesar de, atualmente, a mera expressão "negociação de alta frequência" deixar alguns investidores enjoados, a bolsa de valores do Brasil está estendendo o tapete digital de boas-vindas para esse tipo de transação. [Nota: Negociações de alta frequência são transações de valores mobiliários realizadas com o auxílio de algoritmos de computador e ferramentas tecnológicas sofisticadas. Dessa forma, os papéis são negociados de forma super-rápida, em apenas alguns segundos ou frações de segundo.]
Nos últimos anos, a BM&FBovespa, de São Paulo, adotou medidas para tornar seu mercado mais atraente aos operadores que negociam papéis em alta velocidade, apesar de várias autoridades reguladoras do mundo todo estarem lançando um olhar cada dia mais cético sobre o setor, após uma série de falhas divulgadas amplamente pelos meios de comunicação terem ocorrido nos mercados dos Estados Unidos.
Legisladores de Canadá, Austrália e União Europeia têm estudado a adoção de limites para esses operadores, cujos prazos para a realização de investimentos são medidos em milésimos de segundo, em vez de meses.
"Considerando-se a atenção dada aos operadores de alta frequência e o discurso político relacionado aos riscos que eles representam, as bolsas estão se sentindo muito reticentes em se mostrarem agressivas para promover e atrair negociações de alta frequência", disse Andy Nybo, analista do Grupo Tabb.
Mas, no Brasil – assim como em outras economias em desenvolvimento, como o Chile e o México –, as bolsas de valores estão cortejando ativamente os operadores de alta frequência sem enfrentar muita resistência de suas autoridades reguladoras. A vantagem é que esses operadores são capazes de executar milhares de negociações por segundo, gerando grandes comissões para as bolsas.
A BM&FBovespa, que fechou seu pregão viva-voz em 2009 e o substituiu por um sistema de negociação eletrônico, está ampliando seus esforços para apoiar as negociações computadorizadas. No mês passado, a bolsa de valores do Brasil lançou um novo e ultrarrápido sistema informatizado, conhecido como Puma, que permite aos operadores de alta frequência entrarem e saírem de negociações mais rapidamente. Desde outubro de 2010, a bolsa brasileira vem oferecendo descontos para esses operadores.
A BM&FBovespa é "muito aberta sobre o que pretende fazer. Eles realmente têm sido agressivos em acolher todos os tipos de estratégias", disse Nybo.
As ações da bolsa brasileira têm valor total de US$ 1,2 trilhão, mas o volume médio diário negociado pelo mercado fica em aproximadamente US$ 3,7 bilhões apenas. Nos Estados Unidos, uma única ação importante, como a da Apple, é capaz de movimentar mais do que esse valor por dia.
Os volumes comparativamente baixos negociados pelo mercado brasileiro são, em parte, reflexo da participação relativamente limitada dos operadores de alta frequência, que ainda representam apenas cerca de 10,6% de todas as negociações de ações realizadas no Brasil. Apesar desse percentual ser superior aos 8,5% registrados em 2012, ele ainda representa uma fração da presença desse tipo de negociação em outros grandes mercados mundiais. Nos Estados Unidos, essas corretoras de alta frequência dominam a maior parte das negociações e, na Europa, elas são responsáveis por cerca de 45% das transações, de acordo com a Celent, empresa de pesquisa e consultoria.
Os esforços da bolsa brasileira parecem ser uma jogada arriscada para muitos críticos da aceleração dos mercados norte-americanos na última década. Os operadores de alta frequência foram acusados de utilizar a tecnologia para alterar os preços das ações em proveito próprio e enganar os investidores tradicionais. Eles também levaram parte da culpa pelos reveses do mercado, como o "flash crash" (crash relâmpago) de maio de 2010, quando os índices de ações caíram quase 10% em menos de meia hora.
Wallace C. Turbeville, membro sênior da Demos, empresa de pesquisa de Nova York, disse que a maioria das ofertas feitas por corretoras que trabalham com negociações de alta frequência são "ilusórias": ou seja, elas não existem para ser executadas, mas sim para avaliar, distorcer e explorar o estado de espírito do mercado, aumentando a volatilidade e os preços para outros investidores.
Os executivos brasileiros acreditam que têm sido capazes de evitar problemas por meio do cumprimento de normas regulatórias rigorosas. Eles também estão tentando evitar a implantação de muitos dos outros avanços tecnológicos que têm complicado as operações nos mercados norte-americano e europeu. O Brasil, por exemplo, proibiu os "dark pools", espaços privados nos quais as negociações podem ser executadas longe dos olhos do público.
E, ao contrário dos Estados Unidos, que tem 13 bolsas de valores públicas, a BM&FBovespa continua sendo o único mercado para a negociação de ações no Brasil.
Cícero Vieira, diretor de operações da BM&FBovespa, disse que a disponibilidade de um único ambiente de negociação significa que as corretoras eletrônicas têm menos oportunidade para realizar arbitragem – ou seja, vender simultaneamente a um preço alto em um lugar e comprar a uma cotação baixa em outro –, o que deve impedir que as negociações de alta frequência cresçam e alcancem mais de 20% do volume total negociado pela bolsa.
"Quando se trata de operadores de alta frequência, não existe risco zero", disse Vieira. "Nossa filosofia é restringir o impacto dos erros".
Danielle Tierney, analista do Aite Group, empresa de consultoria financeira de Boston, disse que as duras normas regulatórias vigente no mercado brasileiro, que incluem a proibição de transações anônimas, e sua estrutura de mercado mais descomplicada ajudaram a evitar os problemas que têm levado os mercados norte-americanos a serem submetidos a um rigoroso escrutínio.
"Os controles de risco sempre podem falhar, mas em comparação com a posição em que estávamos nos EUA em 2010, o Brasil está muito mais bem preparado", disse ela. Danielle acrescentou que ter uma única bolsa de valores com um baixo volume de negociações também facilita a detecção de problemas.
Até o momento, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autoridade reguladora brasileira, tem deixado as normas que regem as negociações de alta frequência nas mãos da própria BM&FBovespa, mas está observando o segmento de perto.
Para a BM&FBovespa, o esforço para atrair operadores de alta frequência é uma maneira de impedir a entrada de concorrentes. A Direct Edge, bolsa de valores norte-americana que possui laços estreitos com mesas de negociação eletrônica, solicitou autorização para operar no Brasil, mas a aprovação não deve sair antes de 2015. Nos Estados Unidos e na Europa, novas bolsas cresceram e ganharam participação de mercado por serem mais amistosas com os operadores de alta frequência.
A BM&FBovespa também está ansiosa em obter os benefícios que as negociações eletrônicas têm trazido para os Estados Unidos. Diversos estudos acadêmicos sugerem que a concorrência entre as corretoras tem gerado diferenças menores no spread dos preços que os operadores estão dispostos a pagar pela compra e venda de ações, o que torna as negociações mais baratas para os investidores mais lentos.
"Isso vai aumentar a liquidez e reduzir os spreads e as distorções", disse Vieira.
O Brasil tem constantemente tornado seus sistemas mais hospitaleiros para as corretoras de alta frequência. Em 2009, a BM&FBovespa se abriu para as corretoras mais informatizadas ao criar um centro de dados que permitiu a essas firmas posicionarem seus servidores a poucos metros do servidor da própria bolsa, reduzindo a demora associada à transmissão de dados através de cabos de fibra óptica.
Chris Concannon, um dos sócios da corretora eletrônica Virtu Financial, de Nova York, disse que a bolsa brasileira trabalhou "muito duro para incentivar a entrada de novos participantes em seu mercado, tanto o eletrônico quanto o tradicional".
Mas a bolsa brasileira se deparou com os limites de seus próprios computadores. O novo sistema Puma reduz o tempo necessário para a execução de ordens de compra a aproximadamente um único milésimo de segundo, contra os 30 milésimos de segundo anteriores, aumentando a estabilidade e capacidade do sistema de negociação. A nova tecnologia foi desenvolvida em conjunto com o maior mercado de futuros dos Estados Unidos, a Chicago Mercantile Exchange (a CME, ou Bolsa Mercantil de Chicago). A BM&FBovespa e a CME detêm 5% de participação acionária mútua. Danielle estima que sistema Puma custou, no mínimo, US$ 200 milhões e, no máximo, US$ 500 milhões.
A nova tecnologia está disponível desde 2011 para os operadores dos mercados de derivativos do Brasil, nos quais a BM&FBovespa também atua, e está programada para incluir o mercado de títulos (bonds) no início do ano que vem.
Concannon disse que já havia notado uma "melhora substancial no desempenho da bolsa com essas atualizações".
A ânsia das corretoras de alta frequência em entrar Brasil aponta para a busca de novos mercados por parte dessas firmas, num momento em que elas experimentam dificuldades para manter seus lucros no altamente competitivo mercado norte-americano. Até o momento, a maior parte das negociações de alta frequência tem se originado em empresas de fora do Brasil, como a Virtu. Os corretores brasileiros têm abocanhado parte desses negócios e, consequentemente, estão dando as boas-vindas aos avanços.
No entanto, ainda existem aqueles que veem com cautela essas iniciativas. Felipe Santos, responsável pela corretagem eletrônica na administradora de fundos Equitas Investimentos, de São Paulo, diz que, apesar de as negociações de alta frequência facilitarem a compra e a venda de ações de grandes empresas para todos, especialmente dos papéis das companhias de maior porte, essas transações têm seus limites. "Você não pode criar volume a partir do nada", disse ele. "São necessários investidores reais também".
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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