Andrew Higgins - NYT
Eva Bromster, diretora de uma escola de ensino fundamental, foi acordada subitamente por um telefonema tarde da noite de quinta-feira (23). "Sua escola está pegando fogo", disse o chefe dela, diretor do departamento de educação local.
Eva Bromster, diretora de uma escola de ensino fundamental, foi acordada subitamente por um telefonema tarde da noite de quinta-feira (23). "Sua escola está pegando fogo", disse o chefe dela, diretor do departamento de educação local.
Bromster correu para a escola, no distrito de maioria imigrante de Tensta, ao norte de Estocolmo, e encontrou uma sala destruída pelo fogo e outra cheia de água até o tornozelo, depois que os bombeiros apagaram as chamas. Foi o segundo incêndio na escola em três dias.
Em Estocolmo e outras cidades na semana passada, bandos compostos na maior parte por jovens imigrantes incendiaram prédios e carros em uma onda de revolta destrutiva raramente vista em um país orgulhoso de sua sociedade normalmente tranquila e cumpridora da lei.
Os distúrbios, que fizeram lembrar as erupções urbanas na França em 2005 e no Reino Unido em 2011, levaram a Suécia para o centro de um debate acalorado em toda a Europa sobre a imigração e as tensões que causa, em uma época de profundo mal-estar econômico.
Os confrontos, que estão arrefecendo, produziram menos danos do que os anteriores em Paris e Londres, que também envolveram imigrantes. Mas a inquietação abalou a Suécia, que tem uma reputação de receber bem imigrantes e asilados, inclusive fugitivos da violência em países como Iraque, Somália e Síria, e regularmente é classificada em pesquisas como um dos lugares mais felizes do mundo.
"Não conheço ninguém que pudesse querer queimar nossa escola", disse Bromster. "Não posso compreender. Talvez não estejam tão satisfeitos com a vida".
Os confrontos não são novos aqui. Em 2008 e 2010, os imigrantes confrontaram a polícia na cidade portuária de Malmo, no Sul. Mas os ataques incendiários da semana passada em Estocolmo, a capital, e o espetáculo de adolescentes jogando pedras nos bombeiros deixaram muitos suecos se perguntando o que deu de errado em uma sociedade que investiu tão pesadamente para ajudar os menos privilegiados.
A violência se concentrou em bairros relativamente pobres, entretanto, a maior parte de seus moradores foi protegida contra a pobreza por um sistema de bem-estar social que é um dos maiores do mundo, apesar dos recentes cortes.
O primeiro-ministro de centro-direita da Suécia, Fredrik Reinfeldt, ridicularizou os confrontos chamando-os de "hooliganismo", enquanto membros do Partido Democrata sueco, de extrema-direita, aproveitaram-se da violência para promover sua postura anti-imigração e pediram a deportação dos suecos não nativos que descumpram a lei. "Esta não é apenas uma questão de polícia", disse Jimmie Akesson, líder do partido, mas "um resultado direto de uma política de imigração irresponsável que criou profundas rachaduras na sociedade sueca".
A esquerda, que dominou a política sueca por décadas e criou um sistema de bem-estar que vai do berço ao túmulo, culpou a redução dos benefícios do Estado e a modesta privatização dos serviços públicos pela inquietação, apontando para uma erosão da disposição moral igualitária e tolerante do país. Um relatório recente da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico revelou que a desigualdade de renda cresceu mais rapidamente na Suécia do que em qualquer outra nação industrializada entre 1985 e o final da última década, apesar de ainda ser muito mais igual do que a maior parte dos países.
"Os ricos estão ficando mais ricos, e os pobres, mas pobres", disse Barbro Sorman, ativista do Partido de Esquerda, da oposição. "A Suécia está começando a parecer-se com os EUA".
Mas os enclaves de imigrantes de Estocolmo, inclusive Tensta e o subúrbio próximo de Husby, onde os confrontos começaram no dia 19 de maio depois que a polícia matou um imigrante de 69 anos que segurava uma faca, mostram poucos sinais de privação.
Criados nos anos 60 como parte de um esforço público de construção para construir um milhão de novas moradias em uma década, os subúrbios do Norte de Estocolmo agora oferecem parques bem cuidados, moradias públicas sem graça, mas bem mantidas, escolas equipadas, centros para jovens, livrarias e legiões de assistentes sociais financiadas pelo Estado.
Dejan Stankovic nasceu na Sérvia e administra uma equipe de jovens trabalhadores do governo que se uniu aos pais e outros voluntários em patrulhas noturnas pelas ruas. Ele se lembra quando um grupo de assistentes sociais visitou área e ficou absolutamente intrigado. "Eles disseram: 'É verde e seguro, então qual é o problema?'"
Um grande problema é a falta de emprego. O desemprego nacional está em cerca de 8%, mas esse índice dobra nas regiões de imigrantes e é quatro vezes maior entre os que têm menos de 25. Entretanto, em regiões remotas no Norte da Suécia há mais pessoas desempregadas, "mas não estão jogando pedras nem queimando carros", disse Nima Sanandaji, autora curdo-sueca de vários livros sobre imigração que nasceu no Irã.
Stankovic disse ser simpático às reclamações dos imigrantes sobre a discriminação no mercado de trabalho. Mas ele acrescentou que muitos que buscam emprego, particularmente os jovens, têm demandas pouco realistas e esperam que o Estado encontre trabalho para eles em seus próprios bairros. "Há muitas pessoas entre 20 e 22 anos que dizem: 'Eu quero trabalhar, quero agora e quero ficar aqui'", disse ele. "Isso é problema deles, mas se torna um problema do governo".
Gabriel Bersham, aluno do ensino médio de 17 anos, nascido no Iraque, disse: "Os jovens queriam ser ouvidos, mas eram ignorados. Agora o que dizem está sendo ouvido". Mas queimar carros "é estúpido e triste", disse ele.
A raiva de jovens imigrantes espanta e alarma os mais velhos em suas comunidades. Depois que a tropa de choque foi tirada das ruas no final da semana passada, os imigrantes mais velhos montaram seu próprio esforço para aliviar as tensões. "Não há justificativa para essa violência", disse Abdullah Ahmed, professor que emigrou da Somália há 23 anos e hoje passa suas noites caminhando pelas ruas em busca de possíveis perturbadores da ordem.
O esforço parece estar funcionando. Pelo menos em Estocolmo onde poucos carros foram incinerados no final de semana, depois de ter registrado 50 incêndios na última terça-feira. Na noite de sábado (25), as ruas de Husby estavam silenciosas, e os jovens se reuniram para assistir à final da Champions League em um telão montado na estação de metrô.
Entre os imigrantes, existe um grande vão geracional em relação à noção da vida na Suécia. "Nossos pais dizem que devíamos ser agradecidos", disse Rami al-Khamisi, jovem ativista de Husby cuja família mudou-se para cá do Iraque. "Eles se sentem agradecidos porque passaram por guerras. Mas quem nasceu aqui não têm outra referência para poder comparar sua vida".
Husby, "parece bom de fora, mas por dentro não é legal", disse Khamisi. Aluno de direito na Universidade de Estocolmo que não entrou nos confrontos, Khamisi admitiu que a Suécia lhe deu "oportunidades que não tinha no Iraque", mas afirmou: "Não sou tratado da mesma forma que um cara branco".
"Sinto a discriminação o tempo todo", disse ele.
A recente violência foi um impulso para os Democratas da Suécia, partido que combate a imigração. As pesquisas de opinião sugerem que o partido está ganhando popularidade, em parte por causa da indignação que muitos suecos sentem por serem chamados de racistas, depois de aceitarem tantos refugiados. Imigrantes e filhos de imigrantes perfazem cerca de 15% da população e, no ano passado, a Suécia quase dobrou o número de asilos concedidos e tornou-se o principal destino europeu para refugiados da Síria.
Bromster, diretora da escola cujos 325 alunos são de origem imigrante, disse que não se pode esperar que as famílias "que escaparam de guerras terríveis no Iraque a na Síria" se adaptem facilmente a um ambiente inteiramente estranho. "Elas não conseguem trabalho e se sentem excluídas da sociedade", disse ela.
Já Michael Lundh, ex-policial, disse que "os suecos comuns estão diante de seus televisores e estão ficando muito revoltados com as cenas dos imigrantes jogando pedras". Lundh, que trabalhou por anos na organização de combate ao racismo montada por Stieg Larsson, autor de "A Garota com a Tatuagem de Dragão", disse: "Também estou revoltado, mas esta é a única forma pela qual conseguem chamar a atenção dos políticos e da mídia".
Lundh, que visitou áreas afetadas pelos confrontos na semana passada, disse que, apesar de ter extensa experiência em distritos relativamente pobres, "não tinha consciência que tantos jovens odeiam a polícia" e a consideram racista.
"A polícia está com medo, e os jovens estão com medo", disse ele. "Quando pessoas com medo se encontram, só dá problema".
Tradução: Deborah Weinberg
Em Estocolmo e outras cidades na semana passada, bandos compostos na maior parte por jovens imigrantes incendiaram prédios e carros em uma onda de revolta destrutiva raramente vista em um país orgulhoso de sua sociedade normalmente tranquila e cumpridora da lei.
Os distúrbios, que fizeram lembrar as erupções urbanas na França em 2005 e no Reino Unido em 2011, levaram a Suécia para o centro de um debate acalorado em toda a Europa sobre a imigração e as tensões que causa, em uma época de profundo mal-estar econômico.
Os confrontos, que estão arrefecendo, produziram menos danos do que os anteriores em Paris e Londres, que também envolveram imigrantes. Mas a inquietação abalou a Suécia, que tem uma reputação de receber bem imigrantes e asilados, inclusive fugitivos da violência em países como Iraque, Somália e Síria, e regularmente é classificada em pesquisas como um dos lugares mais felizes do mundo.
"Não conheço ninguém que pudesse querer queimar nossa escola", disse Bromster. "Não posso compreender. Talvez não estejam tão satisfeitos com a vida".
Os confrontos não são novos aqui. Em 2008 e 2010, os imigrantes confrontaram a polícia na cidade portuária de Malmo, no Sul. Mas os ataques incendiários da semana passada em Estocolmo, a capital, e o espetáculo de adolescentes jogando pedras nos bombeiros deixaram muitos suecos se perguntando o que deu de errado em uma sociedade que investiu tão pesadamente para ajudar os menos privilegiados.
A violência se concentrou em bairros relativamente pobres, entretanto, a maior parte de seus moradores foi protegida contra a pobreza por um sistema de bem-estar social que é um dos maiores do mundo, apesar dos recentes cortes.
O primeiro-ministro de centro-direita da Suécia, Fredrik Reinfeldt, ridicularizou os confrontos chamando-os de "hooliganismo", enquanto membros do Partido Democrata sueco, de extrema-direita, aproveitaram-se da violência para promover sua postura anti-imigração e pediram a deportação dos suecos não nativos que descumpram a lei. "Esta não é apenas uma questão de polícia", disse Jimmie Akesson, líder do partido, mas "um resultado direto de uma política de imigração irresponsável que criou profundas rachaduras na sociedade sueca".
A esquerda, que dominou a política sueca por décadas e criou um sistema de bem-estar que vai do berço ao túmulo, culpou a redução dos benefícios do Estado e a modesta privatização dos serviços públicos pela inquietação, apontando para uma erosão da disposição moral igualitária e tolerante do país. Um relatório recente da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico revelou que a desigualdade de renda cresceu mais rapidamente na Suécia do que em qualquer outra nação industrializada entre 1985 e o final da última década, apesar de ainda ser muito mais igual do que a maior parte dos países.
"Os ricos estão ficando mais ricos, e os pobres, mas pobres", disse Barbro Sorman, ativista do Partido de Esquerda, da oposição. "A Suécia está começando a parecer-se com os EUA".
Mas os enclaves de imigrantes de Estocolmo, inclusive Tensta e o subúrbio próximo de Husby, onde os confrontos começaram no dia 19 de maio depois que a polícia matou um imigrante de 69 anos que segurava uma faca, mostram poucos sinais de privação.
Criados nos anos 60 como parte de um esforço público de construção para construir um milhão de novas moradias em uma década, os subúrbios do Norte de Estocolmo agora oferecem parques bem cuidados, moradias públicas sem graça, mas bem mantidas, escolas equipadas, centros para jovens, livrarias e legiões de assistentes sociais financiadas pelo Estado.
Dejan Stankovic nasceu na Sérvia e administra uma equipe de jovens trabalhadores do governo que se uniu aos pais e outros voluntários em patrulhas noturnas pelas ruas. Ele se lembra quando um grupo de assistentes sociais visitou área e ficou absolutamente intrigado. "Eles disseram: 'É verde e seguro, então qual é o problema?'"
Um grande problema é a falta de emprego. O desemprego nacional está em cerca de 8%, mas esse índice dobra nas regiões de imigrantes e é quatro vezes maior entre os que têm menos de 25. Entretanto, em regiões remotas no Norte da Suécia há mais pessoas desempregadas, "mas não estão jogando pedras nem queimando carros", disse Nima Sanandaji, autora curdo-sueca de vários livros sobre imigração que nasceu no Irã.
Stankovic disse ser simpático às reclamações dos imigrantes sobre a discriminação no mercado de trabalho. Mas ele acrescentou que muitos que buscam emprego, particularmente os jovens, têm demandas pouco realistas e esperam que o Estado encontre trabalho para eles em seus próprios bairros. "Há muitas pessoas entre 20 e 22 anos que dizem: 'Eu quero trabalhar, quero agora e quero ficar aqui'", disse ele. "Isso é problema deles, mas se torna um problema do governo".
Gabriel Bersham, aluno do ensino médio de 17 anos, nascido no Iraque, disse: "Os jovens queriam ser ouvidos, mas eram ignorados. Agora o que dizem está sendo ouvido". Mas queimar carros "é estúpido e triste", disse ele.
A raiva de jovens imigrantes espanta e alarma os mais velhos em suas comunidades. Depois que a tropa de choque foi tirada das ruas no final da semana passada, os imigrantes mais velhos montaram seu próprio esforço para aliviar as tensões. "Não há justificativa para essa violência", disse Abdullah Ahmed, professor que emigrou da Somália há 23 anos e hoje passa suas noites caminhando pelas ruas em busca de possíveis perturbadores da ordem.
O esforço parece estar funcionando. Pelo menos em Estocolmo onde poucos carros foram incinerados no final de semana, depois de ter registrado 50 incêndios na última terça-feira. Na noite de sábado (25), as ruas de Husby estavam silenciosas, e os jovens se reuniram para assistir à final da Champions League em um telão montado na estação de metrô.
Entre os imigrantes, existe um grande vão geracional em relação à noção da vida na Suécia. "Nossos pais dizem que devíamos ser agradecidos", disse Rami al-Khamisi, jovem ativista de Husby cuja família mudou-se para cá do Iraque. "Eles se sentem agradecidos porque passaram por guerras. Mas quem nasceu aqui não têm outra referência para poder comparar sua vida".
Husby, "parece bom de fora, mas por dentro não é legal", disse Khamisi. Aluno de direito na Universidade de Estocolmo que não entrou nos confrontos, Khamisi admitiu que a Suécia lhe deu "oportunidades que não tinha no Iraque", mas afirmou: "Não sou tratado da mesma forma que um cara branco".
"Sinto a discriminação o tempo todo", disse ele.
A recente violência foi um impulso para os Democratas da Suécia, partido que combate a imigração. As pesquisas de opinião sugerem que o partido está ganhando popularidade, em parte por causa da indignação que muitos suecos sentem por serem chamados de racistas, depois de aceitarem tantos refugiados. Imigrantes e filhos de imigrantes perfazem cerca de 15% da população e, no ano passado, a Suécia quase dobrou o número de asilos concedidos e tornou-se o principal destino europeu para refugiados da Síria.
Bromster, diretora da escola cujos 325 alunos são de origem imigrante, disse que não se pode esperar que as famílias "que escaparam de guerras terríveis no Iraque a na Síria" se adaptem facilmente a um ambiente inteiramente estranho. "Elas não conseguem trabalho e se sentem excluídas da sociedade", disse ela.
Já Michael Lundh, ex-policial, disse que "os suecos comuns estão diante de seus televisores e estão ficando muito revoltados com as cenas dos imigrantes jogando pedras". Lundh, que trabalhou por anos na organização de combate ao racismo montada por Stieg Larsson, autor de "A Garota com a Tatuagem de Dragão", disse: "Também estou revoltado, mas esta é a única forma pela qual conseguem chamar a atenção dos políticos e da mídia".
Lundh, que visitou áreas afetadas pelos confrontos na semana passada, disse que, apesar de ter extensa experiência em distritos relativamente pobres, "não tinha consciência que tantos jovens odeiam a polícia" e a consideram racista.
"A polícia está com medo, e os jovens estão com medo", disse ele. "Quando pessoas com medo se encontram, só dá problema".
Tradução: Deborah Weinberg
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