Reinaldo Azevedo - VEJA
O que há em comum entre os ianomâmis, os bororos e os xavantes? Resposta: nada! São índios, mas nada os une. “Ah, pertencem ao mesmo tronco linguístico macro-jê”. Claro, claro… Nós e os iranianos temos o indo-europeu como raiz comum, não é mesmo? Não existe uma “cultura indígena”. Isso é invenção do cretinismo antropológico. Da mesma sorte, perguntem à África o que seria uma “cultura negra”… Os tutsis e hutus rejeitarão brutalmente essa reunião de desigualdades, e rejeitam, diga-se, cortando uns as pernas dos outros. O que une os brancos brasileiros aos brancos da Bulgária? Só a Dilma Rousseff… Não existe também uma cultura branca.
Esse negócio de “Mama África”, de cultura negra, de cultura indígena, de cultura sei lá o quê… É tudo, como dizia meu pai, “meio de vida”, uma forma de enganar os trouxas e, com frequência, de bater a carteira dos desavisados. Existem, e com muita boa vontade e largueza teórica, alguns traços gerais que podem, em razão da unidade linguística, da unidade territorial, da unidade política, constituir, depois de algum tempo, a “cultura de um país”. Mesmo assim, toda a graça está na diferença dos que supostamente são iguais.
Numa mesma cidade, há diferenças de valores, de hábitos, de recortes, a depender dos grupos que são mais ou menos influentes, mais ou menos capazes de impor a sua visão de mundo como uma referência. O acento da fala da Zona Sul do Rio não é o mesmo da Zona Norte, como o da Zona Leste de São Paulo se distingue do da Zona Oeste. E, por óbvio, os indivíduos, dentro dessas áreas, se unem em grupos distintos, que não se sentem representados por aqueles que são considerados representantes “típicos” da região. Será que os milhões de moradores da Zona Leste da capital paulista se sentem representados pelo rap? Isso é uma tolice, uma forçação de barra, um preconceito! Então ninguém lê Camões em Guaianases? Vão se danar os mistificadores!
Por isso é uma ideia estúpida, discriminatória já na origem, essa história de o Ministério da Cultura promover um “Prêmio Funarte de Arte Negra”. A razão é simples: também não existe uma “arte negra”, mas uma arte eventualmente feita por negros, brancos, japoneses, ciganos, índios, sei lá eu. A poesia, como se tornou conhecida no Ocidente — e todo o seu desenvolvimento — merece o epíteto de “arte branca”? Os sonetos de Cruz e Souza são o quê? “Arte branca” feita por um preto? E os romances de Machado de Assis? Prosa branca redigida por um mulato metido a branco?
Empulhação!
Mistificação!
Pilantragem!
Mistificação!
Pilantragem!
A propósito, os caetés e tupinambás, quando comiam seus “irmãos”, estavam fazendo o quê? Digerindo alguém de sua própria “cultura”? No Sudão, os quase 600 mil mortos foram vítimas da “cultura negra”? A Segunda Guerra Mundial foi o quê? Uma revolta da “cultura branca” contra si mesma?
A proposta de Marta já é uma estupidez em si. E mais estúpida se torna quando se exige que os projetos sobre a “cultura negra” excluam a presença de brancos. A propósito: se houver algum indígena no grupo, a proposta também será recusada?
No seu programa de rádio, Marta disse que o ministério pretende fazer propostas só para mulheres, só para índios etc. Entendo. Então me responda, grande pensadora. No caso do “projeto só para as mulheres”, vão se distinguir as negras das brancas ou, nesse caso, a igualdade de gênero poderá conviver com a desigualdade da cor da pele? Ou, nesse caso, o gênero une o que a cor supostamente separa? E por que não, então, um outro só para homossexuais? Imaginem o sujeito tendo de provar para a Funarte que é, sim, gay e que não procedem as acusações de bichas invejosas que dizem que ele é um desses desprezíveis hetereossexuais que só estão atrás da grana do Estado…
É mesmo uma pena que não haja no Brasil partidos de oposição dignos desse nome. Existem, sim, políticos que resistem às empulhações racialistas. Cito o caso do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que se opôs à imposição das cotas nas universidades federais, o que, de resto, feriu a autonomia universitária. Falo, no entanto, de voz partidária mesmo, que transforme esses descalabros petistas em debate político. Não há.
Ao contrário. Existe silêncio, neste e nos demais assuntos. O PSDB tem a ambição de uma dia voltar à Presidência da República fugindo ao confronto de valores, reduzindo a política a um confronto de administrativismos, enquanto o PT promove, ele sim, a guerra cultural de todos contra todos, para que possa triunfar como suposta voz do consenso possível.
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