quinta-feira, 23 de maio de 2013

EUA não discutem mais se legalizarão a maconha, mas como fazer isso
Bill Keller - NYT      
A primeira vez que falei com Mark Kleiman, um especialista em política de drogas da Ucla (Universidade da Califórnia, Los Angeles), foi em 2002, e ele explicou por que a legalização da maconha era uma má ideia. Claro, disse ele, o governo deve retirar as penas para a posse, o uso e o cultivo de pequenas quantidades.
Ele era contra tornar fora da lei as pessoas que usavam uma droga que é menos prejudicial do que o álcool ou o tabaco. Mas ele temia que um mercado comercial robusto conduziria inevitavelmente a um consumo muito maior. Você não precisa ser proibicionista para reconhecer que a maconha, especialmente em adolescentes e usuários muito frequentes, pode afetar seriamente o cérebro.
Então, fiquei curioso ao saber, 11 anos mais tarde, que Kleiman está liderando a equipe contratada para aconselhar o Estado de Washington a esboçar algo que o mundo moderno jamais viu: um mercado comercial totalmente legalizado de cannabis. Washington é um dos dois primeiros estados (Colorado é o outro) a legalizar a produção, venda e consumo de maconha como droga recreativa para consumidores acima dos 21 anos de idade.
O debate sobre a maconha entrou numa nova fase. Hoje, a questão mais interessante e importante não é mais se a maconha será legalizada – eventualmente, pouco a pouco, ela será –, mas sim como.
"Em algum momento é preciso admitir que uma lei que as pessoas não obedecem é uma lei ruim", Kleiman me disse quando perguntei como foi a evolução do seu ponto de vista. Ele não passou a acreditar que a maconha é inofensiva, mas suspeita que a melhor chance de minimizar seus danos esteja num mercado bem regulamentado.

Caso a caso

Ah, mas como é isso? Alguns lugares, como a Holanda, tiveram uma legalização limitada; muitos países descriminalizaram o uso pessoal; e 18 estados nos EUA aprovaram a droga para uso médico. (Outros 12, incluindo Nova York, estão considerando isso.) Mas Washington e Colorado estão se empenhando em inventar toda um setor a partir do zero, em tese para evitar as deficiências de outros mercados de vícios legalizados – tabaco, álcool, jogos de azar – que passaram a existir sem muita consideração prévia e têm oferecido, junto com seus prazeres, muita miséria.
A maior sombra que paira sobre o projeto é o Departamento de Justiça. A lei federal ainda criminaliza qualquer um que comercializar a cannabis. Apesar da tendência mais tolerante nas urnas, apesar das evidências indicando que os estados que têm programas de uso medicinal da maconha não experimentaram um aumento no uso por adolescentes, como temiam os oponentes, apesar de novos movimentos em direção à legalização na América Latina, ninguém espera que o Congresso retire a cannabis da lista de substâncias criminosas tão cedo.
("Não até o segundo mandato de Hillary Clinton", diz Kleiman.)
Mas as autoridades federais sempre deixaram muito espaço para a autonomia dos governos estaduais na repressão à maconha. Eles podiam, por exemplo, declarar que processariam apenas os produtores da droga que crescessem além de um limite pré-estabelecido, e aqueles que traficam além das fronteiras estatais.
O procurador-geral Eric Holder, talvez preocupado em controlar o escândalo, tem demorado para criar orientações de aplicação da lei que poderia oferecer aos Estados uma zona de conforto para experimentar.

Peixes grandes

Um desafio prático para os pioneiros da legalização é como evitar que o mercado de maconha seja engolido por alguns grandes especuladores – por um equivalente às indústrias do tabaco, ou até mesmo pelas próprias – um poderoso oligopólio com todo incentivo para transformar os EUA numa nação de maconheiros.
Não há nada inerentemente mau na motivação do lucro, mas há evidências de que os traficantes de maconha, como os fornecedores de álcool, obtêm a maior parte de seus lucros daqueles que usam o produto em excesso. "Quando você tem um produtor com fins lucrativos ou uma indústria de distribuição funcionando, os incentivos são para aumentar as vendas", diz Jonathan Caulkins da Carnegie Mellon, outro membro da equipe de consultoria de Washington. "E a grande maioria das vendas vai para as pessoas que consomem diariamente ou quase diariamente."
O que Kleiman e seus colegas (falando por si mesmos, não pelo Estado de Washington) imaginam como o melhor modelo provável é algo parecido com a indústria do vinho – um mercado fragmentado, muitos produtores, nenhum dominante. Isto poderia ser feito limitando o tamanho dos fornecedores licenciados.
Ajudaria, também, deixar os indivíduos cultivarem algumas plantas em casa – coisa que a nova lei do Colorado permite, mas a de Washington não, porque pesquisas mostraram que os habitantes de Washington não queriam isso.

Caminho nebuloso

Se você ler a proposta que a equipe de Kleiman submeteu ao Estado de Washington, você pode ficar um pouco confuso com as complexidades de transformar uma erva ilícita num negócio regulado, seguro e favorável ao consumidor. Entre as tarefas a fazer: certificar laboratórios para testar a potência e a contaminação da droga. (A maconha pode conter, entre outras coisas nocivas, pesticidas, fungos e salmonela.) Elaborar normas relativas à rotulagem, para que os usuários saibam o que estão consumindo. Contratar inspetores, para se certificar de que os vendedores cumpram a lei. Estabelecer limites à publicidade, porque não se quer que a permissão se transforme em promoção.
E todas essas regras precisam valer não só para fumar a erva, mas também para bolos, doces, bebidas, pastilhas, sorvete, inaladores que contêm maconha.
Um dos pontos de defesa da legalização é que os Estados podem receber uma parte do que será, de acordo com estimativas, um setor de US$ 35 bilhões a US$ 45 bilhões, e destinar algumas dessas novas receitas fiscais para boas causas. É a mesma tática usada para conseguir a aprovação pública de loterias – e com o mesmo perigo: que alguma função importante do governo passe a depender de criar mais viciados.
E como as receitas serão divididas? Quanto vai para compensar as consequências para a saúde? Quanto vai para a polícia? Como é possível calibrar os impostos para que o preço da maconha seja alto o suficiente para desencorajar o uso excessivo, mas não tão alto para que surja um mercado negro mais barato?
Toda essa regulação quase acaba com a diversão das drogas. Depois há também a questão de dirigir drogado. Muita coisa sobre a química da maconha nos seres humanos ainda é desconhecida, em parte porque o governo não tem apoiado muito a pesquisa. Então, ninguém inventou uma versão do bafômetro para determinar rapidamente se um motorista está sem condições de dirigir por causa da maconha.

Chute

Na ausência de pesquisas sólidas, alguns defensores da legalização insistem que os motoristas drogados são mais cautelosos, e, portanto, mais seguros. (Levante a mão se você quiser Harold e Kumar dirigindo seu táxi. Ou pilotando seu avião.) Por isso e muito mais, Washington e Colorado provavelmente criarão a legislação ao longo do caminho, esperando a ciência alcançá-los.
E a experiência nos diz que eles com certeza errarão em algumas coisas. Nova York descriminalizou a posse de pequenas quantidades de maconha em 1977, com a condição de que não houvesse "exibição pública" da droga. Os legisladores queriam garantir que a droga fosse consumida em casa, e não nos parques ou nas calçadas. Eles não imaginavam que essa cláusula criaria um pretexto para jogar jovens negros e latinos na cadeia.
Quando a polícia de Nova York faz revistas, e costuma fazer muitas nos bairros mais perigosos, ela ordena que as pessoas esvaziem seus bolsos e – veja só, exibição pública, venha conosco, filho! O governador Andrew Cuomo está promovendo uma emenda para coibir esse abuso de poder.
Na outra costa, a Califórnia demonstra um tipo diferente de consequências inesperadas. A lei de maconha medicinal do estado foi uma liberação tão grande que agora dizem que Los Angeles tem mais lojas de maconha do que franquias Starbucks. Mesmo os defensores da legalização dizem que as coisas ficaram fora de controle.
"É uma certa farsa ver as pessoas saírem de uma farmácia de maconha, virarem a esquina e revenderem suas drogas", disse Gavin Newsom, vice-governador e ex-prefeito de San Francisco, que é a favor da legalização. "Se não conseguirmos organizar a maconha medicinal, como esperamos que os eleitores tratem a legalização?"
Ele agora faz parte de um grupo que discute como impor mais ordem no mercado de maconha medicinal da Califórnia, com a intenção de ampliar a legalização em 2016. E ele me disse que seu estado prestará muita atenção a Washington e Colorado, esperando que alguém consiga "criar um sistema mais ordenado que não deixe as pessoas muito chapadas", nas palavras de Mark Kleiman.
Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário: