Dan Barry e John Schwartz - NYT
21.mai.2013 - AP
Imagem aérea mostra área residencial de Moore, no Estado de Oklahoma (EUA), destruída após a passagem de um tornado
No início da tarde de segunda-feira passada (20), no salão de beleza Perfection Shear, uma cabeleireira chamada Lisa Lentz decidiu ser mais rápida do que o tornado que se aproximava. Sua cliente das 13h, que havia marcado corte e coloração, estava pronta, mas dois outros clientes tinham acabado de cancelar seus horários, e o tom ameaçador do apresentador Gary England, o oráculo meteorológico do canal de TV News 9, atraiu sua atenção.
Lisa, 47, deixou para trás os outros cabeleireiros, que em breve estariam rezando dentro do banheiro com aroma de limão com cestos de plástico sobre suas cabeças, como se fossem capacetes de combate. Ela andou rapidamente até sua velha minivan, impregnada com o cheiro de seus cachorros mimados e das inúmeras viagens de família, e olhou para a porção oeste do céu: estava preta como carvão que ainda queima por dentro, uma visão bastante familiar.
Quase 15 km a sudoeste dali, em uma casa de tijolos de dois andares localizada na pequena cidade de Newcastle, Shelly Codner, 50, também reconheceu a cena --só que a partir de um ângulo mais próximo. Os dois televisores de Shelly emitiam, em alto e bom som, um dueto de alertas, e outro alerta em seu iPhone dizia que a coisa estava a aproximadamente 8 km quilômetros do Newcastle Casino, localizado nas proximidades de sua casa.
Hora de pegar o balde de emergência, onde ficam armazenados lanternas e varas fluorescentes, água engarrafada e alimentos para os cães e o bebê. Hora de ir para o abrigo contra tempestades --que é revestido de aço e foi construído sob o piso da garagem no verão passado-- com o marido, a filha adolescente, a neta de 11 meses e todos os cinco cachorros. Ah, e alguns brinquedos da marca Fisher-Price.
Aqui vamos nós. Novamente.
Neste terreno fértil para tornados em Oklahoma, as pessoas se preparam para as temporadas desse tipo de fenômeno meteorológico com o mesmo cuidado que o coordenador da defesa do time de futebol americano local, os Sooners, se prepara para o outono inevitável. As famílias fazem seus próprios planos de emergência, aguardam os avisos dos meteorologistas e, em locais como Moore, se acostumam aos testes das sirenes de emergência, que acontecem ao meio-dia de sábado. Ao mesmo tempo, existe a descrença de que a devastação que já se abateu sobre seus vizinhos poderá atingi-los ou que essa mesma devastação poderá atingi-los novamente.
Em meio a todos os testes de sirenes, à conscientização dos habitantes locais e aos alarmes falsos, os moradores sabem que têm meia hora, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos, para escapar de um tornado. Isso significa que você deve parar o que está fazendo imediatamente, deixar a descrença de lado, localizar seus familiares e procurar abrigo --tudo no tempo que leva para assistir a meio capítulo de uma novela.
Essa meia hora de antecedência, mais ou menos, não é muito, mas o sistema de alerta de salva vidas. O tornado monstruoso de segunda-feira passada matou 24 pessoas, mas se ele tivesse ocorrido em temporadas anteriores, pré-tecnológicas, o número de mortos teria sido certamente muito maior.
Enquanto Lisa saía do estacionamento do shopping center e virava à direita, na avenida South Western, ela viu, também à sua direita, uma cortina cinzenta no céu --criada pela colisão entre o ar frio e seco que desceu Canadá e o ar quente e úmido que subiu do Golfo do México, ajudados pelos fortes correntes de ar detectadas sobre a planície Oklahoma. Essa alquimia natural havia criado um vórtice rodopiante, impressionante e destrutivo, e que aparentava estar vivo.
Apesar da surpresa de ver um tornado bem no meio de seu trajeto para casa, ela ainda pensou, enquanto seguia em frente com seu carro: "Ele não vai me atingir".
Mas tornados não são ilusões óticas benignas. Aproximadamente 20 km a sudeste de onde Lisa se encontrava, no campus da Universidade de Oklahoma, em Norman, um grupo de meia dúzia de analistas do centro de previsão de tempestades do Serviço Nacional de Meteorologia dava continuidade ao monitoramento interminável das más condições climáticas em todo o território continental dos Estados Unidos. O foco, no momento, era o quintal deles.
Os meteorologistas haviam detectado o problema com uma semana de antecedência. Após sintetizar as informações obtidas de satélites e radares, de modelos informatizados e das observações feitas em terra, o centro de previsões alertou, na quarta-feira, 15 de maio, sobre o mau tempo que se dirigia para a região --e que apontava a segunda-feira, 20 de maio, como, talvez, o dia de "maior potencial para a formação de tornados".
A quinta-feira, a sexta e o sábado anteriores à chagada do tornado não forneceram nenhum motivo para que a previsão fosse alterada. No domingo, o centro ampliou a área-alvo potencial, alertando para a "ameaça de intensas chuvas de granizo e tornados" entre o centro de Oklahoma e o centro-oeste do Missouri.
Na manhã de segunda-feira bem cedo, Rick Smith, "meteorologista que coordena os alertas" no escritório local de previsão do Serviço Nacional de Meteorologia, não conseguia afastar o mau pressentimento sobre o dia. Depois de verificar os últimos dados preocupantes, ele enviou um e-mail, às 8h06, para 380 autoridades governamentais, de hospitais e de órgãos de gerenciamento de emergências da região, sinalizando a forte probabilidade da ocorrência de tornados no início da tarde, bem no horário de saída das escolas.
Smith escreveu: "Por favor, certifique-se de que as escolas de sua região estão cientes desse risco para que elas comecem a se organizar e saibam o que fazer caso alertas sejam de tornados emitidos nesses momentos críticos do dia de hoje".
Em sem seguida, ele entrou em reunião com dois colegas sêniores --David Andra, meteorologista responsável pela equipe de Norman, e Scott Curl, o principal meteorologista daquele turno –, durante a qual foi feita a seguinte pergunta: você vê alguma coisa capaz de sinalizar que não ocorrerão tornados violentos hoje? A resposta foi não, relembra Smith, e o clima na sala, da mesma forma que o céu, escureceu.
Smith sentiu que Andra, um cientista imperturbável, estava no seu limite. "Ele é meu barômetro", disse Smith. "Se ele está nervoso em relação a isso, eu estou também fico nervoso".
Os alertas foram disparados novamente, só que agora com mais força, em feeds do Twitter, em posts no Facebook e durante uma conferência por telefone realizada com mais de 100 autoridades e gestores de órgãos de emergência. Às 13h10 da tarde, o centro da previsão de tempestades emitiu um alerta de tornado --o aviso para Oklahoma.
Enquanto Lisa acelerava em sua Plymouth Voyager modelo 1999 --vermelha como a cor do uniforme do Oklahoma Sooners, explica ela--pelos cerca de 3 km que a separavam de sua casa, ela passou por marcos de um evento mortal, que ficou conhecido localmente como tornado de 3 de maio --o ano desse evento está tão gravado na memória de todos que quando se menciona "1999", a mensagem é imediatamente entendida. À direita de Lisa, por exemplo, se aproximava a Escola de Ensino Médio Westmoore, que perdeu seu telhado e sofreu danos estruturais gigantescos durante aquela ventania louca, cuja velocidade atingiu aproximadamente 480 km por hora.
Durante a tempestade de 3 de maio, Lisa entrou no armário de um quarto com seu marido, Steve, seus três filhos e uma amiguinha de sua filha. Eles se enrolaram em cobertores e travesseiros, entrelaçaram suas pernas e braços e se seguraram. Quando tudo acabou, eles saíram de seu esconderijo e viram que as janelas tinham ido pelos ares e que tábuas de madeira tinham perfurado o telhado – dano que não parecia tão ruim quando comparado aos das casas vizinhas, que tinham sido totalmente devastadas. Delas, só sobraram as fundações.
As coisas são assim mesmo. Em Newcastle, a ida de Shelly para o abrigo contra tempestades trouxe várias memórias: quando ela era jovem, sua mãe costumava dizer para "subir as escadas e abrir todas as janelas, pois um tornado está vindo". Isso era o que se fazia naquela época, pois se acreditava que a pressão, de alguma forma, se igualaria dentro e fora da casa, minimizando os danos. Aquele tornado levou embora uma das laterais da casa da família de Shelly. Depois, o tornado de 3 de maio, décadas mais tarde, fez a casa toda ir pelos ares.
Tornados são tão comuns aqui que Shelly até é capaz de reconhecê-los pelo cheiro: uma mistura de madeira molhada, isolamento térmico arrancado e a terra remexida.
A corrida contra o relógio continuava em Newcastle, Moore, Oklahoma City e em outros locais. Lisa queria tanto fumar um cigarro, mas lembrou-se que tinha parado de fumar, mais uma vez, há três meses. E pensou que não ia ter uma nova recaída. O marido e os dois filhos adultos dela estavam a salvo, trancafiados em algum lugar ou bem longe dali. Então, ela ligou para a mãe, Barbara, de 68 anos, e para sua filha, Stephanie, de 20, que estava dirigindo seu pequeno Chevy Cobalt, e ordenou que elas viessem para casa.
As sirenes soaram. Mas sirenes de onde? De Norman? De Chickasha?. Ela não saberia dizer. A mãe de Lisa já estava na casa da filha quando a cabeleireira chegou e, em seguida, sua filha chegou com o carro. Elas já tinham feito esse exercício várias vezes antes: iam até o ponto de encontro na casa de Lisa e, em seguida, pegavam o carro dela para irem até a casa de seu irmão, que fica a cerca de 800 metros dali, onde um velho abrigo contra da tempestades, construído com um bloco de concreto, se erguia no quintal.
Mas e os cães! Onde estão os cães? Stephanie insistiu em correr para dentro de casa e pegar os dois golden retrievers da família, Sasha e Hurley. O tempo todo, uma escuridão densa coloria o céu atrás da casa de um vizinho.
"Era possível vê-lo em movimento", disse Lisa.
Em Norman, os meteorologistas olhavam fixamente para seus monitores enquanto aquela besta meteorológica "nascia diante dos nossos olhos", disse Smith. Às 14h40, ele disparou o alerta oficial de tornado, no qual informou que uma "tempestade perigosa" tinha sido avistada perto de Newcastle e ela poderia atingir a cidade, além de Moore e outros municípios.
Esse alerta --"um grande passo", como ele definiu-- desencadeou uma cascata de outros alertas. O primeiro alerta enviou automaticamente mensagens de emergência para o rodapé das telas de TV locais, junto um mapa com a previsão do tempo. Esse alerta também fez disparar os alarmes e mensagens gravadas nas rádios que transmitem apenas a previsão do tempo, além de avisar os usuários de smartphones e computadores que haviam assinado algum serviço de alerta meteorológico. O aviso ainda informou aos gestores de órgãos locais que tratam de emergências que aquele era o momento de ligar suas sirenes.
O tornado tocou o solo às 14h56, a cerca de 7 km a oeste de Newcastle, e estava se movimentando para o leste. Ele se parecia menos com um funil e mais com um escovão de limpeza, com mais 1,5 km de largura e formado por ventos de mais de 320 km por hora. "Uma situação extremamente perigosa e de alto risco", informou Smith em um alerta que raramente é usado e cujo título é "Emergência – Tornado". Eram 15h:01. Dois minutos depois, ele enviou uma mensagem no Twitter que dizia, entre outras coisas: "A situação não poderia ser pior".
Enquanto isso, em Newcastle, a família Codner se amontoou em seu abrigo contra tempestades, que custou US$ 5 mil, e esperou. Lá estavam Shelly, seu marido, Dean, de 53 anos, que é artista gráfico, a filha do casal, Paige, de 16 anos, e a bebê de seu filho mais velho, Zoey. Eles se sentaram em bancos, e começaram a se distrair distraindo Zoey. E aguardaram um pouco mais.
Acima deles encontrava-se a propriedade de cinco hectares que Shelly tinha transformado em um paraíso paisagístico de ciprestes, bordos vermelhos e canteiros de rosas --nas cores rosa, vermelha e amarela. No depósito de 9 por 12 metros, Dean um artista gráfico cujo trabalho é muito requisitado --havia acabado de instalar novos equipamentos. Sobre suas cabeças também estava a casa de seis quartos protegendo as porcelanas, herança de família, e tubos com negativos de fotografias que narram a vida de várias gerações. Também estava a brinquedoteca criada para Zoey.
Eles não ouviram nenhuma sirene, apenas o ruído alto e violento da chuva. Quando a chuva parou, Shelly sentiu uma quietude cheia de maus presságios. Em seguida, eles ouviram aquele som e aquele estrondo de trem de carga --mais parecido com o motor de um jato, descreveu Dean. Shelly cobriu Zoey e seu marido a cobriu --a trepidação e os gritos começaram.
"Oh, meu Deus, ele está aqui!", gritou Shelly, enquanto de cima vinham sons de estalidos, de coisas quebradas e se partindo. Era como se o abrigo contra tempestades estivesse sendo arrancado de sua base reforçada e suas paredes estivessem rangindo.
Então, o silêncio. O tornado seguiu diante com força destrutiva.
A poucos quilômetros de distância, Lisa parou o carro na garagem de seu irmão enquanto granizos do tamanho de maçãs batiam em sua minivan –bum! bum!--, e as sirenes de Moore soaram. Mãe, filha e neta correram junto com seus cães para o quintal que há muito não via nenhum tipo de poda e desceram os sete degraus de madeira que levam ao abrigo.
Vários parentes e vizinhos já estavam dentro do espaço úmido, junto com outros três cães. A porta de metal cinza foi fechada e protegida por correntes ligadas a uma grade. E eles olharam para fora através de janelas do tamanho de caixas de sapatos.
De fora veio um pedido suplicante. Duas mulheres jovens, incluindo uma com uma criança nos braços, estavam pedindo abrigo. O mais rapidamente possível, as correntes foram soltas e a porta foi aberta --e, então, fechada novamente.
Eles esperaram. Eles ouviram. Eles rezaram. As folhas de uma árvore vista através da janela pequena pararam de farfalhar. A única lâmpada acesa piscou e se apagou. Em seguida, Lisa disse: "Nós ouvimos o trem. E quando você ouve esse trem, você sabe que alguém vai ser atropelado".
Após o todo o estrondo passar, a porta do abrigo se abriu e eles viram a chuva. Lisa olhou e viu uma cena tranquila, na qual não sentia que podia confiar muito. Em breve eles ficariam sabendo que a loja de conveniência 7-Eleven, que ficava a 1,5 km de distância, havia sido totalmente destruída, assim como tantas outras construções, e que uma jovem mãe e seu bebê tinham morrido na cidade depois terem de procurado abrigo. Era difícil se sentir feliz.
A esta altura, Shelly também havia se arrastado para fora do abrigo da família para verificar como sua amada propriedade de Newcastle tinha se saído contra o tornado. A casa e os carros e o galpão e as árvores e plantas --tudo foi destruído.
Veterana das arriscadas primaveras de Oklahoma, ela sabia o que estava por vir: soluços, o preenchimento de formulários de seguros e a reconstrução --além daquele cheiro terrível de tornado, de madeira molhada, isolamento térmico arrancado e a terra remexida.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Imagem aérea mostra área residencial de Moore, no Estado de Oklahoma (EUA), destruída após a passagem de um tornado
No início da tarde de segunda-feira passada (20), no salão de beleza Perfection Shear, uma cabeleireira chamada Lisa Lentz decidiu ser mais rápida do que o tornado que se aproximava. Sua cliente das 13h, que havia marcado corte e coloração, estava pronta, mas dois outros clientes tinham acabado de cancelar seus horários, e o tom ameaçador do apresentador Gary England, o oráculo meteorológico do canal de TV News 9, atraiu sua atenção.
Lisa, 47, deixou para trás os outros cabeleireiros, que em breve estariam rezando dentro do banheiro com aroma de limão com cestos de plástico sobre suas cabeças, como se fossem capacetes de combate. Ela andou rapidamente até sua velha minivan, impregnada com o cheiro de seus cachorros mimados e das inúmeras viagens de família, e olhou para a porção oeste do céu: estava preta como carvão que ainda queima por dentro, uma visão bastante familiar.
Quase 15 km a sudoeste dali, em uma casa de tijolos de dois andares localizada na pequena cidade de Newcastle, Shelly Codner, 50, também reconheceu a cena --só que a partir de um ângulo mais próximo. Os dois televisores de Shelly emitiam, em alto e bom som, um dueto de alertas, e outro alerta em seu iPhone dizia que a coisa estava a aproximadamente 8 km quilômetros do Newcastle Casino, localizado nas proximidades de sua casa.
Hora de pegar o balde de emergência, onde ficam armazenados lanternas e varas fluorescentes, água engarrafada e alimentos para os cães e o bebê. Hora de ir para o abrigo contra tempestades --que é revestido de aço e foi construído sob o piso da garagem no verão passado-- com o marido, a filha adolescente, a neta de 11 meses e todos os cinco cachorros. Ah, e alguns brinquedos da marca Fisher-Price.
Aqui vamos nós. Novamente.
Neste terreno fértil para tornados em Oklahoma, as pessoas se preparam para as temporadas desse tipo de fenômeno meteorológico com o mesmo cuidado que o coordenador da defesa do time de futebol americano local, os Sooners, se prepara para o outono inevitável. As famílias fazem seus próprios planos de emergência, aguardam os avisos dos meteorologistas e, em locais como Moore, se acostumam aos testes das sirenes de emergência, que acontecem ao meio-dia de sábado. Ao mesmo tempo, existe a descrença de que a devastação que já se abateu sobre seus vizinhos poderá atingi-los ou que essa mesma devastação poderá atingi-los novamente.
Em meio a todos os testes de sirenes, à conscientização dos habitantes locais e aos alarmes falsos, os moradores sabem que têm meia hora, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos, para escapar de um tornado. Isso significa que você deve parar o que está fazendo imediatamente, deixar a descrença de lado, localizar seus familiares e procurar abrigo --tudo no tempo que leva para assistir a meio capítulo de uma novela.
Essa meia hora de antecedência, mais ou menos, não é muito, mas o sistema de alerta de salva vidas. O tornado monstruoso de segunda-feira passada matou 24 pessoas, mas se ele tivesse ocorrido em temporadas anteriores, pré-tecnológicas, o número de mortos teria sido certamente muito maior.
Enquanto Lisa saía do estacionamento do shopping center e virava à direita, na avenida South Western, ela viu, também à sua direita, uma cortina cinzenta no céu --criada pela colisão entre o ar frio e seco que desceu Canadá e o ar quente e úmido que subiu do Golfo do México, ajudados pelos fortes correntes de ar detectadas sobre a planície Oklahoma. Essa alquimia natural havia criado um vórtice rodopiante, impressionante e destrutivo, e que aparentava estar vivo.
Apesar da surpresa de ver um tornado bem no meio de seu trajeto para casa, ela ainda pensou, enquanto seguia em frente com seu carro: "Ele não vai me atingir".
Mas tornados não são ilusões óticas benignas. Aproximadamente 20 km a sudeste de onde Lisa se encontrava, no campus da Universidade de Oklahoma, em Norman, um grupo de meia dúzia de analistas do centro de previsão de tempestades do Serviço Nacional de Meteorologia dava continuidade ao monitoramento interminável das más condições climáticas em todo o território continental dos Estados Unidos. O foco, no momento, era o quintal deles.
Os meteorologistas haviam detectado o problema com uma semana de antecedência. Após sintetizar as informações obtidas de satélites e radares, de modelos informatizados e das observações feitas em terra, o centro de previsões alertou, na quarta-feira, 15 de maio, sobre o mau tempo que se dirigia para a região --e que apontava a segunda-feira, 20 de maio, como, talvez, o dia de "maior potencial para a formação de tornados".
A quinta-feira, a sexta e o sábado anteriores à chagada do tornado não forneceram nenhum motivo para que a previsão fosse alterada. No domingo, o centro ampliou a área-alvo potencial, alertando para a "ameaça de intensas chuvas de granizo e tornados" entre o centro de Oklahoma e o centro-oeste do Missouri.
Na manhã de segunda-feira bem cedo, Rick Smith, "meteorologista que coordena os alertas" no escritório local de previsão do Serviço Nacional de Meteorologia, não conseguia afastar o mau pressentimento sobre o dia. Depois de verificar os últimos dados preocupantes, ele enviou um e-mail, às 8h06, para 380 autoridades governamentais, de hospitais e de órgãos de gerenciamento de emergências da região, sinalizando a forte probabilidade da ocorrência de tornados no início da tarde, bem no horário de saída das escolas.
Smith escreveu: "Por favor, certifique-se de que as escolas de sua região estão cientes desse risco para que elas comecem a se organizar e saibam o que fazer caso alertas sejam de tornados emitidos nesses momentos críticos do dia de hoje".
Em sem seguida, ele entrou em reunião com dois colegas sêniores --David Andra, meteorologista responsável pela equipe de Norman, e Scott Curl, o principal meteorologista daquele turno –, durante a qual foi feita a seguinte pergunta: você vê alguma coisa capaz de sinalizar que não ocorrerão tornados violentos hoje? A resposta foi não, relembra Smith, e o clima na sala, da mesma forma que o céu, escureceu.
Smith sentiu que Andra, um cientista imperturbável, estava no seu limite. "Ele é meu barômetro", disse Smith. "Se ele está nervoso em relação a isso, eu estou também fico nervoso".
Os alertas foram disparados novamente, só que agora com mais força, em feeds do Twitter, em posts no Facebook e durante uma conferência por telefone realizada com mais de 100 autoridades e gestores de órgãos de emergência. Às 13h10 da tarde, o centro da previsão de tempestades emitiu um alerta de tornado --o aviso para Oklahoma.
Enquanto Lisa acelerava em sua Plymouth Voyager modelo 1999 --vermelha como a cor do uniforme do Oklahoma Sooners, explica ela--pelos cerca de 3 km que a separavam de sua casa, ela passou por marcos de um evento mortal, que ficou conhecido localmente como tornado de 3 de maio --o ano desse evento está tão gravado na memória de todos que quando se menciona "1999", a mensagem é imediatamente entendida. À direita de Lisa, por exemplo, se aproximava a Escola de Ensino Médio Westmoore, que perdeu seu telhado e sofreu danos estruturais gigantescos durante aquela ventania louca, cuja velocidade atingiu aproximadamente 480 km por hora.
Durante a tempestade de 3 de maio, Lisa entrou no armário de um quarto com seu marido, Steve, seus três filhos e uma amiguinha de sua filha. Eles se enrolaram em cobertores e travesseiros, entrelaçaram suas pernas e braços e se seguraram. Quando tudo acabou, eles saíram de seu esconderijo e viram que as janelas tinham ido pelos ares e que tábuas de madeira tinham perfurado o telhado – dano que não parecia tão ruim quando comparado aos das casas vizinhas, que tinham sido totalmente devastadas. Delas, só sobraram as fundações.
As coisas são assim mesmo. Em Newcastle, a ida de Shelly para o abrigo contra tempestades trouxe várias memórias: quando ela era jovem, sua mãe costumava dizer para "subir as escadas e abrir todas as janelas, pois um tornado está vindo". Isso era o que se fazia naquela época, pois se acreditava que a pressão, de alguma forma, se igualaria dentro e fora da casa, minimizando os danos. Aquele tornado levou embora uma das laterais da casa da família de Shelly. Depois, o tornado de 3 de maio, décadas mais tarde, fez a casa toda ir pelos ares.
Tornados são tão comuns aqui que Shelly até é capaz de reconhecê-los pelo cheiro: uma mistura de madeira molhada, isolamento térmico arrancado e a terra remexida.
A corrida contra o relógio continuava em Newcastle, Moore, Oklahoma City e em outros locais. Lisa queria tanto fumar um cigarro, mas lembrou-se que tinha parado de fumar, mais uma vez, há três meses. E pensou que não ia ter uma nova recaída. O marido e os dois filhos adultos dela estavam a salvo, trancafiados em algum lugar ou bem longe dali. Então, ela ligou para a mãe, Barbara, de 68 anos, e para sua filha, Stephanie, de 20, que estava dirigindo seu pequeno Chevy Cobalt, e ordenou que elas viessem para casa.
As sirenes soaram. Mas sirenes de onde? De Norman? De Chickasha?. Ela não saberia dizer. A mãe de Lisa já estava na casa da filha quando a cabeleireira chegou e, em seguida, sua filha chegou com o carro. Elas já tinham feito esse exercício várias vezes antes: iam até o ponto de encontro na casa de Lisa e, em seguida, pegavam o carro dela para irem até a casa de seu irmão, que fica a cerca de 800 metros dali, onde um velho abrigo contra da tempestades, construído com um bloco de concreto, se erguia no quintal.
Mas e os cães! Onde estão os cães? Stephanie insistiu em correr para dentro de casa e pegar os dois golden retrievers da família, Sasha e Hurley. O tempo todo, uma escuridão densa coloria o céu atrás da casa de um vizinho.
"Era possível vê-lo em movimento", disse Lisa.
Em Norman, os meteorologistas olhavam fixamente para seus monitores enquanto aquela besta meteorológica "nascia diante dos nossos olhos", disse Smith. Às 14h40, ele disparou o alerta oficial de tornado, no qual informou que uma "tempestade perigosa" tinha sido avistada perto de Newcastle e ela poderia atingir a cidade, além de Moore e outros municípios.
Esse alerta --"um grande passo", como ele definiu-- desencadeou uma cascata de outros alertas. O primeiro alerta enviou automaticamente mensagens de emergência para o rodapé das telas de TV locais, junto um mapa com a previsão do tempo. Esse alerta também fez disparar os alarmes e mensagens gravadas nas rádios que transmitem apenas a previsão do tempo, além de avisar os usuários de smartphones e computadores que haviam assinado algum serviço de alerta meteorológico. O aviso ainda informou aos gestores de órgãos locais que tratam de emergências que aquele era o momento de ligar suas sirenes.
O tornado tocou o solo às 14h56, a cerca de 7 km a oeste de Newcastle, e estava se movimentando para o leste. Ele se parecia menos com um funil e mais com um escovão de limpeza, com mais 1,5 km de largura e formado por ventos de mais de 320 km por hora. "Uma situação extremamente perigosa e de alto risco", informou Smith em um alerta que raramente é usado e cujo título é "Emergência – Tornado". Eram 15h:01. Dois minutos depois, ele enviou uma mensagem no Twitter que dizia, entre outras coisas: "A situação não poderia ser pior".
Enquanto isso, em Newcastle, a família Codner se amontoou em seu abrigo contra tempestades, que custou US$ 5 mil, e esperou. Lá estavam Shelly, seu marido, Dean, de 53 anos, que é artista gráfico, a filha do casal, Paige, de 16 anos, e a bebê de seu filho mais velho, Zoey. Eles se sentaram em bancos, e começaram a se distrair distraindo Zoey. E aguardaram um pouco mais.
Acima deles encontrava-se a propriedade de cinco hectares que Shelly tinha transformado em um paraíso paisagístico de ciprestes, bordos vermelhos e canteiros de rosas --nas cores rosa, vermelha e amarela. No depósito de 9 por 12 metros, Dean um artista gráfico cujo trabalho é muito requisitado --havia acabado de instalar novos equipamentos. Sobre suas cabeças também estava a casa de seis quartos protegendo as porcelanas, herança de família, e tubos com negativos de fotografias que narram a vida de várias gerações. Também estava a brinquedoteca criada para Zoey.
Eles não ouviram nenhuma sirene, apenas o ruído alto e violento da chuva. Quando a chuva parou, Shelly sentiu uma quietude cheia de maus presságios. Em seguida, eles ouviram aquele som e aquele estrondo de trem de carga --mais parecido com o motor de um jato, descreveu Dean. Shelly cobriu Zoey e seu marido a cobriu --a trepidação e os gritos começaram.
"Oh, meu Deus, ele está aqui!", gritou Shelly, enquanto de cima vinham sons de estalidos, de coisas quebradas e se partindo. Era como se o abrigo contra tempestades estivesse sendo arrancado de sua base reforçada e suas paredes estivessem rangindo.
Então, o silêncio. O tornado seguiu diante com força destrutiva.
A poucos quilômetros de distância, Lisa parou o carro na garagem de seu irmão enquanto granizos do tamanho de maçãs batiam em sua minivan –bum! bum!--, e as sirenes de Moore soaram. Mãe, filha e neta correram junto com seus cães para o quintal que há muito não via nenhum tipo de poda e desceram os sete degraus de madeira que levam ao abrigo.
Vários parentes e vizinhos já estavam dentro do espaço úmido, junto com outros três cães. A porta de metal cinza foi fechada e protegida por correntes ligadas a uma grade. E eles olharam para fora através de janelas do tamanho de caixas de sapatos.
De fora veio um pedido suplicante. Duas mulheres jovens, incluindo uma com uma criança nos braços, estavam pedindo abrigo. O mais rapidamente possível, as correntes foram soltas e a porta foi aberta --e, então, fechada novamente.
Eles esperaram. Eles ouviram. Eles rezaram. As folhas de uma árvore vista através da janela pequena pararam de farfalhar. A única lâmpada acesa piscou e se apagou. Em seguida, Lisa disse: "Nós ouvimos o trem. E quando você ouve esse trem, você sabe que alguém vai ser atropelado".
Após o todo o estrondo passar, a porta do abrigo se abriu e eles viram a chuva. Lisa olhou e viu uma cena tranquila, na qual não sentia que podia confiar muito. Em breve eles ficariam sabendo que a loja de conveniência 7-Eleven, que ficava a 1,5 km de distância, havia sido totalmente destruída, assim como tantas outras construções, e que uma jovem mãe e seu bebê tinham morrido na cidade depois terem de procurado abrigo. Era difícil se sentir feliz.
A esta altura, Shelly também havia se arrastado para fora do abrigo da família para verificar como sua amada propriedade de Newcastle tinha se saído contra o tornado. A casa e os carros e o galpão e as árvores e plantas --tudo foi destruído.
Veterana das arriscadas primaveras de Oklahoma, ela sabia o que estava por vir: soluços, o preenchimento de formulários de seguros e a reconstrução --além daquele cheiro terrível de tornado, de madeira molhada, isolamento térmico arrancado e a terra remexida.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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