Lluís Bassets - El Pais
22.mar.2013 - Soe Than Win/AFP
Policiais fazem pelotão na cidade de Meiktila, região central de Mianmar, para conter confrontos religiosos entre budistas e muçulmanos
A diplomacia americana conta com excelentes observadores e escritores, capazes de narrar como o melhor dos jornalistas o que acontece no lugar onde estão designados.
Caso alguém duvidasse, isso ficou demonstrado pela qualidade dos telegramas secretos do Departamento de Estado (ou Cablegate) publicados pelo WikiLeaks a partir de dezembro de 2011, especialmente o mais famoso de todos, sobre um casamento mafioso no Daguestão, assinado pelo então embaixador em Moscou, William Burns.
Além de demonstrar dotes de repórteres e colunistas do mais alto nível, os diplomatas americanos têm de realizar com frequência trabalhos que não são exigidos dos diplomatas de outros países, alguns dos quais parecem mais próximos das funções das ONGs e das organizações internacionais de direitos humanos que da diplomacia clássica.
Uma dessas atividades é o relatório anual realizado pelo Departamento de Estado sobre a liberdade religiosa no mundo, tarefa expressamente encomendada pelo Legislativo mediante a Lei de Liberdade de Religião Internacional, aprovada em 1998 e assinada pelo presidente Bill Clinton. Anualmente, o exército de diplomatas de Washington tem de avaliar os níveis de liberdade religiosa nos diversos países e indicar os que permitem ou promovem as maiores violações, tarefa que depois obriga a mesma diplomacia e os responsáveis máximos a pressionar, negociar ou mesmo sancionar os piores e mais recalcitrantes alunos da classe.
Se examinarmos as generalidades do relatório de 2012, o diagnóstico sobre a liberdade religiosa no mundo deixa muito a desejar e dá um toque de atenção em todos, incluindo os países com consciência mais elevada, como é o caso da Espanha. A retórica e as ações contra os muçulmanos estão no auge, especialmente na Europa e na Ásia. O uso de leis contra a blasfêmia e contra a apostasia ou mudança de religião continua proliferando, constituindo um autêntico problema em muitos países. Há um aumento contínuo e global do antissemitismo, que inclui a negação e a apologia do Holocausto, e que se tenta justificar em alguns casos como oposição às políticas de Israel.
Os cristãos são o alvo mais importante da discriminação social, do abuso e da violência em determinadas partes do planeta, onde também sofrem os seguidores de outras religiões e do próprio islamismo. Uma das conclusões a que se chega após uma leitura atenta do relatório é que ninguém sofre mais os efeitos violentos do islamismo radical que os próprios muçulmanos. Se Stalin foi o maior assassino de comunistas da história, o mesmo se pode dizer do salafismo violento e da Al Qaeda.
O Departamento de Estado designa todo ano os países que merecem especial atenção porque neles se registram os maiores níveis de intolerância e inclusive uma perseguição organizada e letal aos fiéis de determinadas religiões. São oito, e dois deles, China e Arábia Saudita, ambos com estreitas relações --não apenas econômicas-- com os EUA, conservam essa infame qualificação desde que a obtiveram no primeiro relatório, em 1999. Um terceiro, Mianmar, perdeu o vergonhoso título no ano passado, coincidindo com sua transição democrática, mas o recuperou com o relatório de 2012, diante dos escassos avanços realizados em liberdade religiosa e da constante perseguição às seitas budistas não oficiais e aos seguidores do islã.
Os outros cinco países da primeira divisão dos perseguidores são Eritreia, Irã, Coreia do Norte, Sudão e Usbequistão. O Vietnã não está mais na lista desde 2006, e assim consta como um dos êxitos da diplomacia americana. A leitura do relatório revela que sua função não é só vigiar, mas também estimular os governos a melhorar. Em relação a Mianmar, o informe reconhece que "o governo aplicou reformas consideráveis, mas o comportamento geral não mudou neste último ano". Da China, que acaba de empossar seu novo líder, Xi Jinping, diz que "o respeito do governo pela liberdade religiosa diminuiu este ano".
É difícil incluir a religião no capítulo dos assuntos internos dos países, como se ainda estivéssemos no mundo saído da Paz de Vestfália (1648), com seu clássico lema "cuius regio, eius religio" (segundo a religião do rei, assim será a do reino). A convivência entre identidades, línguas, religiões e costumes na aldeia global encontra mais facilidades nas belas palavras do que nas duras realidades. Não vale o velho olhar laicista, cego à profundidade das crenças e às dificuldades de convivência. Também não é fácil para muitos países, incluindo os europeus, aceitar simplesmente as lições proferidas por Washington. Mas não há dúvida de que o olhar atento da diplomacia americana sobre o mundo presta um bom serviço à liberdade religiosa e imprime uma orientação à sua política externa com a qual os europeus deveríamos aprender.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Policiais fazem pelotão na cidade de Meiktila, região central de Mianmar, para conter confrontos religiosos entre budistas e muçulmanos
A diplomacia americana conta com excelentes observadores e escritores, capazes de narrar como o melhor dos jornalistas o que acontece no lugar onde estão designados.
Caso alguém duvidasse, isso ficou demonstrado pela qualidade dos telegramas secretos do Departamento de Estado (ou Cablegate) publicados pelo WikiLeaks a partir de dezembro de 2011, especialmente o mais famoso de todos, sobre um casamento mafioso no Daguestão, assinado pelo então embaixador em Moscou, William Burns.
Além de demonstrar dotes de repórteres e colunistas do mais alto nível, os diplomatas americanos têm de realizar com frequência trabalhos que não são exigidos dos diplomatas de outros países, alguns dos quais parecem mais próximos das funções das ONGs e das organizações internacionais de direitos humanos que da diplomacia clássica.
Uma dessas atividades é o relatório anual realizado pelo Departamento de Estado sobre a liberdade religiosa no mundo, tarefa expressamente encomendada pelo Legislativo mediante a Lei de Liberdade de Religião Internacional, aprovada em 1998 e assinada pelo presidente Bill Clinton. Anualmente, o exército de diplomatas de Washington tem de avaliar os níveis de liberdade religiosa nos diversos países e indicar os que permitem ou promovem as maiores violações, tarefa que depois obriga a mesma diplomacia e os responsáveis máximos a pressionar, negociar ou mesmo sancionar os piores e mais recalcitrantes alunos da classe.
Se examinarmos as generalidades do relatório de 2012, o diagnóstico sobre a liberdade religiosa no mundo deixa muito a desejar e dá um toque de atenção em todos, incluindo os países com consciência mais elevada, como é o caso da Espanha. A retórica e as ações contra os muçulmanos estão no auge, especialmente na Europa e na Ásia. O uso de leis contra a blasfêmia e contra a apostasia ou mudança de religião continua proliferando, constituindo um autêntico problema em muitos países. Há um aumento contínuo e global do antissemitismo, que inclui a negação e a apologia do Holocausto, e que se tenta justificar em alguns casos como oposição às políticas de Israel.
Os cristãos são o alvo mais importante da discriminação social, do abuso e da violência em determinadas partes do planeta, onde também sofrem os seguidores de outras religiões e do próprio islamismo. Uma das conclusões a que se chega após uma leitura atenta do relatório é que ninguém sofre mais os efeitos violentos do islamismo radical que os próprios muçulmanos. Se Stalin foi o maior assassino de comunistas da história, o mesmo se pode dizer do salafismo violento e da Al Qaeda.
O Departamento de Estado designa todo ano os países que merecem especial atenção porque neles se registram os maiores níveis de intolerância e inclusive uma perseguição organizada e letal aos fiéis de determinadas religiões. São oito, e dois deles, China e Arábia Saudita, ambos com estreitas relações --não apenas econômicas-- com os EUA, conservam essa infame qualificação desde que a obtiveram no primeiro relatório, em 1999. Um terceiro, Mianmar, perdeu o vergonhoso título no ano passado, coincidindo com sua transição democrática, mas o recuperou com o relatório de 2012, diante dos escassos avanços realizados em liberdade religiosa e da constante perseguição às seitas budistas não oficiais e aos seguidores do islã.
Os outros cinco países da primeira divisão dos perseguidores são Eritreia, Irã, Coreia do Norte, Sudão e Usbequistão. O Vietnã não está mais na lista desde 2006, e assim consta como um dos êxitos da diplomacia americana. A leitura do relatório revela que sua função não é só vigiar, mas também estimular os governos a melhorar. Em relação a Mianmar, o informe reconhece que "o governo aplicou reformas consideráveis, mas o comportamento geral não mudou neste último ano". Da China, que acaba de empossar seu novo líder, Xi Jinping, diz que "o respeito do governo pela liberdade religiosa diminuiu este ano".
É difícil incluir a religião no capítulo dos assuntos internos dos países, como se ainda estivéssemos no mundo saído da Paz de Vestfália (1648), com seu clássico lema "cuius regio, eius religio" (segundo a religião do rei, assim será a do reino). A convivência entre identidades, línguas, religiões e costumes na aldeia global encontra mais facilidades nas belas palavras do que nas duras realidades. Não vale o velho olhar laicista, cego à profundidade das crenças e às dificuldades de convivência. Também não é fácil para muitos países, incluindo os europeus, aceitar simplesmente as lições proferidas por Washington. Mas não há dúvida de que o olhar atento da diplomacia americana sobre o mundo presta um bom serviço à liberdade religiosa e imprime uma orientação à sua política externa com a qual os europeus deveríamos aprender.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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