terça-feira, 28 de maio de 2013

Terras na Grécia têm mais de um dono; país não resolverá cadastro imobiliário antes de 2020
Suzanne Daley - NYT
Não faz muito tempo, Leonidas Hamodrakas, um advogado de Atenas, decidiu prestar mais atenção às terras e aos imóveis de propriedade de sua família --alguns terrenos, alguns poucos edifícios e uma enorme torre de pedra--, localizados em Mani, uma região rural do sul da Grécia.
Mas a propriedade de bens imóveis na Grécia é, geralmente, um tanto nebulosa. Sabendo disso, Hamodrakas colocou um cadeado em seu portão e aguardou para ver o que iria acontecer. Logo, seus vizinhos começaram a se manifestar. Três deles afirmaram que também detinham a posse de partes de sua propriedade.
Numa época de imagens por satélite, de registros digitais e de troca instantânea de informações, a maioria dos registros relacionados a transações de terras da Grécia ainda se encontra manuscrita em livros, catalogados pelos sobrenomes dos proprietários. Não há números de lote. Não há nenhuma clareza em relação aos limites das terras nem ao seu zoneamento. Por isso, não existe um jeito óbvio de saber se duas pessoas --ou 10--registraram a propriedade do mesmo pedaço de terra.
Enquanto a Grécia tenta, a todo custo, sair de uma crise econômica de proporções históricas --que deixou 60% de seus jovens sem emprego--, muitos especialistas citam a ausência de um registro imobiliário adequado como um dos maiores obstáculos ao progresso do país.
Isso assusta os investidores estrangeiros, dificulta a privatização de ativos por parte do estado --conforme o governo prometeu fazer em troca do dinheiro do resgate financeiro que recebeu--, e faz com que seja praticamente impossível recolher impostos sobre bens imóveis.
A Grécia recorreu à cobrança de impostos atrasados por meio das contas de energia elétrica como forma de expulsar os proprietários. E, claro, isso significa que essas propriedades e glebas vazias ainda têm que ser tributadas.
Hamodrakas está longe de resolver a disputa com seus vizinhos. Na Grécia, os tribunais estão lotados de casos como o dele. "Essas coisas levam anos", disse ele. "Talvez demore uma década para que meu caso seja resolvido."
Esse estado de coisas é especialmente irritante porque a Grécia enterrou centenas de milhões de dólares para tentar solucionar o problema durante as duas últimas décadas, mas pouca coisa foi feita apesar de todo o dinheiro gasto.
Em um dado momento, no início da década de 1990, a Grécia tomou mais de US$ 100 milhões emprestados da União Europeia (UE) para criar um registro imobiliário. Mas, depois de verificar o que havia sido realizado, a União Europeia exigiu seu dinheiro de volta.
Desde então, a Grécia tentou, e tentou novamente. Mas, ainda assim, menos de 7% da área do país foi devidamente mapeada, dizem as autoridades. Especialistas dizem que até mesmo os países da região dos Bálcãs, que estão se recuperando de anos de comunismo e da guerra civil, estão muito à frente da Grécia quando se trata de registros imobiliários vinculados a mapas de zoneamento --uma abordagem criada pelos romanos e largamente utilizada por grande parte do mundo desenvolvido desde a década de 1800.
Mas não na Grécia. Aqui a extensão das terras em disputa é enorme, dizem os especialistas.
"Se você calculasse o total de escrituras que estão registradas", disse Dimitris Kaloudiotis, engenheiro que assumiu o cargo de presidente da autoridade nacional de registro de imóveis no mês passado, "o país seria duas vezes maior do que é".
Alguns especialistas se perguntam se realmente não há vontade política para resolver as coisas. Um exército de advogados, engenheiros e arquitetos ganham a vida explorando as constantes discussões sobre a propriedade de terras e para definir que tipo de construção é possível erguer --e onde.
E a falta de mapas de zoneamento se provou rentável para alguns. Pesquisadores descobriram, por exemplo, que enormes extensões de florestas protegidas têm sido ocupadas por construções nos últimos anos após incêndios terem limpado esses terrenos.
Spyros Skouras, economista da Universidade de Economia e Negócios de Atenas, que descobriu que os incêndios aumentam significativamente durante os anos eleitorais, diz que a resolução das questões de terra de uma vez por todas é algo difícil de ser realizado politicamente. "Qualquer governo que queira garantir um resultado nesse sentido irá decepcionar alguém, e nenhum governo quis assumir essa responsabilidade."
Disputas por terra são menos constantes nos centros urbanos, onde as calçadas, as ruas e os muros dos edifícios ajudam a esclarecer os limites. Mas, na zona rural, as escrituras refletem uma outra era. Os limites podem ser as "três oliveiras próximas ao poço" ou o local "onde é possível ouvir um burro percorrendo a trilha".
"Nessa época, existiam caras que nunca tinham ido à escola e tinham cem ovelhas. Esses caras atiravam uma pedra bem longe e diziam: OK, agora esse terreno é todo meu", disse Hamodrakas, que além de seus próprios problemas lidou com muitos casos relacionados à propriedade de terras para seus clientes. "Os documentos podem dizer que um terreno vai 'da árvore até o riacho'. É muito difícil saber do que esses documentos estão falando."
A própria disputa de Hamodrakas, segundo ele, se deve à linguagem usada em uma venda que ocorreu há muito tempo. "Os jornais dizem que o meu bisavô comprou 'a eira e a terra em torno dela'". Mas será que isso significa 15 metros em torno da eira ou 1.500 metros em torno dela?
Em geral, dizem os especialistas, os gregos ficam muito à vontade com um certo nível de irregularidade quando se trata de imóveis. Stelios Patsoumas, arquiteto de Atenas, diz que a maioria das casas da cidade não está de acordo com as normas relacionadas á construção de imóveis. As leis que regem a construção de imóveis na Grécia são tão confusas, contraditórias e ultrapassadas que é praticamente impossível erguer alguma coisa no país sem violar uma norma ou outra.
Recentemente, por exemplo, Patsoumas diz que foi convidado para construir um acampamento de verão para crianças. A lei exigia que as instalações sanitárias ficassem a aproximadamente 45 metros de distância dos alojamentos onde seriam instalados os quartos --uma relíquia dos dias das "casinhas" ou banheiros que ficavam fora das casas.
A maioria das pessoas envolvidas no setor imobiliário da Grécia diz que este estado de coisas está enraizado na complicada história do país. A Grécia resistiu a uma longa série de ocupações e guerras, assim como a ondas de imigração (dentro do próprio país, em direção às cidades) ou emigração. Isso significa que grandes porções de terra da zona rural foram abandonadas --pelo menos durante algum tempo. Um dos problemas para determinar quem é dono do quê é que, em muitos casos, o uso da terra durante 20 anos dá ao ocupante o direito à propriedade dessa mesma terra.
Os credores da Grécia --a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE)-- deixaram claro que querem a aceleração do desenvolvimento de um registro imobiliário e de um mapa de zoneamento, conjunto batizado de cadastro. Especialistas internacionais foram visitar a Grécia no ano passado para oferecer assessoria sobre o tema.
Eles concluíram que os mais recentes revezes foram resultado de um processo de licitação muito ruim, que gerou contratos caros e ineficientes. Julius Ernst, um dos especialistas da Áustria que participou de uma missão de sondagem na Grécia, disse que o governo do país não foi suficientemente claro na definição do que desejava ver realizado nem estipulou como. "Uma grande quantidade de dinheiro foi gasta e ninguém sabe para onde essa quantia foi", disse Ernst.
O objetivo agora é terminar o cadastro até 2020, embora as autoridades gregas acreditem que esse prazo seja otimista demais. No fim das contas, disseram as autoridades, a Grécia provavelmente gastará US$ 1,5 bilhão para endireitar as coisas.
As únicas partes da Grécia que possuem registro imobiliário e cadastro são as ilhas do Dodecaneso, pois elas foram ocupadas pelos italianos entre 1912 e o final da 2ª Guerra Mundial. O uso da terra nas ilhas, que incluem Rhodes e Kos, ainda é guiado pela lei italiana.
Mas mesmo aqui há problemas. Os mapas cadastrais nunca foram atualizados. Muitos incluem praias que há muito foram varridas do mapa pela erosão, além de trilhas, antes utilizadas por burros, há muito desaparecidas. No entanto, os moradores dizem que são gratos por seu registro, que ainda conta com os gigantescos livros verdes utilizados pelos italianos para registrar as escrituras.
"Você tem que entender", disse Afroditi Billiri, advogada que trabalha em Kos e lida com muitas questões relacionadas à disputa de terras. "O que temos aqui pode ser considerado como de vanguarda em relação ao restante da Grécia."
(com reportagem de Dimitris Bounias)
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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