segunda-feira, 20 de maio de 2013

Opinião: A doença da pobreza
Perri Klass - NYT
A pobreza está acostumada à sala de exames. Do hospital Bellevue, em Nova York, ao posto de saúde de bairro em Boston, onde eu trabalhava, a pobreza filtrou muitas das minhas interações com pais e filhos.
Pergunto como eles dormem. Mãe, pai, filho mais velho e o bebê recém-nascido vivem num quarto que alugam num apartamento, temendo ser despejados se o bebe chorar muito.
Incentivo o menino de nove anos de idade, que ama caratê, e sua mãe diz: "tivemos que parar; era muito caro". Falo com a mãe que acaba de ter filho e vai voltar ao trabalho muito cedo, deixando seu bebê com a babá mais barata que puder encontrar.
Sua situação de moradia é segura? Você consegue fazer compras? Ou você compra o fast food mais barato? Você consegue comprar o remédio? Criar filhos na pobreza significa que tudo é mais complicado.
Eu estou há uma geração fora disso. Minha mãe conta sobre sua infância durante a Grande Depressão, sobre a assistente social que verificava as panelas da família para ver se conseguíamos comprar carne em segredo, o senhorio que colocava os móveis na rua. Não era nada nobre ou que fortalecesse o caráter, diz ela. Era algo que destruía a alma, opressivo e cruel.
E agora é ainda mais cruel, uma vez que a mobilidade social diminuiu e as crianças que nascem pobres muito provavelmente permanecerão pobres.
Na reunião anual das Sociedades Acadêmicas de Pediatria, na semana passada, houve um novo chamado para que os pediatras tratem a pobreza infantil como um problema nacional, em vez de lutar com suas consequências caso a caso no consultório.
A pobreza prejudica a disposição das crianças e embota seus cérebro. Nós vimos artigos sobre o déficit de linguagem em lares mais pobres e as lacunas no desempenho escolar. Isso nos lembra que – mais do que na geração de minha mãe – a pobreza neste país provavelmente definirá muitas trajetórias de vida dessas crianças nos termos mais duros: baixo desempenho escolar, altas taxas de abandono escolar e problemas de saúde decorrentes da obesidade e diabetes até doença cardíaca, abuso de drogas e doença mental.
Recentemente, há uma ênfase na ideia de estresse tóxico, segundo a qual o corpo e o cérebro de uma criança podem ser muito danificados pelo excesso de exposição aos chamados hormônios do estresse, como o cortisol e a norepinefrina. Quando esse nível de estresse é experimentado muito cedo na vida, e sem proteção suficiente, ele pode de fato redefinir os sistemas neurológicos e hormonais, afetando permanentemente o cérebro de uma criança e, estamos descobrindo, seus genes.
O estresse tóxico é a consequência opressora da pobreza na infância, determinando o roteiro da vida de uma criança não num cenário parecido com o de Horatio Alger, de determinação e motivação, mas nos moldes de frustração e privação que criam uma vida de limitações.
Na reunião, meu colega Benard P. Dreyer, professor de pediatria na Universidade de Nova York e ex-presidente da Associação Acadêmica de Pediatria, pediu aos pediatras para encararem a pobreza como uma séria ameaça subjacente à saúde das crianças. Ele foi motivado, disse mais tarde, pelas disparidades cada vez maiores entre ricos e pobres, e o peso crescente das provas científicas sobre a importância da primeira infância, e as formas pelas quais a privação e o estresse nos primeiros anos de vida podem reduzir as chances do sucesso educacional e na vida.
"Depois dos três, quatro, cinco primeiros anos de vida, se você negligenciou o desenvolvimento do cérebro dessa criança, você pode não voltar atrás", disse ele. Em meados do século 20, nossa sociedade tomou a decisão de cuidar dos idosos, que já foi o grupo demográfico mais pobre dos Estados Unidos. Agora, com o Medicare e da Segurança Social, apenas 9% das pessoas mais velhas vivem na pobreza. As crianças agora são o grupo mais pobre, com cerca de 25% das crianças abaixo de cinco anos vivendo abaixo da linha de pobreza nacional.
Quando Tony Blair se tornou primeiro-ministro da Inglaterra, em meio a crescentes disparidades socioeconômicas, estabeleceu como meta nacional reduzir a pobreza infantil pela metade em dez anos. Foi necessária uma coalizão de apoio político e um conjunto de medidas que aumentaram a renda, especialmente nas famílias com crianças pequenas (salário mínimo, maternidade paga e licença paternidade, além de créditos fiscais), e serviços melhores – especialmente programas pré-escolares para todos. Em 2010, reduzir a pobreza infantil havia se tornado um objetivo de todas as vertentes políticas da Inglaterra, e a pobreza infantil caiu para 10,6% de crianças vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta (semelhante ao parâmetro usado nos Estados Unidos), abaixo dos 26,1% registrados em 1999.
"As famílias pobres que se beneficiaram da reforma passaram a gastar mais dinheiro em artigos para crianças: livros e brinquedos, roupas e calçados infantis, frutas frescas e vegetais", disse Jane Waldvogel, sociólogo na Universidade de Columbia que estudou a guerra inglesa contra a pobreza na infância.
Dreyer afirmou: "A renda é importante. Você vê pessoas acima do nível de pobreza, e elas acabam sendo pais melhores. É fundamental tirar as pessoas da pobreza, mas além disso, devemos nos concentrar também em dar apoio às famílias em outros aspectos de suas vidas – cuidar dos filhos, acompanhamento médico, pré-escola para todos."
Na reunião das Sociedades Acadêmicas Pediátricas, o palestrante mais inesperado – numa sala cheia de pediatras – foi Robert H. Dugger, sócio-diretor do Hannover Investment Group, que defendeu que a economia invista nas crianças pequenas. "A história mostra que a produtividade aumenta quando as pessoas são capazes de acessar seu direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade", disse Dugger. "Não há nenhuma estratégia de recuperação econômica mais forte do que o compromisso com a primeira infância e o investimento na educação infantil e fundamental."
Pense por um momento na pobreza como uma doença, impedindo o crescimento e o desenvolvimento, roubando das crianças um futuro saudável e feliz que elas poderiam esperar de outra forma. No consultório, nós tentamos atenuar a dor e o sofrimento que são seus sintomas perniciosos. Mas o bem-estar de nossos pacientes depende de mais que isso, de medidas de saúde pública e prevenção que afastem a escuridão para que todas as crianças possam crescer em direção à luz.
(Perri Klass é pediatra e escritora)
Tradutor: Eloise de Vylder

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