sábado, 23 de novembro de 2013

A bobagem que é o governo querer forçar as empresas de internet a manter no pais os dados produzidos pelos usuários locais
Ricardo Setti - VEJA
TESOURO EM SEGURANÇA --  Treasure Island, em São Francisco, onde o Google estaria montando seu centro de dados (Foto: Gerald French / Corbis / Latinstock)
TESOURO EM SEGURANÇA — Treasure Island, em São Francisco, onde o Google estaria montando seu centro de dados (Foto: Gerald French / Corbis / Latinstock)

O MUNDO NÃO É UMA ILHA
Por que é preciso manter a neutralidade na rede e por que é inócuo obrigar os provedores a fazer centros de armazenamento de dados no país, como quer o governo
Alexandre Aragão - VEJA
Um dos principais custos de operação do Google, a maior empresa de internet do mundo, é com a construção e a manutenção de data centers – os centros de armazenamento de dados que tentam dar segurança aos usuários contra vazamentos e ataques cibernéticos.
Nos últimos meses, a companhia investiu 1,6 bilhão de dólares em novas estruturas. Há data centers em campos e em grandes armazéns urbanos. Recentemente, circulou a informação, não confirmada pela empresa, de que uma estrutura montada ao lado de uma ilha artificial que servia de base à Marinha americana em São Francisco, na Califórnia, a Treasure Island, será usada como base para data centers que ficarão ancorados no mar.
Como o Google, as principais operadoras do mundo não estão preocupadas com a localização geográfica de seus data centers. Não importa que as informações de um usuário brasileiro estejam armazenadas no Chile, nos Estados Unidos ou na Finlândia – alguns dos países que têm centros de dados do Google -, desde que estejam em segurança.
Mas o governo do Brasil quer inovar e fazer exatamente o contrário: forçar as empresas a manter no país os dados produzidos pelos usuários locais. É uma medida que não encontra precedentes em nações democráticas e só pode ser entendida como uma tentativa demagógica de dar uma “resposta” aos Estados Unidos depois dos episódios de espionagem envolvendo os dois países.
DO LADO CERTO -- O relator do Marco Civil na Câmara, Alessandro Molon (PT-RJ): “O governo não abre mão da neutralidade” (Dida Sampaio / Estadão Conteúdo)
DO LADO CERTO — O relator do Marco Civil na Câmara, Alessandro Molon (PT-RJ): “O governo não abre mão da neutralidade” (Dida Sampaio / Estadão Conteúdo)
O armazenamento de dados no território nacional é uma proposta que faz parte do projeto do Marco Civil da internet, em tramitação no Congresso. Se no que diz respeito à segurança dos dados ela é inócua, em outros aspectos pode ter consequências, todas negativas: o Brasil correrá o risco de afugentar empresas interessadas em fazer negócios aqui, dado o aumento no custo das operações, e os serviços de internet podem ficar mais caros, uma vez que a tendência será repassar o prejuízo aos consumidores.
Em nota a VEJA, o Google critica o que define como “mudança repentina” das regras: “A emenda proposta, exigindo que as empresas de internet mantenham os dados de usuários locais no país, arrisca limitar o acesso dos brasileiros a serviços de empresas americanas e de outras nacionalidades”.
Esquecido nos escaninhos do Congresso há mais de dois anos, o Marco Civil da Internet voltou à pauta de discussão neste ano depois da revelação de que o governo americano havia espionado o brasileiro. O episódio fez com que a presidente Dilma Rousseff decidisse cancelar um encontro que teria com seu colega dos EUA, Barack Obama, em Washington.
Ela também assinou um decreto que cria um sistema de e-mail nacional para ser usado por integrantes do governo – outra medida com o objetivo declarado de dificultar a espionagem estrangeira, mas sem eficiência prática alguma.
A insistência do governo em defender a obrigatoriedade do armazenamento de dados em território nacional vem emperrando uma discussão, esta, sim, importante para os usuários da internet: a da neutralidade da rede. A ideia de que as operadoras podem basear seus preços apenas na velocidade da conexão e na quantidade de dados baixados pelo usuário já está em vigor no Brasil, mas ainda carece de regulamentação legal, ou seja, precisa ser garantida por lei.
O projeto do Marco Civil pretende fazer isso – proibir que empresas vendam pacotes que deem ao usuário direitos limitados, como acessar apenas redes sociais, e-mails ou notícias, ou que cobrem mais daqueles que queiram baixar conteúdos específicos, como vídeos ou músicas.
“A neutralidade é o pilar do Marco Civil, porque, para além da questão comercial, tem impacto na competitividade e na inovação. Hoje, quem inventa um serviço novo não precisa pedir autorização de ninguém para colocá-lo na internet. Se não houver neutralidade – e esse novo serviço for contra os interesses dos provedores de acesso -, ele pode ser preterido”, explica Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
DO LADO ERRADO -- O líder do PMDB, Eduardo Cunha, que é contra a neutralidade e impede a votação do marco (Foto: Ailton de Freitas / Ag. O Globo)
DO LADO ERRADO — O líder do PMDB, Eduardo Cunha, que é contra a neutralidade e impede a votação do marco (Foto: Ailton de Freitas / Ag. O Globo)
Aprovado, o princípio da neutralidade garantirá que as únicas variáveis que poderão pesar no preço do serviço continuarão sendo a velocidade e a quantidade de dados utilizados. Se um usuário contratar um pacote com velocidade de 1 megabit por segundo, portanto, terá de acessar com a mesma rapidez material proveniente de qualquer site da internet. Sem a neutralidade, as operadoras poderiam oferecer acessos mais rápidos a sites de seus parceiros comerciais e reduzir a velocidade dos concorrentes, por exemplo.
Há um único partido da base aliada contrário à neutralidade da rede, o PMDB. O argumento é que, caso o princípio não existisse, os provedores ofereceriam pacotes básicos mais baratos – com acesso apenas a e-mail, por exemplo -, o que ajudaria na inclusão digital. “Na prática, a neutralidade encarece os pacotes de internet”, afirma o deputado Eduardo Cunha, líder do partido na Câmara.
Nesse ponto, entretanto, o Planalto não está disposto a negociar. “O governo não abre mão da neutralidade”, afirma Alessandro Molon (PT-RJ), relator do texto. Sobre a obrigatoriedade dos data centers locais, o PT está isolado. Nem mesmo seu principal aliado espera que Google, Facebook e afins abram mão de eficiência e custo para manter dados de usuários por aqui.
Nesta semana, um novo texto deve ser apresentado e, finalmente, votado. Enquanto Planalto, Congresso e partidos batem cabeça, o maior prejudicado é o usuário brasileiro. Em um mundo digital e sem fronteiras, o Brasil não pode almejar ser uma ilha.

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