sábado, 30 de novembro de 2013

Tempos difíceis para os burros: população em queda e dependente de subsídios
Raphael Minder - NYT
João Pedro Marnoto/The New York Times
Gonçalo Domingues cuida de seus burros em Paradela, Portugal Gonçalo Domingues cuida de seus burros em Paradela, Portugal
Não é fácil ser burro hoje.
Em primeiro lugar, existe o problema da imagem. Mas esse é antigo. Mais recentemente, há a modernidade e o esquecimento do papel do burro, mesmo aqui, nas terras altas do Nordeste de Portugal, onde durante séculos os burros de Miranda indígenas ajudaram os agricultores a arar os campos e a transportar mercadorias.
Depois de décadas de negligência e, segundo alguns, de mal-entendidos, o destino do jumento chegou a assemelhar-se a de seus colegas humanos no interior europeu em dificuldades: ameaçados pelo declínio da população e dependentes de subsídios da União Europeia para sua sobrevivência.
Agora, em uma era de austeridade, até os burros foram arrastados para o debate sobre o quão longe a União Europeia deve ir para manter suas regiões agrícolas, que estão enfrentando cortes em seu apoio financeiro. A ajuda este ano equivale a US$ 78 bilhões (em torno de R$ 160 bilhões), ou 43% do orçamento global da União Europeia. Entretanto, segundo um acordo recente, as despesas agrícolas vão cair ligeiramente até 2020, para cerca de US$ 68 bilhões por ano, o que representa 38% do orçamento da União.
Desde 2003, o grande e dócil burro de Miranda, cujo nome vem da região onde vive, Tierra de Miranda, foi listado como uma raça em extinção. O Miranda, que tem manchas brancas ao redor dos olhos e uma pelagem grossa que é perdida quando envelhece, foi gradativamente substituído pelo trator e outros equipamentos agrícolas modernos.
E, como os jovens continuam a deixar as áreas rurais em busca das cidades, os burros também estão sendo ameaçados, pois os agricultores que cuidavam deles estão ficando velhos demais para tanto.
"Eu me lembro que a gente via os burros pelas estradas, e hoje realmente não se vê mais", disse Filomena Afonso, diretora do departamento de pesquisa genética animal do Ministério da Agricultura de Portugal, que estima que a população de burros do país tenha caído para um quarto do que era na década de 70.
Até recentemente, o burro de Miranda estava "em uma via de mão única para a extinção", disse Miguel Nóvoa, veterinário e diretor de uma associação que mantém 140 burros de Miranda em dois abrigos, um para reprodução e outro para burros velhos ou abandonados.
Graças aos esforços dos conservacionistas, que pegaram subsídios nacionais e da União Europeia para reproduzir os burros de Miranda, a população recentemente estabilizou-se em torno de 800 animais. Os agricultores também conseguiram obter subsídios -de US$ 230 por ano para cada animal- o que convenceu mais deles a manterem seus burros, apesar de sua utilidade cada vez menor como força de trabalho agrícola.
Sem esses subsídios, "não faria sentido econômico manter meus burros, porém sou apegado a eles", disse Gonçalo Domingues, um agricultor de 70 anos de idade que tem dois Mirandas. Ainda assim, outro agricultor, Camilo da Igreja, vendeu seus dois burros em outubro, após uma cirurgia de quadril o deixar muito fraco para cuidar deles.
Na realidade, a um custo de cerca de US$ 650 por ano, faz pouco sentido econômico manter um burro, mesmo com os subsídios, dizem os especialistas. "Os agricultores de hoje têm burros por amor e não pelos subsídios", disse Javier Navas, cientista veterinário que está desenvolvendo uma tese de doutorado sobre os burros na Universidade de Córdoba, Espanha.
Os conservacionistas dizem que os burros continuam ameaçados, não só no Sul da Europa, mas em todo o mundo ocidental.
"As pessoas simplesmente não percebem que a espécie do burro inteira está em situação de perigo na Europa", disse Waltraud Kugler, diretora de projeto da Fundação Save, uma organização europeia de conservação animal com sede na Suíça.
A Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas enumera 53 raças de burro espalhadas por toda a Europa, incluindo na Rússia e algumas ex-repúblicas soviéticas. Segundo Kugler, sua organização estima que cerca de 30 raças europeias estão em risco, cada um com uma população com menos de 1.000 animais.
Para Kugler, o burro sofreu com uma imagem ruim, que fez com que fosse pouco estudado pelos cientistas. "O burro é visto como um animal estúpido, dos pobres", disse ela, "e é muito difícil essa fama sair da cabeça das pessoas".
Mesmo no Norte da Europa, onde os burros servem mais frequentemente como animais de estimação, eles são mal compreendidos, disse Kugler. Muitas vezes mantidos em prados, onde a grama não é apropriada para a sua digestão, e o solo mole é ruim para os cascos, que são feitos para o solo rochoso.
"A sociedade moderna esqueceu-se completamente do que tornava o burro único, em primeiro lugar,  que é sua origem no deserto e seu costume com o terreno difícil e pouca forragem", disse Kugler.
Esses atributos tornam o burro de Miranda especialmente adaptado para as terras altas de Portugal. Os moradores daqui falam Mirandês -uma língua oficialmente reconhecida em Portugal- e a região parece congelada no tempo. Uma senhora, vestida de preto tradicional das viúvas, explica que ainda usa seu burro, porque sua família não sabia ler nem escrever e portanto nunca tinha tirado carteira de motorista.
Por outro lado, Orlando Vaqueiro, o prefeito socialista no comando de duas das aldeias montanhosas, Paradela e Ifanes, disse que, em termos puramente econômicos "a resposta honesta é que os subsídios não trazem nada".
"Você precisa de subsídios para manter os burros e as tradições agrícolas", disse ele, "mas o resultado também é que todo mundo aqui se tornou completamente dependente deles, de modo que não há espírito de inovação e nenhum desejo de modernizar ou até mesmo de produzir mais".
Mas mesmo que a Europa tenha testemunhado um êxodo do campo para a cidade, a vida rural tradicional, da qual o burro era parte, recuperou algum apelo entre os jovens que lutam para sobreviver nos momentos difíceis da Espanha e Portugal.
Luis Sebastião, um policial militar de 22 anos, disse que fazia regularmente a viagem de ônibus de oito horas desde Lisboa, onde trabalha, para passar os fins de semana em suas terras altas nativas, onde ele espera se aposentar.
"Eu tenho muita sorte de ter um emprego em Lisboa, mas onde é que eu vou ter uma vida melhor, quando parar de trabalhar?", perguntou. "Este é o lugar onde eu realmente me sinto em casa, ao lado dos burros e tudo o mais que torna este lugar tão especial".
Tradução: Deborah Weinberg

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