O mínimo alemão
Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
Em 22 de setembro, os alemães elegeram seus deputados. A
União Democrata-Cristã (CDU), partido da chanceler Angela Merkel, foi a
grande vencedora. Por pouco não conseguiu a maioria absoluta no
Parlamento. Para Merkel continuar na chefia do governo alemão, ela deve
agora compor uma aliança com uma outra força política.
O aliado da chanceler será o Partido Social-Democrata. Desde 23 de
outubro, a CDU e a agremiação irmã da Baviera, a União Social Cristã
(CSU), vinham negociando com os social-democratas - um diálogo que foi
conduzido eficazmente. Hoje, a grande coalizão está perto da conclusão. O
Bundestag, o Parlamento alemão, poderá se reunir no dia 17, quando
autorizará Merkel a formar seu terceiro governo.
As negociações foram difíceis. Os socialistas, mesmo derrotados nas
eleições legislativas, poderiam bloquear todo o processo e, se
necessário, impor novas eleições. Eis porque a todo- poderosa Merkel
precisou "colocar água no seu vinho". E aceitou incluir em seu programa
medidas às quais é visceralmente contrária - como, por exemplo, a
criação de um salário mínimo para os cidadãos alemães.
Na França, as pessoas ficaram espantadas: "Como? Os alemães não têm
salário mínimo?" E tiveram a visão contrária do milagre alemão, desse
país que provoca admiração e inveja do mundo inteiro e deve registrar
este ano um superávit comercial de 200 bilhões.
A contrapartida da formidável saúde alemã são justamente os baixos
salários da população economicamente ativa. Claro que quase todos os
alemães têm trabalho (ao contrário dos franceses, com uma taxa de
desemprego muito elevada), mas é comum que o salário recebido seja
insuficiente para viver: muitos alemães, 1,4 milhão deles, ganham menos
de 5 por hora. Trabalhadores mais favorecidos, 40 milhões de pessoas,
ganham menos de 8,4o por hora. Na França, o salário mínimo é de 9,20
por hora.
A França não sai gloriosa na comparação, porque os altos salários
pagos aos seus operários explicam a debilidade da sua indústria e suas
exportações. A ironia é que os brilhantes resultados da economia alemã
só se tornaram possíveis em razão de medidas severas, adotadas dez anos
atrás, em 2003, pelo então chanceler social-democrata, Gerhard
Schroeder.
Schroeder entendeu que, para tirar a Alemanha do seu desalento, era
preciso impor um tratamento drástico: aumentar a flexibilidade do
trabalho e o lucro das empresas.
O então chanceler raciocinou corretamente e agiu com coragem. E foi
graças àquelas medidas difíceis que seu país conseguiu, mais tarde, sob o
comando então da direita, com Merkel, atravessar os vendavais que se
abatem sobre a Europa desde 2008 e 2009.
Os países que não quiseram reduzir seu conforto, como a França, sucumbiram e enfrentam uma situação muito difícil.
Novos tempos. Agora, Merkel muda de estratégia. Isso por razões eleitorais, sob pressão dos social-democratas, mas não é só.
Toda a Europa há meses acusa a Alemanha de egoísmo, de armazenar
tesouros nos seus cofres sem se preocupar com os efeitos da sua saúde
para as populações enfermas.
Ministros de países vizinhos da Alemanha - incluindo o ministro das
Finanças da França, Pierre Moscovici - insistiam para que a Alemanha
enfim adotasse o princípio do salário mínimo.
Claro que Merkel poderia ignorar os apelos e conservar sua atitude
rígida. Mas, então, os social-democratas rejeitariam uma coalizão de
governo com a CDU. A formação de uma base governista sustentável seria
impossível. E, na eventualidade de novas eleições, elas se traduziriam,
provavelmente, num avanço do partido antieuropeu, o AFD, o que Merkel
não deseja por nada neste mundo.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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