À sombra de Kissinger
Para Obama, o foco deve se deslocar do Oriente Médio para a China, o que requer uma distensão com Teerã
Para Obama, o foco deve se deslocar do Oriente Médio para a China, o que requer uma distensão com Teerã
Demétrio Magnoli - FSP
Agora sabemos que o acordo nuclear não foi um raio no céu claro, mas o fruto de um ano de negociações bilaterais secretas entre os EUA e o Irã, em encontros furtivos em Mascate que contaram com a assistência logística do sultão Qaboos, de Omã. O acordo derivou de uma série de circunstâncias inesperadas, mas também de uma visão estratégica que tem a marca inconfundível da realpolitik. É, apenas, por ora, um acerto tático. Contudo, sinaliza uma brusca reacomodação das placas tectônicas da geopolítica do Oriente Médio. Daí, a fúria indiscreta de Israel e a cólera circunspecta dos sauditas.
Agora sabemos que o acordo nuclear não foi um raio no céu claro, mas o fruto de um ano de negociações bilaterais secretas entre os EUA e o Irã, em encontros furtivos em Mascate que contaram com a assistência logística do sultão Qaboos, de Omã. O acordo derivou de uma série de circunstâncias inesperadas, mas também de uma visão estratégica que tem a marca inconfundível da realpolitik. É, apenas, por ora, um acerto tático. Contudo, sinaliza uma brusca reacomodação das placas tectônicas da geopolítica do Oriente Médio. Daí, a fúria indiscreta de Israel e a cólera circunspecta dos sauditas.
Circunstâncias inesperadas: as negociações em Mascate ganharam impulso com a ascensão do moderado Hasan Rowhani à presidência do Irã, no início de agosto, mas quase descarrilharam semanas depois, sob o impacto do ataque químico na Síria. O advento de Rowhani e a nova disposição negociadora do Líder Supremo Ali Khamenei refletiram a eficácia das sanções internacionais articuladas pelos EUA. As palavras de Obama sobre a "linha vermelha", de 2012, foram formuladas como pretexto para circundar as pressões por uma intervenção na Síria --mas, ironicamente, arrastaram o presidente para o olho do furacão quando Bashar al-Assad ultrapassou a fronteira fatal. A decisão crítica de recuar na última hora representou um duro revés tático e feriu fundo a credibilidade americana --mas salvou o objetivo estratégico. O acordo nuclear desenhou-se naquele instante.
"Munique, Munique!", gritam os israelenses, acusando os EUA de repetirem a rendição ignominiosa de Chamberlain e Daladier diante de Hitler em 1938. É um paralelo tão previsível e fácil quanto falso. O acerto transitório com o Irã congela posições, abrindo um espaço para as negociações substanciais, mas contém o dispositivo crucial das inspeções, que faltava na peça propagandística encenada em 2010 por Ahmadinejad com a cumplicidade do turco Erdogan e de nosso Lula. Os EUA não sonham com a hipótese impossível de eliminação do programa nuclear iraniano, mas com um acordo que conserve Teerã dois passos antes da obtenção de uma bomba. Washington joga suas fichas num sistema de punições e incentivos, oferecendo ao Irã um lugar destacado nas mesas em que se decidirá o futuro da Síria e do Iraque. A sombra de Henry Kissinger, o estrategista dos governos Nixon e Ford, projeta-se sobre a diplomacia de Obama.
Numa era de retração, marcada pelo desastre no Vietnã, Kissinger afastou os EUA da tradição wilsoniana, formulando políticas ancoradas no conceito de equilíbrio de poder e operando a difícil transição americana de uma posição de hegemonia para a de liderança. Obama inclinou-se pelo intervencionismo liberal na Líbia e foi erroneamente acusado de insistir no cruzadismo neoconservador na "guerra ao terror", mas o vetor de sua política global é uma versão adaptada do realismo de Kissinger. No horizonte do presidente, o foco deve se deslocar do Oriente Médio para a China, um movimento que requer a distensão com Teerã.
"Munique!", alvoroçaram-se, por razões distintas, tanto os liberais quanto os neoconservadores diante da distensão de Nixon com Moscou e Pequim. Não era "Munique", como não é agora.
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