Merval Pereira - O Globo
É justamente o caminho inverso do
Brasil, que precisa sair de uma economia consumista para dar prioridade
aos investimentos de infraestrutura e à poupança interna de longo
prazo.As reformas permitirão que os agricultores transfiram suas terras (antes pertenciam ao Estado) e, ainda, dá-las como garantia. Ou seja, "podem usar, beneficiar e transferir suas terras” e também "lucrar" com sua valorização.
Essa alteração tem a ver também com a permissão para a migração rural, começando pelas cidades menores. A previsão é de que ocorra um rápido desenvolvimento econômico, com os trabalhadores recebendo melhores salários num mercado de trabalho urbano competitivo.
Eles poderão vender suas terras e mudar para cidades maiores, onde as ofertas de trabalho sejam melhores. Poderão também abrir seus próprios negócios usando suas terras como garantias para empréstimos bancários.
Haverá também implicações no mercado imobiliário, com a construção de casas adequadas às necessidades dos novos proprietários. Qualquer "investidor privado" (escrito assim mesmo) poderá recorrer ao "seguro de depósito", o que melhora sua garantia perante os bancos.
E o Banco Central já havia removido os controles sobre as taxas de empréstimo. Vai ser criado, para estar funcionando no início do ano que vem, um sistema de seguros para dar a investidores privados “qualificados” condições de investir em vários campos, como a distribuição de energia e até mesmo na exploração dos recursos naturais, hoje controlados pelo governo, inclusive a água.
As bolsas de valores estimularão lançamentos de novos projetos, e o objetivo é que o setor não-estatal assuma cada vez mais um papel central na economia chinesa. As empresas estatais, por sua vez, terão que pagar dividendos maiores ao estado, o que as obrigará a ter lucro. Ou a fechar, na sua ausência.
Esta parte da reforma, no entanto, é a que deverá ser mais lenta, já que a estrutura estatal da economia chinesa é muito grande e forte, inclusive politicamente. No comunicado oficial, está dito claramente que empresas dirigidas pelo Estado serão sempre as formadoras das políticas sociais da República chinesa.
As maiores empresas estatais pagam ao governo de 5% a 20% dos seus lucros como dividendos ao governo. Uma análise da Bloomberg mostra como essas mudanças na China correm risco, pois colocam em xeque vários interesses estabelecidos: as próprias empresas estatais, os governos locais, bancos, autoridades responsáveis pela segurança interna e, no limite, o próprio Partido Comunista chinês.
O paradoxo é que ao mesmo tempo em que a China não pode continuar crescendo da maneira atual, correndo o risco de fraturas sociais e econômicas se as reformas não fossem feitas, promovendo as reformas o Partido Comunista está diluindo seu controle, e pode perder a capacidade de manipular os cordéis.
Isso acontecerá à medida que os empréstimos passarem a ser feitos por bancos privados; a capacidade de orientar o crescimento da economia pode ficar prejudicada se a iniciativa privada passar a decidir investir em áreas controladas por empresas estatais.
O Partido Comunista perderá também aos poucos a capacidade de controlar os cidadãos, já que a política migratória será flexibilizada e eles poderão mudar para onde quiserem. Há também entre os analistas a previsão de que haverá uma mudança fundamental na sociedade ao cabo de alguns anos com as cidades sendo povoadas por um novo tipo de cidadão, menos disposto a obedecer cegamente ao Estados.
Os preços de combustíveis, eletricidade e outras fontes de energia, hoje distorcidos pelas decisões burocráticas, serão decididos pelo mercado, o que dará mais poder aos cidadãos.
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