Bandoleiro tropical
JOÃO MELLÃO NETO - O Estado de S.Paulo
Se você quiser saber o que um homem é de fato, dê-lhe
algum poder. Esse ditado é antigo, mas permanece atual. No escândalo do
mensalão houve provas eloquentes desse comportamento.
Eu me recordo bem do dia 2 de fevereiro de 1991, quando, com mais 512
colegas, tomei posse do meu primeiro mandato de deputado federal. Era
tudo novidade. E, confesso, senti um quê de entusiasmo por estar
conhecendo, pessoalmente, pessoas de que somente ouvira falar pelo
noticiário. A experiência prática, porém, acabaria por me demonstrar uma
realidade bem diversa.
Há no Congresso Nacional um ditado: sejam quais forem os seus
membros, a legislatura seguinte sempre se demonstra de qualidade
inferior à anterior. Infelizmente, é verdade. Até porque existe uma
espécie de "seleção negativa" pela qual a falta de escrúpulos é um
trunfo decisivo na hora de conquistar votos. Nas sábias palavras de
Roberto Campos, o que de fato conta nessa disputa é o "dialeto PAMG", ou
seja, prometer, acusar, mentir e gritar.
Pois bem, apesar de tudo, minha primeira legislatura, pelo nível de
seus componentes, aparentava ser boa. Eu tinha em mente as palavras de
Santiago Dantas, proferidas uns 20 anos antes: em todas as legislaturas a
gente há de encontrar uns 30% de patriotas que darão tudo por suas
convicções, outros 30% que nem sequer sabem que convicções têm e, ainda
assim, restam 40% que votam conforme a onda do momento; trate de
juntar-se aos 30% bons e dessa maneira você será feliz. As palavras de
Santiago Dantas são relevantes porque, entre outros motivos, ele era
tido pela quase unanimidade do Congresso como a cabeça mais brilhante
que por lá havia passado.
Infelizmente, não dá para distribuir elogios a todos. Havia muitos
colegas de legislatura a quem, por mais que eu tente, não consigo
atribuir nenhum.
O trio de "irmãos metralha", por exemplo, por pensamentos, palavras e
gestos, além de omissões, bem mereceu as penas que agora cumpre. O pior
de todos, sem dúvida, é José Dirceu, que soma à empáfia uma dose
intragável de pretenso messianismo. Esse creio conhecer relativamente
bem. E os momentos que relato a seguir ocorreram na quinta-feira logo
após a nossa posse.
O avião que nos traria de Brasília a São Paulo, como sempre, estava
lotado. Estávamos todos os passageiros na fila de embarque quando mais
um imprevisto aconteceu: a aeronave que nos precedia tivera um problema
técnico insolúvel e fomos todos avisados de que não havia mais assentos
disponíveis para nos transportar.
A companhia aérea - vim a saber depois - tinha um procedimento-padrão
para enfrentar tais emergências. Então, trancou o guichê e nos deixou
ao deus-dará. Afinal, todos nós já estávamos bem alojados em Brasília,
pensaram eles. Por que não poderíamos embarcar no dia seguinte?
A princípio acreditei que dava para ganhar essa disputa no grito. Mas
desisti quando me deparei com o então senador Fernando Henrique
Cardoso, que, conformado, se dispôs a adiar o seu embarque.
Mas nem todos os passageiros se mostraram cordatos e compreensivos.
José Dirceu, imitando a foto que o imortalizou, tratou de galgar o
guichê da empresa aérea, proferiu um discurso candente e, a seguir,
invadiu a pista de embarque das aeronaves, sentando-se sobre a roda
dianteira do avião.
A partir daí a Polícia Federal, em conjunto com a Infraero, decidiu
tomar uma atitude drástica. Ambas foram atrás do "passageiro rebelde" e o
removeram da pista. Para evitar maiores danos a "Sua Excelência"
trataram de removê-lo na mesma posição em que o encontraram: de cócoras.
Dirceu perdeu essa batalha, mas nem de longe perdeu a guerra.
Logo depois seria eleito presidente do Partido dos Trabalhadores
(PT), no qual tramou o maior crime político da História do Brasil, o
famigerado mensalão. Aonde ele queria chegar?
Dizem que Dirceu acumulou uma fortuna considerável. Também, pudera!
Na condição de "primeiro-ministro" do antigo e do atual governo, já
conta mais de uma década de poder. Toda a burocracia sabe disso. Sendo
assim, quem ousaria a insanidade de não atender a um pedido dele, ou
mesmo de não o atender ao telefone? Ademais, ele consegue conciliar
amizades tão díspares quanto os irmãos Castro, de Cuba, e Carlos Slim, o
homem mais rico do planeta, com fortes interesses ligados às
telecomunicações.
Com todos esses trunfos, ele pode afirmar-se uma pessoa desapegada de
ambições materiais. Até porque tudo o que desejar "cai de graça" em
suas mãos. Sua fortuna, dizem os desafetos, é incalculável. Abrangeria
desde terras e negócios ligados ao ramo até a área de informática. Foi
por intermédio de Dirceu, homem sobretudo generoso, que o Lulinha, filho
do ex-presidente, logrou vender por nada menos que US$ 5 milhões um
software de qualidade duvidosa a uma empresa concessionária de serviços
públicos. Se a nós, simples mortais, fosse dado saber quantos dólares o
videogame do Lulinha custou ao erário em termos de "reciprocidade",
teríamos todos optado por pagar ao garoto - um Einstein, segundo seu
orgulhoso pai - e deixá-lo com a posse do brinquedo.
Desde que teve de exonerar-se da chefia da Casa Civil da Presidência
da República - por causa do escândalo que já se formava -, Dirceu fazia
questão de se dizer aliviado do pesado encargo: "De agora em diante
poderei me dedicar aos meus negócios particulares, sem ter que prestar
contas a ninguém". Àquela altura, poucos podiam avaliar os estragos que
ele causaria ao Tesouro Nacional. Se tivéssemos uma vaga ideia das somas
envolvidas, teríamos optado por amarrá-lo no cargo.
José Dirceu tentou ser, ao mesmo tempo, um bandoleiro tropical e um
arrebatador de corações de senhoras balzaquianas. Não deu. O que lhe
restou foi um emprego de favor num hotel de segunda.
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