sábado, 30 de novembro de 2013

Sem regalias na Papuda
O Estado de S.Paulo
A Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal (DF), em decisão subscrita por três de seus integrantes, determinou que os 11 condenados no processo do mensalão que cumprem pena na penitenciária da Papuda, em Brasília, recebam o mesmo tratamento dispensado a todos os mais de 9 mil encarcerados no local - feito para abrigar cerca de 5 mil. A Papuda é um dos piores exemplos dos descalabros do superlotado sistema prisional brasileiro. Mas nem isso poderia justificar os afrontosos privilégios desfrutados pelos mensaleiros nos seus primeiros dias de cadeia. Tampouco se poderia admitir que fossem ressarcidos, desse modo, por suas atribulações na transferência para Brasília e subsequente admissão na Papuda.
Os juízes da VEP basearam-se em duas ordens de consideração - uma, de fato; outra, de direito. A primeira focaliza os efeitos da diferença de tratamento para a sempre frágil normalidade no interior do presídio. Uma inspeção realizada na segunda e na terça-feira passadas pelo Ministério Público do DF constatou que se formara um "clima de instabilidade e insatisfação" entre os detentos. Eles ficaram sabendo que, enquanto os seus familiares eram obrigados a chegar na madrugada dos dias de visita para não perder a viagem, tamanha a fila que engrossariam, as portas do presídio podiam se abrir a qualquer hora para dar passagem a levas de políticos - entre eles o governador do DF, Agnelo Queiroz - desejosos aparentemente de levar a sua seletiva solidariedade aos autodenominados "presos políticos" petistas, José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
Grupos de mulheres, incertas se seriam admitidas - porém certas do indigno tratamento que teriam dos agentes penitenciários incumbidos de revistá-las e aos seus pertences -, chegaram a bater boca com um punhado de ativistas do PT, em "vigília" diante do estabelecimento. Detentos também ficaram furiosos com a prerrogativa dos mensaleiros de complementar o invariável trivial servido na Papuda com alimentos que recebessem do exterior a qualquer momento. O caso mais citado foi o da entrega, a cargo da Polícia Federal, de uma pizza destinada a Genoino, tarde da sua primeira noite na cadeia. Assim como em incontáveis outras, ali qualquer coisa à toa pode servir de motivo para violência entre os reclusos ou contra os seus carcereiros: é uma forma corriqueira de acertar contas ou cobrar o atendimento de demandas. Que dizer, então, da descoberta, nesse meio, de uma classe de presidiários com direitos especiais?
"É justamente a crença dos presos na postura isonômica por parte da Justiça do Distrito Federal", argumentam os magistrados da VEP, "que mantém a estabilidade do precário sistema carcerário local." Daí a exigência de que as autoridades observem estritamente as normas prisionais, "especialmente no que se refere ao tratamento igualitário a ser dispensado". A essa fundamentada linha de raciocínio, eles agregaram a questão de direito a que se fez referência no início deste comentário. Trata-se do princípio da igualdade jurídica entre as pessoas. O então presidente Lula se permitiu a enormidade de atacar os críticos das transgressões éticas cometidas pelo aliado José Sarney na presidência do Senado, alegando que ele não poderia ser tratado como se fosse "uma pessoa comum". Mas, em liberdade ou no cárcere, é o que todos devem ser perante a lei.
A condição de político preso não dá a ninguém o gozo de regalias inacessíveis aos outros. A menos, ironizam os juízes, que se consagre a existência de dois grupos de condenados: um, "digno de sofrer e passar por todas as agruras do cárcere" e outro, "o qual deve ser preservado de tais efeitos negativos". Ironia ainda maior é a naturalidade com que figurões do partido que apregoa ter nascido para combater a desigualdade assumiram o papel de "mais iguais" que os demais. Podiam ao menos fingir que preferiam ser tratados com a isonomia de que o PT volta e meia invoca. Mas é pedir muito para quem não se peja, como José Dirceu, de aceitar de um político aliado do governo - e por ele favorecido nos seus negócios - uma sinecura de R$ 20 mil mensais para, nas horas livres, "administrar" o hotel de Brasília de propriedade da família.

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