Sem regalias na Papuda
O Estado de S.Paulo
A Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal
(DF), em decisão subscrita por três de seus integrantes, determinou que
os 11 condenados no processo do mensalão que cumprem pena na
penitenciária da Papuda, em Brasília, recebam o mesmo tratamento
dispensado a todos os mais de 9 mil encarcerados no local - feito para
abrigar cerca de 5 mil. A Papuda é um dos piores exemplos dos
descalabros do superlotado sistema prisional brasileiro. Mas nem isso
poderia justificar os afrontosos privilégios desfrutados pelos
mensaleiros nos seus primeiros dias de cadeia. Tampouco se poderia
admitir que fossem ressarcidos, desse modo, por suas atribulações na
transferência para Brasília e subsequente admissão na Papuda.
Os juízes da VEP basearam-se em duas ordens de consideração - uma, de
fato; outra, de direito. A primeira focaliza os efeitos da diferença de
tratamento para a sempre frágil normalidade no interior do presídio.
Uma inspeção realizada na segunda e na terça-feira passadas pelo
Ministério Público do DF constatou que se formara um "clima de
instabilidade e insatisfação" entre os detentos. Eles ficaram sabendo
que, enquanto os seus familiares eram obrigados a chegar na madrugada
dos dias de visita para não perder a viagem, tamanha a fila que
engrossariam, as portas do presídio podiam se abrir a qualquer hora para
dar passagem a levas de políticos - entre eles o governador do DF,
Agnelo Queiroz - desejosos aparentemente de levar a sua seletiva
solidariedade aos autodenominados "presos políticos" petistas, José
Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
Grupos de mulheres, incertas se seriam admitidas - porém certas do
indigno tratamento que teriam dos agentes penitenciários incumbidos de
revistá-las e aos seus pertences -, chegaram a bater boca com um punhado
de ativistas do PT, em "vigília" diante do estabelecimento. Detentos
também ficaram furiosos com a prerrogativa dos mensaleiros de
complementar o invariável trivial servido na Papuda com alimentos que
recebessem do exterior a qualquer momento. O caso mais citado foi o da
entrega, a cargo da Polícia Federal, de uma pizza destinada a Genoino,
tarde da sua primeira noite na cadeia. Assim como em incontáveis outras,
ali qualquer coisa à toa pode servir de motivo para violência entre os
reclusos ou contra os seus carcereiros: é uma forma corriqueira de
acertar contas ou cobrar o atendimento de demandas. Que dizer, então, da
descoberta, nesse meio, de uma classe de presidiários com direitos
especiais?
"É justamente a crença dos presos na postura isonômica por parte da
Justiça do Distrito Federal", argumentam os magistrados da VEP, "que
mantém a estabilidade do precário sistema carcerário local." Daí a
exigência de que as autoridades observem estritamente as normas
prisionais, "especialmente no que se refere ao tratamento igualitário a
ser dispensado". A essa fundamentada linha de raciocínio, eles agregaram
a questão de direito a que se fez referência no início deste
comentário. Trata-se do princípio da igualdade jurídica entre as
pessoas. O então presidente Lula se permitiu a enormidade de atacar os
críticos das transgressões éticas cometidas pelo aliado José Sarney na
presidência do Senado, alegando que ele não poderia ser tratado como se
fosse "uma pessoa comum". Mas, em liberdade ou no cárcere, é o que todos
devem ser perante a lei.
A condição de político preso não dá a ninguém o gozo de regalias
inacessíveis aos outros. A menos, ironizam os juízes, que se consagre a
existência de dois grupos de condenados: um, "digno de sofrer e passar
por todas as agruras do cárcere" e outro, "o qual deve ser preservado de
tais efeitos negativos". Ironia ainda maior é a naturalidade com que
figurões do partido que apregoa ter nascido para combater a desigualdade
assumiram o papel de "mais iguais" que os demais. Podiam ao menos
fingir que preferiam ser tratados com a isonomia de que o PT volta e
meia invoca. Mas é pedir muito para quem não se peja, como José Dirceu,
de aceitar de um político aliado do governo - e por ele favorecido nos
seus negócios - uma sinecura de R$ 20 mil mensais para, nas horas
livres, "administrar" o hotel de Brasília de propriedade da família.
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