Bom dia a cavalo
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
Como qualquer cidadão, partido, entidade, meio de
comunicação, sindicato, movimento, grupos organizados em geral, o PT
dispõe de liberdade para dizer o que quiser e sempre fez uso dessa
prerrogativa com estridência.
Não raro em contraposição aos fatos, muitas vezes ao modo de
maquiagem da realidade - como faz, mais uma vez, o ex-presidente Lula da
Silva ao dizer que a lei no Brasil "parece que só se aplica ao PT" -,
mas é um direito que lhe assiste.
Até criou dois países diferentes, o "nós" e o "deles", para
simplificar a conexão com a sociedade, cuja maioria por um bom tempo nem
percebeu que os "eles" de ontem estavam perfeitamente integrados - para
não dizer encastelados - no Brasil que na fantasia petista não tem 513
anos; nasceu em outubro de 2002, com a eleição de Lula para presidente.
Mas, digamos que toda fabulação tenha um limite. Se ultrapassado,
expõe os fabuladores ao risco do efeito bumerangue. Ocorre quando suas
narrativas, por assim dizer, alternativas, se voltam contra eles
próprios.
É o caso da recente ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal,
acusado por dirigentes e parlamentares de partido de agir ao arrepio da
lei. Ora, isso só acontece em regimes de exceção, ditaduras.
Estaria o PT se dando conta de que para defender companheiros presos
diz que o País que comanda há 11 anos vive sob a égide de uma Justiça
discricionária, situação contra a qual essas autoridades jamais se
insurgiram? Ao contrário, compuseram a Corte onde ao menos duas vagas
lhes foram franqueadas por aposentadorias antecipadas e dela esperavam
uma compensação.
O discurso do PT atual já não ficaria bem se o partido fosse
oposição. Sendo situação, soa a autoflagelação tão involuntária quanto
imprudente e pouco inteligente.
Um governo reverente à democracia não convive com um Poder Judiciário
arbitrário sem que no mínimo faça algum movimento em prol do retorno da
instituição à legalidade. Se não faz, compactua ou é submisso a essa
deformação.
Vamos à mais recente fala de Lula, que havia prometido nada dizer
sobre até o julgamento dos recursos pendentes. A lei aplica-se apenas ao
PT? Não condiz com a verdade. À ela: só no processo do mensalão foram
condenados integrantes das cúpulas do PTB, PL (hoje PR), dois deputados
do PP e um ex-líder da bancada do PMDB na Câmara. Além de assessores de
três dessas legendas.
Por outros motivos políticos do DEM foram presos (embora não
definitivamente), como o ex-governador José Roberto Arruda ou o
ex-senador Demóstenes Torres, cassado pelo Senado e indicado pelo
Ministério Público de Goiás por corrupção.
Dois parlamentares recentemente condenados pelo STF, deputado Natan
Donadon e senador Ivo Cassol, tampouco pertenciam ao PT. O primeiro foi
do PMDB e está sem partido e o segundo é do PP.
Acrescentem-se os vários governadores que tiveram mandatos
interrompidos pela Justiça Eleitoral devido a abusos do poder econômico
durante as respectivas campanhas. Entre eles um do PSDB.
E por falar em tucanos, está nas mãos do Supremo a ação contra o
deputado, ex-governador de Minas e ex-presidente do PSDB, Eduardo
Azeredo, com a perspectiva de ser julgada ainda em 2014. Acusação?
Peculato e lavagem de dinheiro.
Por essas e várias outras que a memória não alcança e que mediante
pesquisa acurada seriam muitas mais, não se pode dizer que só há
infratores da lei no PT. Da mesma forma e por isso mesmo é falso afirmar
que a lei no Brasil só vale para o PT.
O que existe, sim, é maior repercussão. Primeiro pela dimensão,
segundo pela falta de cerimônia do esquema, e terceiro porque se trata
do partido no poder, cuja conquista deu-se em boa medida por uma
trajetória construída no altar da defesa da ética e dos bons costumes na
política e adjacências.
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