domingo, 24 de novembro de 2013

Suspeito de balear duas pessoas em Paris se compara a Nelson Mandela
Laurent Borredon - Le Monde
Ele optou por se calar. Abdelhakim Dekhar, 48, suspeito de ser o responsável pelo tiroteio contra as sedes do "Libération" e da BFM-TV, não disse uma palavra durante seu interrogatório, que começou na quinta-feira (21) à tarde. "Como ele não tinha acesso a seu dossiê, meu cliente preferiu, por ora, se valer de seu direito a se manter em silêncio no tocante aos acontecimentos", declarou seu advogado, Rémi Lorrain, em um comunicado enviado na noite de quinta-feira. A custódia deve terminar na noite de sexta-feira (22).
Segundo uma fonte judiciária, foi um homem "muito enfraquecido" que falou com os investigadores. Quando os policiais o detiveram em um estacionamento de Bois-Colombes (Hauts-de-Seine), na quarta-feira à noite, ele havia tomado medicamentos: o calmante Xanax e o sedativo Imovan. Abdelhakim Dekhar está sendo investigado por tentativas de homicídio e sequestro. Ele é suspeito de ter atirado com uma escopeta, no dia 15 de novembro, contra um chefe de redação da BFM-TV, e no dia 18 contra um assistente de fotografia no saguão da sede do "Libération", antes de atirar contra a sede do banco Société Générale no bairro de La Défense, além de tomar como refém um motorista até os Champs-Elysées.
Suas motivações ainda não estão claras. Durante uma coletiva de imprensa, o procurador da República de Paris, François Molins, revelou alguns trechos de uma carta sem data encontrada na casa da pessoa que hospedava o suspeito. Ali ele fala "de maneira meio confusa", segundo o magistrado, sobre "um complô fascista", acusa "a mídia de participar da manipulação de massas, sendo que os jornalistas são pagos para empurrar mentiras goela abaixo dos cidadãos", critica "o capitalismo, a gestão das periferias, que para ele é uma operação de desumanização das populações que não interessam ao grande capital." "A carta mereceria ser examinada por um psiquiatra."
Indiciado e julgado em 1994 dentro do caso Florence Rey-Audry Maupin – o casal que matou cinco pessoas em 25 minutos no dia 4 de outubro de 1994 - , Abdelhakim Dekhar foi estudado por vários especialistas em psicologia e psiquiatria durante a instrução do caso. Dekhar, que por vários anos circulou por redes anarquistas, assim como o casal, foi acusado de fornecer um fuzil e de fazer sentinela durante o ataque ao depósito de carros guinchados de Pantin no início da noite de 4 de outubro, e se defendeu alegando pertencer à segurança militar argelina e ser alvo de um complô. Sem sucesso. Em 1998, ele foi condenado a quatro anos de prisão por "formação de quadrilha."
Segundo os laudos dos peritos, aos quais o "Le Monde" teve acesso, os psiquiatras na época foram unânimes em avaliar que ele não sofria de nenhuma "patologia mental, psíquica ou de caráter". No entanto, todos falaram em uma personalidade no mínimo perturbada.
"A maior parte de seu depoimento assume a forma de uma construção mitômana coerente e se organiza em torno de um tema principal, segundo o qual ele seria um agente secreto, com uma missão política determinante a serviço da causa democrática argelina", concluíram em 1996 os médicos Henri Grynszpan e Daniel Zagury em seus contra-laudos médicos-psicológicos. Diferentemente de sua custódia em silêncio de 2013, atordoado pelos medicamentos, Abdelhakim Dekhar na época se mostrava "bastante falante e obviamente feliz de poder se abrir" sobre seu percurso.
Os médicos apontaram para sua "tendência constante em superestimar suas possibilidades": "Ele costuma se comparar a Nelson Mandela (...). 'Estou à procura do meu Zola, aquele que contestará minha prisão com um poderoso 'J'accuse' [referência ao caso Dreyfus]". Logo, evidentemente "parece pouco realista tentar distinguir o que é fantasia e o que é realidade no que ele diz."
"A questão toda é saber dentro de qual limite seu discurso rico e floreado dá conta da realidade", colocavam em 1995 os médicos François Cousin e Michel Dubec, principais especialistas envolvidos no caso Dekhar. E "se por qualquer manifestação mínima de dúvida tentam questionar um dos pontos de sua argumentação, ele imediatamente adota uma posição na defensiva, com mania de perseguição, e pode mostrar grande agressividade verbal", observam os doutores Grynszpan e Zagury. No dia 20 de setembro de 1996, a agressividade se tornou física quando o juiz de instrução lhe notificou a prorrogação de sua detenção provisória. Um policial e o escrivão ficaram feridos.
O próprio Abdelhakim Dekhar mencionou essa "instabilidade" em seus depoimentos junto ao juiz de instrução. Ele a atribuía ao fato de ser membro de uma "minoria humilhada". "Devido às nossas origens, nós sempre vivemos em condições lamentáveis e até mesmo subumanas", ele afirmou. No início da adolescência, ele fugiu várias vezes e por algum tempo ficou sob guarda do juizado de menores. Em 1984, seu serviço militar foi encerrado após poucos meses em razão de problemas oculares. "Foi um pretexto", ele afirmou ao juiz. "O objetivo era me deixar continuar com meu trabalho no serviço secreto." A vida sonhada de Abdelhakim Dekhar começava ali.
Tradutor: Lana Lim

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