sábado, 30 de novembro de 2013

Paris, a valiosa parceira na espionagem da NSA
Jacques Follorou - Le Monde
A indignação manifestada pelo chefe do Estado francês junto a seu homólogo americano, depois que o "Le Monde" publicou no final de outubro documentos internos da Agência Nacional de Segurança (NSA), mostrando a extensão da espionagem sobre os interesses franceses, dava a entender que a França seria uma perfeita vítima.
Novos documentos que foram repassados ao "Le Monde" por Edward Snowden, um ex-consultor da NSA, revelam uma outra realidade: a das ligações extremamente estreitas entre os serviços secretos franceses – Direção Geral dos Serviços Externos (DGSE) – tanto com a NSA quanto com seu equivalente britânico, o GCHQ [Government Communications Headquarters], ou seja, as duas mais poderosas estruturas de interceptação técnica do mundo.
Esses novos elementos mostram como e até que ponto, em nome do combate ao terrorismo, a DGSE construiu e estruturou suas relações com os Estados Unidos e o Reino Unido. A cooperação se desenvolveu no terreno da inteligência técnica e humana. Como parte de uma troca, tomou-se depois a decisão de transferir à NSA e ao GCHQ estoques maciços de dados que transitam em solo francês.
Esses documentos internos da NSA e do GCHQ atestam que as decisões inerentes à criação desse depósito de dados privados e públicos franceses em um amplo fundo comum foram tomadas, em grande parte, por diretores dos serviços secretos técnicos desses países. Eles levantam a questão do poder e do lugar ocupado pelos técnicos da inteligência que puderam, em certos aspectos, se libertar de sua tutela política e das leis que protegem as liberdades.
A primeira nota, do dia 6 de agosto de 2007, veio da direção da NSA encarregada da inteligência por transmissões eletrônicas. Ela carregava o carimbo "top secret", o mais alto grau de classificação. Redigida pela chefe do escritório em Paris e destinada a seus superiores, ela indica que a relação com a DGSE havia "entrado em uma nova dimensão."
A partir de agora, ela escreveu, graças a "uma franca discussão entre a direção das relações exteriores da NSA e a direção técnica da DGSE, iniciada em novembro de 2006, sobre as necessidades de informações e sobre a ideia de criar um modelo de referência em termos de parceria", as trocas não se dariam somente sobre os dados técnicos, mas também sobre as informações em posse de cada um dos serviços secretos.
A chefe do escritório enfatiza o papel central exercido por Bernard Barbier, o diretor técnico dos serviços secretos franceses. "Sua atitude é muito pragmática em relação à NSA sobre questões delicadas e essa mudança de escala na troca de análises surgiu na ocasião de sua visita à NSA em dezembro." Até hoje, ela diz, o compartilhamento de análises era "entravado" pela direção da DGSE.
Agora, comemora a autora da nota, a direção da inteligência da DGSE trará todas suas informações para a conversa com a NSA sobre a África e as questões de contraterrorismo. "Os analistas franceses descobriram que os analistas da NSA tinham muito a oferecer e então ofereceram muito."
Esse acordo foi feito em todos os níveis. No dia 1o de fevereiro de 2007, o chefe da divisão para a África da direção da inteligência da DGSE se encontrou, juntamente com dois analistas, seu homólogo da NSA para a África subsaariana. Segundo a nota, eles falaram essencialmente da crise em Darfur. Outras reuniões foram organizadas para tratar da Costa do Marfim e da República Democrática do Congo. A NSA elogiou os franceses por terem cedido uma carta confidencial que indicava a localização de acampamentos militares em torno do Congo.
No dia 7 de fevereiro de 2007, uma delegação de espiões franceses foi até a NSA para fazer uma apresentação "muito detalhada", avalia a nota, sobre as duas prioridades da DGSE: o Hezbollah no Líbano e a AQMI no Sahel. A partir de então, as trocas seriam institucionalizadas. "Uma visita a Paris nos dias 19 e 20 de março de 2007 para tratar da AQMI. No dia 25 de abril, a DGSE procurou a NSA a respeito dos Bálcãs." E conclui: "Ainda haverá muito a se tirar dessa parceira nessa relação que só está começando."
Um ano mais tarde, graças a uma outra nota obtida por Edward Snowden e já mencionada pelo "The Guardian", descobriu-se que a DGSE também estreitou sua cooperação com o GCHQ britânico. "A DGSE é uma parceira extremamente motivada e competente do ponto de vista técnico que mostrou uma grande vontade de investir em protocolos de internet e trabalhar com o GCHQ na base da cooperação e da troca."
Em março de 2009, os britânicos receberam seus colegas franceses para falar sobre monitoramento da internet em grande escala. Em julho de 2009, os dois parceiros se voltaram a encontrar e continuaram suas conversas sobre aquilo que foi descrito como "o maior desafio do GCHQ": "a continuação das intercepções maciças quebrando os sistemas de encriptação entregues por fornecedores privados." O documento também elogia o caráter "muito amigável" dessas reuniões. Os franceses são apresentados como "muito dispostos" a transmitir seu conhecimento em matéria de encriptação.
Segundo um oficial de alto escalão da comunidade da inteligência na França, esse compartilhamento não está isento de alguns "segredos de ambos os lados." Mas, segundo ele, a DGSE aprofundou ainda mais sua relação com seus parceiros anglo-saxões, sobretudo a NSA, a partir do final de 2011 e início de 2012, adotando um protocolo de troca maciça de dados. A França usufrui de uma posição estratégica em matéria de transporte de dados eletrônicos através de cabos submarinos. Esse fluxo de informações entre a França e outros países, essa "matéria-prima", como classifica a NSA em uma nota revelada por Snowden, é alvo de uma ampla interceptação por parte da DGSE.
Mas o material fornecido à NSA, em grande parte retirado dos cabos, mas não somente, não é uniforme. Os dados coletados têm características técnicas muito variadas e complexas. Eles pertencem tanto a franceses quanto a estrangeiros. A DGSE pode triar centenas delas e assim preservar segredos que dizem respeito à França, mas ela não consegue identificar tudo.
"São várias as razões", explica o mesmo oficial. "Primeiro, não há uma bandeira azul, branca e vermelha atrás de cada endereço. Além disso, certas encriptações podem ser inacessíveis por um período razoável. Por fim, o tratamento de dados eletromagnéticos, por exemplo, requer recursos técnicos dos quais a França não dispõe."
Resultado: o nível de cooperação é tão grande que hoje os dados pessoais que vêm da África ou do Oriente Médio, transitam pela França e pertencem a indivíduos de nacionalidade francesa – empresários, diplomatas, ou até agentes da DGSE em missão – ou mesmo chefes de Estado africanos, podem todos cair nas mãos da NSA justificado pelo combate ao terrorismo.
Se os metadados sobre cidadãos franceses coletados e armazenados pela DGSE escapam da legislação francesa, o que dizer dos que são entregues à NSA? Pessoas próximas de Alain Zabulon, coordenador nacional da inteligência, afirmavam, na quinta-feira (28), "que até se sabia, a DGSE triava todos os dados entregues à NSA". A DGSE se negou a fazer qualquer comentário. As autoridades americanas, que não responderam, continuaram se recusando a falar em documentos protegidos por sigilo.

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