quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tradição de São Nicolau é acusada de racista na Holanda 
John Tagliabue - NYT
São Nicolau entrou em Amsterdã duas vezes neste final de semana.
Na manhã de domingo (17), sob um céu pesado de novembro, ele desceu um barco a vapor perto do Museu Marítimo e depois, montado num cavalo branco alto e vestido com um manto vermelho e dourado e uma mitra de bispo, entre os aplausos de dezenas de milhares das crianças e pais, ele desfilou pelo centro da cidade, acompanhado de seu fiel servo, Pedro Negro (Zwart Piet, em holandês).
Bem, mais precisamente, de servos. Por que ao redor de São Nicolau, que chega às cidades holandesas todos os anos nesta época, numa mistura de Carnaval e Natal, para preparar sua festa em 6 de dezembro, abundavam centenas de Pedros Negros num turbilhão de atividade. Há Pedros Negros cantando e tocando instrumentos; Pedros Negros a cavalo; Pedros Negros de pernas de pau distribuindo balões e doces, e Pedros Negros escalando as fachadas das lojas de departamentos com cordas ou pulando nos telhados dos prédios de seis andares.
Outro São Nicolau chegou no sábado (16) à tarde. Ele se sentou calmamente num palco improvisado em uma praça minúscula perto da Bolsa de Valores, com dreadlocks sob a mitra vermelha e dourada, mas sem o Pedro Negro. Se o Pedro Negro é um holandês branco com o rosto pintado de preto, este São Nicolau era um membro da pequena minoria negra do país, e estava à frente de uma manifestação de centenas de pessoas, brancas e negras, que denunciavam o Pedro Negro como uma tradição racista.
A chegada de São Nicolau, conhecido como Sinterklaas na Holanda (os holandeses levaram o Sinterklaas para a Nova Amsterdã, hoje Nova York, onde mais tarde foi chamado de Papai Noel; e carrega sozinho o saco de presentes), é um evento em vários países europeus, embora só na Holanda e em partes da Bélgica ele seja acompanhado pelo Pedro Negro. Interpretado por homens e mulheres com maquiagem preta no rosto, os Pedros usam trajes estranhos do renascimento (segundo os críticos, do tipo que os lordes do Renascimento vestiam seus escravos para as pinturas feitas pelos antigos mestres), com lábios vermelhos grossos e perucas crespas ou dreadlocks falsos. Grandes brincos de argola também faziam parte da fantasia, mas foram sacrificados recentemente numa concessão aos críticos.
O Pedro Negro é uma figura tola que canta e dança e pula para o deleite das crianças. Embora os holandeses se orgulhem de sua tolerância, agora sentem que a tradição está ameaçada, sacrificada pelo politicamente correto por aqueles que não a compreendem. E o pobre São Nicolau, um símbolo de bondade e generosidade, tornou-se para alguns uma fonte de divisão e, ocasionalmente, de um comportamento bastante desagradável.
Dois anos atrás, quando Quinsy Gario usou uma camiseta com as palavras "Pedro Negro é racista" no desfile de São Nicolau, ele foi jogado ao chão, algemado e detido pela polícia. Nascido em Curaçao e criado em St. Maarten, territórios holandeses no Caribe, Gario, 29, chegou a Amsterdã em 2002 para estudar televisão e teatro. No protesto de sábado, ele andou entre os manifestantes com cartazes dizendo "Libertem Pedro" e "Holanda, que eu possa amá-la novamente". Um deles mostrava o retrato do presidente Barack Obama com os dizeres, em inglês, "Leave Our Face Out Of It" ["Deixe nosso rosto fora disso!"].
O Pedro Negro, disse Gario à multidão, "não seria aceito em nenhum outro lugar do mundo".
Mudando para o inglês, ele acrescentou: "O mundo está assistindo, e a Holanda tem deixado a desejar".
"Eu gostaria que as pessoas assumissem a responsabilidade por mudar isso", disse Gario, conversando depois de sua fala. "Ninguém assume a responsabilidade por essa figura."
E, de fato, os políticos de Amsterdã e outras cidades holandesas estão atentos ao sentimento do público. Uma página do Facebook em apoio ao Pedro Negro reuniu mais de 2 milhões de endossos em poucos dias, um resultado impressionante em um país de 17 milhões de pessoas, mesmo que pesquisas mostrem que cerca de um terço da população está disposta a admitir que o Pedro Negro é um problema. "Pedro Negro é negro", disse o primeiro-ministro Mark Rutte recentemente. "Não podemos fazer muita coisa para mudar isso."
Em outubro, o prefeito de Amsterdã, Eberhard van der Laan, numa carta com palavras cuidadosamente escolhidas para a Câmara Municipal, aconselhou rejeitar uma petição para que o desfile da chegada de São Nicolau fosse cancelado por causa do Pedro Negro. Mas van der Laan, pai de cinco filhos de dois casamentos, reconheceu que a figura "pode potencialmente resultar em manifestações de racismo – por exemplo, se as pessoas de pele negra forem chamadas de Pedro Negro na vida cotidiana". Mas acrescentou, num estilo muito holandês, que "o que mais importa é uma mudança gradual".
Uma mudança gradual, para muitos, não funcionará. O Pedro Negro, diz Marjan Boelsma, que trabalha num grupo antidiscriminação em Roterdã, é a "personificação do racismo". O establishment holandês "diz gradualmente, mas não dá para acabar com o racismo gradualmente."
No sábado, Patrick Winter estava com sua esposa e dois filhos, de 4 e 5 anos, observando o porto enquanto o barco a vapor de São Nicolau, cercado por dezenas de embarcações menores, chegou. Os avós de sua esposa migraram das ilhas do Caribe holandês para a Holanda e no início ela ficou perplexa com a figura do Pedro Negro. Muitos moradores das ilhas são descendentes de africanos levados para lá como escravos. "Levou muito tempo", disse Winter, 44, que é vendedor, e esta foi a primeira vez que a família participou das festividades. "No final", disse ele , "é uma festa para crianças".
Dennis de Vreede concordou. Em 5 de dezembro, véspera da festa de São Nicolau, disse ele, um São Nicolau que ele contratou pela internet chegará à sua casa com dois Pedros Negros. Eles distribuirão presentes e lerão cartas que ele preparou com antecedência sobre como cada um dos três meninos, de 3, 4 e 5 anos, comportou-se. De Vreede, 44, diretor financeiro de um grupo de exploração submarina, disse que o Pedro Negro "é uma festa infantil, e as crianças nessa idade não se importam."
"Precisamos perceber como adultos", continuou. "Do que estamos falando? Não há problemas mais importantes no mundo?"
Norte-americanos que visitam o desfile, em especial negros, costumam ficar confusos. Quando Julie Dastine e outras duas mulheres atravessaram a Praça Dam no sábado, de repente se viram cercadas por cinco mulheres fantasiadas de Pedro Negro, com cabelos crespos e lábios vermelhos, ansiosas para serem fotografadas com três negras norte-americanas.
"Eu não acho que nos cabe comentar a tradição deles", disse Dastine, cabeleireira de Rockland County, Nova York. "No começo, fiquei um pouco confusa", disse ela. "Eles têm o rosto negro, pensei. Não sei como me sinto a respeito disso."
Tradução: Eloise de Vylder

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