Reinaldo Azevedo - VEJA
De vez em quando, este escriba se interessa por helicópteros de políticos. E acaba descobrindo coisas interessantes. Vamos ver?
Antônio
Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é uma espécie de revista Caras do
direito penal. Todos os famosos, colunáveis e celebridades o têm como
advogado: de mensaleiro a Roberto Carlos, passando por uma penca de
políticos graúdos de Brasília, o amigão de José Dirceu não deixa escapar
ninguém. Oferece sua retórica e suas gravatas coruscantes a clientes
que poderiam estar sempre dentro de uma banheira, com um copo de suco
bem amarelo nas mãos, rodeados de maçãs argentinas. Por que as pessoas
comem maçãs em banheiras, não tenho a menor ideia. Cada uma com suas
fantasias, né? Adiante. Kakay também é um colunável, é bom que fique
claro. Não há advogado que apareça na TV com tanta frequência, com seus
óculos sempre muito convincentes. Nessa faina diária, acaba, muitas
vezes, falando o que lhe dá na telha ou endossando o que dá na telha
daqueles que o contratam. E foi assim que a família Perrella, julgando
estar se livrando de um problema, acabou se complicando. E com o auxílio
de seu advogado.
Qual é o
busílis? O helicóptero da Limeira Agropecuária, empresa que pertence ao
deputado estadual Gustavo Perrella (Solidariedade-MG), a uma irmã e a um
primo, foi flagrado pela Polícia Federal transportando 445 quilos de
cocaína. Gustavo é filho do senador Zezé Perrella (PDT-MG).
Inicialmente, o Perrellinha afirmou que o piloto pegara o helicóptero
sem autorização. Desmentido pelo advogado do rapaz, mudou a história.
Teria dado um “ok”, versão endossada por Kakay, para que o outro dizesse
um voo fretado — para ganhar uns trocos, vocês sabem…
E foi aí
que Gustavo e Kakay pisaram no tomate. Segundo as regras da Anac,
aeronaves privadas — de pessoas ou empresas — não podem fazer voos
comerciais, serviço privativo de táxi aéreo. Por isso, a agência decidiu
abrir uma investigação. Na operação, piloto, copiloto e dois
receptadores foram presos. A propósito: Rogério Antunes, o piloto,
estava lotado no gabinete de Gustavo; era seu “assessor” e tinha um
salário de R$ 1.700 pago pela Assembleia. Não para por aí: o deputado
gastou R$ 11,2 mil de sua verba indenizatória para abastecer o
helicóptero; Zezé, o pai — também ex-presidente do Cruzeiro —, torrou
outros R$ 11,1 mil da verba do Senado. O aparelho, reitere-se, pertence à
empresa da família.
Tudo muito estranho
Este que escreve não entraria num helicóptero nem debaixo de porrete. Se é pra voar, nada menos do que um jato — um amigo piloto lamenta a minha ignorância e a minha descrença nas leis da física; essa descrença só existe a alguns mil metros do solo, deixo claro… Muito bem! A história despertou a minha curiosidade.
Este que escreve não entraria num helicóptero nem debaixo de porrete. Se é pra voar, nada menos do que um jato — um amigo piloto lamenta a minha ignorância e a minha descrença nas leis da física; essa descrença só existe a alguns mil metros do solo, deixo claro… Muito bem! A história despertou a minha curiosidade.
O
helicóptero da Família Perrella é um Robinson 66 (R-66). Não que eu
esteja a fim de comprar um, mas fiz a lição de casa para vocês. É dos
mais baratinhos. Por US$ 970 mil, vocês podem comprar um. Quem entende
da área diz ser uma aeronave ideal para transportar pequenas cargas.
Entendo.
Em seu
depoimento, o piloto afirmou que o aparelho já saiu de Avaré, em São
Paulo, carregando a droga. Fez uma viagem relativamente curta até o
Campo de Marte. Dali seguiu para Divinópolis, em Minas, região onde fica
a sede da empresa dos Perrella. Da cidade mineira, rumou para a fazenda
no Espírito Santo, onde foi surpreendido pela Polícia Federal. Vejam o
mapinha (do Jornal Nacional).
O peso
máximo para um R-66 sair do chão é 1.225 quilos — ocorre que só a
aeronave pesa 581 quilos. Sobram 644. Desse total, devem-se descontar
224 kg do combustível. Sobraram 420. Notem: só a carga de cocaína (445
kg) já ultrapassou esse limite. Há ainda os dois pilotos — calculemos
140 quilos. A conta não fecha. Restaria uma possibilidade: o helicóptero
não estar com a carga completa de combustível. Quanto teria de ser?
Vamos pensar:
peso da aeronave – 581 kg
peso dos pilotos – 140 kg
peso da cocaína – 445 kg
soma – 1.166
peso da aeronave – 581 kg
peso dos pilotos – 140 kg
peso da cocaína – 445 kg
soma – 1.166
Sobraram
apenas 59 quilos para o combustível. Com 224 kg, segundo pesquisei, a
autonomia do R-66 é de três horas, voando a 220 km/h. Assim, pode-se
percorrer, chegando ao limite da pane seca (os prudentes não ousam
tanto) 666 km. Huuummm… Regra de três: se, com 225 kg de combustível,
pode-se voar 660 km, com 59 kg, voa-se, no máximo, 173,8 km.
Pois é…
Vejam lá a rota do helicóptero. Entre Avaré e o Campo de Marte (também
fui pesquisar), em linha reta, já são 265,8 km. Entre o Campo de Marte e
Divinópolis, há 513 km — chega-se bem perto da autonomia do aparelho se
tivesse saído com o tanque cheio. De Divinópolis até a fazenda no
Espírito Santo, sempre em linha resta, há 393 km. Nada nessa conta
fecha.
A minha
hipótese é que o piloto pode não estar contando toda a verdade. O mais
provável é que esse aparelho tenha sido abastecido em vários pontos ao
longo da trajetória. E intuo que a droga entrou no helicóptero foi em
Divinópolis mesmo, não em Avaré.
Encerro
Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, se negou a afastar Gustavo Perrella do partido. Em nota, disse que que evitar prejulgamento e coisa e tal. Pois é… Num país normal, o uso de dinheiro público para abastecer o helicóptero que pertence a uma empresa e a contratação de um piloto como assessor parlamentar já liquidariam uma carreira política — especialmente quando o tal helicóptero é adaptado para carregar cargas, como é o dos Perrella. A propósito: qual é a carga habitual?
Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, se negou a afastar Gustavo Perrella do partido. Em nota, disse que que evitar prejulgamento e coisa e tal. Pois é… Num país normal, o uso de dinheiro público para abastecer o helicóptero que pertence a uma empresa e a contratação de um piloto como assessor parlamentar já liquidariam uma carreira política — especialmente quando o tal helicóptero é adaptado para carregar cargas, como é o dos Perrella. A propósito: qual é a carga habitual?
Essa história não fecha, quer nos seus aspectos, digamos, narrativos, quer na matemática.
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